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Opinião Os 5 em Angola

Um ano de Sol Africano

Filipa Moita

Autora da página de Facebook Os 5 em Angola, que relata as experiências de uma família portuguesa de cinco elementos que imigrou para Angola.

Assim sem mais nem menos e com uma rapidez surpreendente, passaram 365 dias de vida em Luanda. E para assinalar esse facto, pensei em fazer um balanço deste ano por terras africanas. Um balanço positivo, sem no entanto deixar de referir os altos e baixos na adaptação que uma mudança deste género implica na vida de qualquer pessoa e de qualquer família.

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Confesso que os primeiros 2 meses não foram fáceis. Novas rotinas diárias, novos ambientes e experiências, regras rígidas em relação a vários temas e a distância das nossas pessoas queridas, atemorizaram um pouco os nossos primeiros dias e as nossas crianças. Tudo era falado e amenizado, à mistura com muita amor, compreensão e um miminho sempre que era necessário. Tudo isto ajudou a atenuar os sentimentos e as novas amizades criadas foram fundamentais em todo este processo.

Como sabem, temos uma adolescente em casa e foi a de nós os 4, aquela que mais sofreu com esta mudança. Mas a angústia só durou té arranjar amigos na escola e no prédio onde vivemos. Agora gaba-se de ter amigos espalhados por 2 Continentes.

Também nós enquanto família e graças à minha página do Facebook fomos ganhando conhecimentos e amizades de pessoas que vão chegando e tal como eu no início, precisaram de ajuda na integração. E as amizades aqui são do mais importante que existe. Estas pessoas ajudaram-nos imenso a “perceber” a forma de ser de Luanda e a sua estranha forma de vida, em que “primeiro estranha-se e depois entranha-se”. E foi precisamente isto que aconteceu connosco.

Depois de 2 meses de integração da família, decidi começar a trabalhar. Não consegui ficar em casa e por isso recomendo a quem venha, que trabalhe para ganhar dinheiro (bem mais do que essencial por aqui) e que se ocupe pois ainda há escassez de lugares que nos distraiam ou fomentem a nossa cultura. Havemos de lá chegar. A inclusão na minha empresa foi super fácil e as pessoas acolheram-me de forma espectacular.

Além disso, ao integrarmo-nos a 100% na cultura e dinâmica do País ajuda imenso a encaixar nesta engrenagem diária da vida em Luanda.

Ao longo deste ano, acompanhei as obras de requalificação das estradas e passeios de Luanda. Ainda me lembro de ver buracos e crateras gigantescas em todas as ruas da capital e após alguns meses complicados,, constato a redução dos buracos que já pouco atrapalham o trânsito e as rotinas diárias da malta que por aqui trabalha. Mas ainda faltam muitas estradas para corrigir. Já não me chateio com as horas no trânsito provocado com a vinda de um VIP a Luanda ou e um simples corte de uma rua. Desisto de me chatear, arrumo o carro onde posso e vamos jantar uma pizza, fazemos os trabalhos de casa e sempre é uma noite diferente.

Os candongueiros é uma raça de malta que ainda hoje não consigo entender e as motas seguem logo atrás, no ranking dos mais incumpridores das regras de trânsito. Agora que temos passeios largos, bonitos e arranjados, as motas decidem “andar” em cima deles. Ou seja, mesmo para andar no passeio, temos que ter cuidado. Adoro ir comprar fruta e legumes ao mercado da Vila Alice que além da variedade dos produtos apresentados, permite fazer negócios bons com as senhoras. Já não nos assusta uma simples ida a Viana pois a “confusão” é natural e típica por aqui. Ganham-se defesas e tácticas de condução em 3 faixas de rodagem mas em que nelas, circulam até 8 carros entre camiões e bicicletas e com transeuntes a atravessar a estrada. Dizem que na Turquia é pior!

Ainda vejo meninos a pedir gasosa, mas desta vez já não lhes dou dinheiro pois sei que o vão gastar em bebida. Compro sandes e dou-lhes. Alguns refilam comigo mas da segunda vez que me vêm, já sabem e aceitam a oferta. Tenho pena destes miúdos e dos seus olhos quase sempre inundados de tristeza de álcool. E mais pena tenho ao constatar que os que mais têm, são sempre os que menos dão. Porque será? Não têm pena destes filhos da terra abandonados à sua sorte?

Também já conhecemos alguns dos pontos mais turísticos de Angola como Cabo Ledo, o mercado do 30 onde vivemos uma grande aventura, a Vila Alice, o Mussulo, a Ilha, o Parque Quiçama e não conhecemos mais porque as meninas têm imensos trabalhos de casa e o homem da casa, per si, também é uma pessoa super ocupada. Por isso, temos de ser mais caseiros e dar o nosso apoio, mais que prioritário à escola delas. Até aqui há excesso de trabalhos de casa! Obrigada À escola delas! Mas está nos nossos planos, alargar o nosso conhecimento sobre Angola. Fica prometido pois vontade não falta.

