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Opinião Os 5 em Angola

De Angola para Lisboa!

Filipa Moita

Autora da página de Facebook Os 5 em Angola, que relata as experiências de uma família portuguesa de cinco elementos que imigrou para Angola.

Ya, sou eu, na minha ultima crónica em Angola. Vai ser uma crónica muito real, muito sincera e muito directa. Não espero que todos gostem da forma como a vou escrever, mas pelo menos, ficam a conhecer-me um pouco melhor e a entender a forma como eu sou, vejo e levo a vida. Se quiserem, podem vir comigo para Lisboa, na minha nova página: De Angola para Lisboa!

Filipa Moita:

Chegámos em Agosto de 2014. Vínhamos com medo, receios e expectativas muito em baixo. O que nos diziam sobre Angola era aterrador, com assaltos e crimes violentos a acontecer frequentemente. A poeira era horrível, o lixo e as crateras no alcatrão invadiam todas as ruas, o trânsito era diário, extenuante e interminável, a pobreza era visível em todo o lado e o luxo de uma minoria chocava e convivia lado a lado com este cenário de degradação social e humana. Tudo isto dava muito que pensar em casa.

Os dias passaram, a rotina instalou-se e naturalmente “entranhámos” nesta vida tão própria e cheia de vicissitudes. Ao princípio, custou muito o facto de não termos a família e amigos por perto e o acesso a muitas das coisas que estávamos habituados. E se aliarmos a isto o facto de não podermos andar na rua à vontade, a falta de organização e limpeza da cidade, a insegurança e o trânsito sempre caótico, ao fim do dia pensávamos nos miúdos e se tínhamos feito a opção correta. Não é fácil explicar a crianças porque andam tantos pobres e miúdos na rua, quase sem roupa, sujos e a mendigar por comida. Hoje percebem o porquê, não aceitam, mas sabem a importância de terem coisas e de dar um pouco de nós e do que temos, a quem nada tem.

Confesso-vos que muito atenuou o facto de termos vindo para uma boa casa num bom bairro, carro e ajudas para pagar algumas despesas. Estas são condições que muitos expatriados e amigos meus não têm. Por isso conheço outras realidades. Mas nem estes benefícios aliviaram o que se vê ao nível de degradação da condição humana. Depois de um certo tempo “habituamo-nos” e deixamos de ver tudo o que no princípio nos perturbava. E os novos amigos que aqui encontrámos foram muito importantes nesta adaptação. Amigos na mesma situação que nós e que foram o nosso suporte e nós o deles. Aqui partilhámos os mesmos sentimentos, alegrias, angustias e preocupações. E isso inevitavelmente une as pessoas.

Por outro lado, começámos a ligar-nos também às nossas “gentes angolanas”, amigos e colegas. Vou de coração apertado, sabendo que deixo pessoas de um valor enorme e que já moram no meu coração. As saudades já apertam e vocês sabem quem são. Pessoas que ajudámos e que em retorno nos deram a sua amizade incondicional. Através da minha página, conheci pessoas que nunca pensei virem a ligar-se a mim como o fizeram, primeiro de forma virtual e depois pessoalmente em Luanda. Deixo cá algumas e sei que em breve as vou encontrar em PT. Falo também pelas minhas filhas que deixam amigas do coração e que já arquitectam reencontros. Vejo o sofrimento delas. São amizades puras, naturais, sem maldade ou interesse. Podia ser sempre assim, não?

E agora, o que dizer deste País? Só se conhece Angola, vivendo cá, sentindo e vivendo o seu dia-a-dia. Impossível explicar esta realidade em palavras. Sei que se pudesse ficava a viver aqui mais uns anos pois desde que cheguei, sempre senti pertencer a este Sol e a esta realidade. Aqui vive-se a vida intensamente, com vontade, com alegria e sem presunção. Tal como devia ser. E é o que dizem, ou se ama ou se odeia Angola. Não há meio termo! E por isso ajudamos quando podemos e criticamos o que está mal porque nos preocupamos, como se sempre tivéssemos pertencido aqui, pois queremos o bem deste País de forma sincera. Vou ter tantas saudades dos meus filhos poderem andar à vontade, com roupa simples, pé descalço, sem stresses, críticas ou necessidade de justificarem aparências. Ser e viver apenas.

