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O verdadeiro custo dos combustíveis baratos: por que a reforma é necessária e como mitigar os seus efeitos?

Arsénio Bumba

Economista angolano e pesquisador económico, licenciado em economia pela Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto. É fundador e CEO do grupo empresarial DABG-Angola Business Group e criador da plataforma Angola Investor Market

A recente subida do preço do gasóleo para 400 kwanzas por litro, anunciada pelo Governo, reacendeu o debate público sobre os impactos sociais da retirada gradual dos subsídios aos combustíveis. Num contexto de desafios económicos sentidos por grande parte da população, é legítimo que muitos angolanos expressem preocupações. No entanto, é necessário esclarecer que esta medida faz parte de um processo estruturado e inevitável de reforma económica que visa corrigir distorções profundas e promover o desenvolvimento sustentável do país.

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Esta decisão está alinhada com o Programa de Financiamento Ampliado assinado entre Angola e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que incluiu a eliminação progressiva dos subsídios generalizados aos combustíveis. O objetivo é reduzir gastos públicos improdutivos, melhorar a transparência na gestão orçamental e reforçar a capacidade de investimento do Estado em áreas sociais e económicas prioritárias.

Durante anos, Angola praticou preços artificiais nos combustíveis, muito abaixo dos seus custos reais de importação, logística e distribuição. Este modelo beneficiava indiscriminadamente todos os consumidores – incluindo os de maior poder aquisitivo – e estimulava o contrabando para países vizinhos. Em 2022, os subsídios consumiram mais de 2 mil milhões de dólares do Orçamento Geral do Estado, um valor que poderia ter sido direcionado para infraestruturas de saúde, educação, transportes e água potável. Com a subida recente do gasóleo para 400 kwanzas por litro, estima-se uma poupança pública superior a 700 mil milhões de kwanzas por ano, aproximadamente 700 milhões de dólares.

A meta do Executivo é eliminar totalmente os subsídios, permitindo que os combustíveis operem a preços de mercado, de forma livre, mas regulada. Esta estratégia permitirá reorganizar o sector energético, atrair investimento privado, combater o desperdício e aumentar a justiça social, através de políticas de compensação específicas para os mais vulneráveis.

Contudo, o impacto imediato da retirada de subsídios é sentido no aumento dos custos operacionais dos transportes, dos bens de consumo e dos serviços, afectando diretamente as famílias de menor renda. Por isso, é urgente que o Governo implemente medidas de mitigação de curto e médio prazo que protejam a coesão social.

Uma das ações recomendadas foi o reajuste controlado da tarifa dos táxis urbanos, de 200 para 300 kwanzas por corrida, acompanhada de medidas que impeçam a especulação abusiva. Paralelamente, é necessário investir na expansão da rede de transportes públicos, com autocarros modernos e acessíveis em zonas periféricas, bem como criar passes sociais para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e trabalhadores com salários baixos.

Outra medida importante seria a criação de programas de subsídios temporários e direcionados, apoiando famílias em situação de vulnerabilidade com transferências monetárias compensatórias, financiadas pelos recursos economizados com o fim da subvenção. Além disso, cooperativas de táxis e mototáxis devem receber apoio institucional, com linhas de crédito acessíveis, formação em gestão e manutenção de veículos.

A médio e longo prazo, os ganhos para o país são significativos. A libertação de recursos anteriormente consumidos pelos subsídios permitirá investimentos mais estratégicos em sectores estruturantes, como educação, saúde, energia limpa, infraestruturas e combate à pobreza. Essa mudança contribuirá também para a estabilização das contas públicas, a redução da dependência do petróleo e o fortalecimento da credibilidade externa de Angola junto aos mercados internacionais e parceiros multilaterais.

É fundamental que o Governo garanta a máxima transparência neste processo. A criação de um portal de acompanhamento das receitas economizadas e da sua aplicação, com dados actualizados e acessíveis à população, reforçará a confiança dos cidadãos nas instituições. Além disso, devem ser promovidos espaços de diálogo com operadores de transportes, associações civis e líderes comunitários para escutar preocupações reais e adaptar as soluções à realidade vivida pelo povo.

A retirada dos subsídios aos combustíveis é uma decisão estratégica, difícil, mas necessária. Representa um momento de viragem histórica no modelo económico angolano, que deve ser acompanhado de responsabilidade social e escuta activa da sociedade. O futuro de Angola exige reformas corajosas, e esta é uma delas.

Com comunicação clara, medidas sociais bem calibradas e aplicação eficiente dos recursos, este processo pode não apenas aliviar o peso financeiro sobre o Estado, mas também abrir novos caminhos para a justiça social, o crescimento inclusivo e a construção de uma Angola mais resiliente e moderna.

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