Adaptámo-nos super bem à escola e aos nossos empregos. Há cá muitos expatriados e é bom vê-los nos mesmos sítios que nós ao fim de semana, no Mussulo ou em Cabo Ledo, a comer um gelado, o melhor bolo de chocolate do mundo ou na ilha a jantar. Quase que ansiamos pelo fim-de-semana para descontrairmos em grupo e em partilha de experiências. Há um espirito diferente no pessoal daqui, vive-se esta experiência de forma intensa e única. Quem está por estas bandas, sabe exactamente do que falo. Porque quem está em Angola, só quer uma coisa. Quer trabalhar, poupar o máximo, divertir-se na medida do possível e no meio das dificuldades que Angola ainda apresenta, poupar e ter um futuro melhor. E na realização destes objectivos, fá-lo com um espírito aventureiro e de compreensão com o que nos circunda. E há coisas bastante únicas por esta Angola, e que se entranha em nós, quer queiramos, quer não.

Durante este ano, confesso que conduzi poucas vezes mas tenho cada vez mais vontade de o fazer. Já compreendo as regras do trânsito e conduzir dá-me bastante independência, aqui ainda tão condicionada. Ainda só dei uma gasosa e num sábado de manhã. Será que foi sorte?

Outro facto positivo foi o de termos que sair de Angola e entrar novamente devido ao nosso visto e isso possibilitou-nos em 4 dias, conhecer mais um pouco de África, mais concretamente Sun City, na África do Sul. Quem não conhece, aconselho!

Também aprendemos a não recear tanto a rua e o sítio onde vamos, mesmo de noite. Estamos mais descontraídos e menos receosos com o que nos possa acontecer. Será excesso de confiança ou descontracção? Já me disseram que é estupidez natural. Eu não concordo. Depois de estarmos cá 1 ano, relaxamos e constatamos que as histórias negras que nos contam sobre Angola são exageradas. Sim, é certo que temos de ter cuidado mas daí a não podermos sair de casa vai uma grande distância.

Passámos de uma rotina de entrar no carro e imediatamente fechar portas para outra mais descontraída, onde nos esquecemos de as fechar e ainda abrimos vidros e pomos braços de fora para sentirmos o vento na cara. E ver com olhos de ver, o magnífico pôr-do-sol africano.

Participámos em eventos culturais, com jazz e noites temáticas na ilha, sem dormir fomos correr na mini maratona (na véspera tínhamos regressado de Portugal), conhecemos lugares em Luanda menos recomendados com o nosso motorista pois sabe que gostamos muito de aventuras. E graças a isto, já sei qual o musseque e a senhora que faz as tranças que a minha filha do meio tanto gosta. Está prometido um novo penteado no próximo Verão.

Já pedimos peixe fresco com entrega em casa oriundo de praias perto de Luanda e já temos a nossa rotina de compras ao fim de semana no sentido de poupar o mais possível. Já reduzimos as viagens a 3 sítios. Cool!

Já nos aventurámos sozinhos por sítios onde não nos aconselhavam a ir só para descobrir corta-matos que evitem o trânsito. E os musseques são cidades incríveis, com tudo o que precisamos. Fazem lembrar as favelas do Brasil.

As melgas já não querem nada connosco e já não ficamos doentes com as altas temperaturas, humidade ou o uso constante do ar condicionado. Já vamos ao médico mais descontraídos pois há bons profissionais em todas as áreas. Nunca lavei nem lavo os legumes com produtos desinfectantes. E temos um puto que adora beber a água do banho. Parece que já ganhámos defesas pois nem os micróbios nos aguentam.

Já conhecemos o Clube Náutico e a Luanda International School em Talatona muito bem pois as minhas filhas fazem natação de competição e este ano, foram campeãs pelo Colégio Português, batendo uma mega escola como a LIS. Sentem o orgulho? Valeu a pena, sábado sim, sábado não, andar com elas, de um lado para o outro, em competição.   

Aprendi a gostar de comida Libanesa e agora somos todos fãs de Fajitas, das Pizzas da Capricciosa e do melhor e mais saboroso frango assado do mundo no Nandinhos. Confesso que ninguém aqui em casa sente a falta do MacDonalds. E a fruta daqui, deliciosa e enorme, compensa qualquer hambúrguer.

Todos os serviços e produtos que preciso já sei onde os encontrar e há de tudo. E se não soubermos algo, podemos sempre perguntar na página do Facebook das Mães em Angola ou dos Portugueses em Angola. Já me ajudaram imenso. E tenho amizades nascidas destas 2 páginas. E aqui estas amizades são a sério pois são estes os principais sentimentos a que nos agarramos e que nos permitem atenuar as saudades dos nossos lá longe.