Aqui ficamos doentes quando os nossos filhos adoecem e quando vemos a nossa impotência e a dos médicos para os curarem. E ainda mais doentes ficamos ao ver a mortalidade deste povo com uma simples gripe. Revolta saber que têm de pagar por um frasco de sangue ou de soro para se salvarem, não terem dinheiro para os medicamentos prescritos e que até a água para lavarem os seus defuntos tem de ser a família a fornecer. Isto se conseguirem enterrar os seus mortos pois o preço do caixão e do funeral é elevadíssimo. E a hora do parto parece um jogo de roleta russa, sem sabermos se as mães ou os bebés saem com vida dessa experiência.

Revoltam-me estas situações pois nem as condições mínimas este povo tem direito. Já comprei medicamentos para ajudar as “minhas pessoas” angolanas, dei o meu almoço a meninos de rua, paguei aulas de faculdade, e ajudei noutras tantas situações. Sei que foi pouco e podia ter feito muito mais, mas tenho de me ir embora. Fazia de novo, fazia mais, mas não chega, nunca é suficiente a ajuda. E revolta-me tudo isto. Não merecem, estas pessoas e este “mundo” simplesmente não merecem.

Em todo o lado há pessoas boas e más e aqui não é excepção, mas em regra, os angolanos são pessoas puras, sinceras e muito prestáveis, que nos aceitam de coração aberto sem altivez ou ideias pré-concebidas. Vê-se que gostam de nós naturalmente e se precisarmos, ficam contentes em poder ajudar. Ainda me lembro do espanto da minha empregada quando viu água a sair da torneira da cozinha, do medo dela ao aspirar e do que tive de lhe ensinar na limpeza da casa. E do quanto ela gostava de comer os meus bolos, em especial os de chocolate, as nossas trocas de receitas e de ensinar-me a fazer funge. Via amigas minhas protestarem porque as suas empregadas não sabiam limpar. Mas como podiam saber, se elas próprias não viviam em casas, mas sim em barracas? Como podiam saber limpar uma cozinha ou uma casa de banho, se nunca viram algo do género? Complicado, não?

Se quisermos saber o valor da vida humana por aqui, basta entrar num musseque, num hospital publico ou andar nas estradas. Nos hospitais públicos pode-se esperar dias no chão por um médico e morrer de uma infecção provocada por falta de condições de higiene. Nos musseques, vive-se sem luz ou saneamento. As únicas luzes que se vêm são as dos carros que passam pela via principal. Os bebés brincam à beira da estrada sem protecção, os doentes mentais deambulam pelas ruas quase nus com a sua casa em sacos enquanto os meninos de rua continuam a pedir dinheiro para comprarem um saquinho pequeno de whiskey. Recuso-me a dar. Compro pão para mim e para eles e apesar de no princípio ficarem chateados, sabem que no dia seguinte estou lá e há novamente um pedaço de comida que podem pôr no estômago. Mas mesmo isto que faço já não é simples pois o custo dos alimentos aumentou de forma quase insustentável. Até para ajudar está difícil. Fazendo as contas, além da minha família, “alimento” mais 4 ou 5 pessoas pois não conseguimos ficar indiferentes. Abdicamos de nós e das nossas coisas para, de certa forma, tentarmos aliviar a injustiça que sentimos no nosso coração, sabendo o que temos e vendo outros, mesmo aqui ao lado, sem um tecto, cama ou comida para alimentar a sua família.

Por exemplo, na minha casa, as garrafas vazias não vão para o lixo, são para ajudar famílias a encherem com água, numa qualquer fonte e levar para casa, por vezes em trajectos de muitos quilómetros. Os sapatos e roupas dos meus filhos que não servem têm destino certo. O que vai acontecer às minhas pessoas e a outros tantos angolanos quando os expatriados forem embora? A crise afecta-nos a nós, mas de forma pior a eles, que por cá ficam. De certa forma, sempre tinham emprego, ajudas extra e acesso a bens que sozinhos nunca podiam adquirir. Como vão ficar? Alguém pensa nisto?