Também já conhecemos bastante bem os restaurantes que mais se destacam por aqui. E há tanto potencial e oferta para todos os gostos e carteiras. Basta escolher entre funge, peixe grelhado na ilha, Francesinha, Frango assado ou cozido à portuguesa no São João ao Domingo. Alguma semelhança com Portugal?

Quando vamos às compras e compramos chocolate, ao arrumarmos as compras, se os meninos vierem ter connosco a pedir comer, os meus filhos são os primeiros a dar o chocolate ou outra coisa que tenhamos comprado. Aprendemos que temos de repartir o que temos com quem não tem nada. Este é um dos ensinamentos de Angola. E quando se vai a Portugal pode-se comprar material escolar e livros em quantidade, pois aqui, são bens escassos e caros. E há sempre alguém que precisa.

E nem preciso de ensinar isto aos meus filhos pois o contacto diário nestas bandas, desenvolveu neles, esta necessidade de dar o que têm, de partilhar e de resolver melhor os seus problemas, ínfimos, perante outros muito maiores e que infelizmente presenciam todos os dias. Isto deixa-nos a nós pais, sinceramente orgulhosos.

Quanto à questão mais dura e que nos chocou a todos, já estamos mais habituados com o lixo na rua ou com o trânsito. Faz parte de viver Luanda e do nosso quotidiano. Não gostamos de ver, pois coloca a quem vive na rua ou em condições precárias, um risco elevado de contrair doenças. Já houve melhoras com a sua recolha mas ultimamente, quase que voltámos ao mesmo. Há semanas boas e semanas menos boas. Há semanas em que toleramos melhor e outras não.

Também já consigo habituar-me à ideia de ter uma babá para o meu filho e descansar o meu coração com o facto de ele ficar com uma senhora que apesar de recomendada, é estranha no nosso seio familiar. Nunca tive empregadas a dias ou babás para os meus filhos. Sempre fiz tudo sozinha. Aqui deposito a vida dos meus filhos a estas pessoas e elas em troca, dão o que têm e o que não têm. Parece que se afeiçoam a nós de imediato e essa dedicação revela-se no facto de o meu filho gostar e perguntar por eles mesmo ao fim de semana.

Outra pessoa que já pertence à família é o nosso amigo e motorista. Do A. nem falo, tal é a gratidão que lhe tenho. Ir buscar o meu filho à escola, levá-lo a casa e depois ir buscar as meninas, sempre com extremo cuidado e segurança, no meio deste trânsito de loucos, fazendo as funções parentais com eles, pois toma-os como filhos e tudo isto sempre bem-disposto e com rigor no que faz. E o que valem pessoas assim? Para mim não têm preço.

A adaptação do meu pequenino à escola e às rotinas do pré-escolar foi fantástica e posso dizer-vos que as auxiliares angolanas são umas autênticas mamãs para os nossos filhos. E ai de quem ralhe com eles, pois são as primeiras a defendê-los. São super carinhosas e esse afecto dá gosto ver. Admiro-as imenso. E as reuniões de pais também são sempre acompanhadas de um lanche farto e variado à boa maneira angolana.

Outra coisa que constatei por aqui é a importância que se dá à família e aos filhos. Nesta terra sou chamada de Mamã e quando estou com as minhas crias, há muito respeito à minha volta, quer seja para atravessar a rua, passar à frente em filas ou demover um policia de nos passar uma multa. Ya, já aconteceu!

Após um longo período de contenção, porque como sabem é impossível comprar qualquer coisa que não comer, sabe bem ir a Portugal fazer compras e pedir o Tax Free. É como um miminho que nos dão mesmo ao sair de Portugal. Por isso defendo que deveriam existir mais lojas no aeroporto, para nos “despedirmos” sempre bem de Portugal. E sobre as viagens a PT, sabe bem rever a família apesar da pressão que nos coloca ao termos de ver meio mundo. Gosto muito de todos vocês mas são apenas alguns dias para fazermos imensas coisas de que temos saudade e ver os nossos amigos. Confesso que já estou a pensar em estratégias para que as nossas próximas férias corram melhor que as ultimas. Se alguém tiver conselhos e experiencia para dar, faça favor de os dizer. E embora gostemos imenso de rever as nossas pessoas, sentimos a necessidade de regressar a Angola e à “nossa casa”. Isto é bom sinal e quem tem filhos reconhece o quanto é importante vê-los bem e confortáveis.

Após 1 ano de vida em Angola tenho a dizer que está a valer a pena a experiência e que a ousadia e coragem de sair da bolha está a dar os seus frutos e saímos todos a ganhar por termos o privilégio de podermos usufruir deste sol africano.

Fiquem bem, Ya?

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Filipa Moita

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