As ratazanas e as baratas quase dominam Luanda e em conjunto com as melgas são um flagelo pois basta uma picada ou mordedura certa e apanhamos a maior parte das doenças mortíferas que ainda matam às centenas. O lixo já faz parte integrante da paisagem de certas ruas que mesmo com a sua recolha, deixam ficar um rasto de mau cheiro e restos, onde os miúdos insistem em brincar, descalços e sem ninguém a tomar conta. É um milagre as crianças aqui chegarem aos três anos de idade. E se os angolanos têm muitos filhos são para poderem ter acesso aos subsídios dados pelo Estado e que muitas vezes são o seu único meio de subsistência.

A agricultura já devia estar plenamente desenvolvida, não fosse a fixação pelo negócio do petróleo. A terra é fértil e pelo que soube, muitas culturas oferecem colheitas duas vezes por ano. No entanto, ainda falta o principal e essencial para poder produzir e inclusive exportar. Só agora se soube da primeira exportação de bananas para Portugal. As infraestruturas não existem e os bens alimentares demoram horas a chegar à cidade. A crise teve um efeito positivo, começou a despertar o interesse na agricultura e já há fazendas bem organizadas a produzir e a enviar os seus produtos em condições para todo o lado.

As estradas de Luanda estão cada vez mais temerárias e os assaltos mais frequentes. Já se assaltam casas com justificação “in loco”, dizendo que é para alimentar a família. Sinceramente, com os preços aqui praticados, e a constante desvalorização do kwanza, não me admira esta onda de violência. Nunca fomos assaltados, nunca incitámos a que isso acontecesse ou talvez não estivéssemos destinados a isso. Já vimos muitos acidentes de mota, e entre eles, alguns muito graves, onde se podia ver o corpo já sem vida e os miolos da vitima espalhados pela estrada. Ficámos chocados e ainda mais tristes com o facto da nossa filha mais nova ter visto, pois provocou-lhe pesadelos durante dias. Aprendeu o valor da vida humana da pior forma possível.

Vou ter saudades das quitandeiras, à porta do ESCOM, a vender a sua fruta, tamanho XXL, do seu cheiro e sabor único. Não vou descrever, não consigo, pois é simplesmente maravilhosa. Nunca me esquecerei da imagem do nascer do sol às 05h30, da sensação do quente na pele logo pela manhã, da alegria de poder usar sandálias e roupa fresca todo o ano, do facto de não saber o que é uma constipação dos meus filhos, da sensação de ver em alguns dias (poucos) um céu azul, saudades dos almoços de Cozido à Portuguesa e da Francesinha no São João no Maculusso, saudades de dançar na varanda com as minhas filhas graças à musica alta do Moments até de madrugada, saudades do meu cabeleireiro Gonçalo e das suas conversas eruditas sobre tudo. Ali podia descontrair e rir sem “maka”. Acho que nunca encontrei ninguém como ele e levo daqui a sua amizade sincera e o carinho dele pelos meus filhos.

Vou ter saudades do convívio escolar, das reuniões de inicio do ano lectivo, das festas, barraquinhas e brincadeiras dos miúdos, dos balões de água, das sardinhas assadas e do caldo verde no Arraial do Colégio Português. Saudades do Dia de África onde as mulheres angolanas exibem orgulhosamente os seus trajes típicos, dos almoços de trabalho com vista para a Marginal de Luanda e das danças de kizomba no Jango Veleiro. Saudades da confusão da estrada para Viana onde além do trânsito caótico, se pode ver de tudo, entre carros novos, outros prontos para a sucata, carrinhas de caixa aberta com grupos de musica, de igreja ou do futebol a cantar, das poças de água enormes e perigosas que uma noite de chuva pode deixar, da confusão provocada pelo comércio à beira da estrada. Ir às compras ao Mercado do 30 com o W. e os meus filhos e afundar-me em lama de 30 centímetros com o Vicente ao colo a rir, mas contente por seremos os únicos “pulas” ali, ver o comboio passar cheio de grafittis e às escuras, a quantidade de pessoas a passar nas pontes aéreas e a confusão gerada pelo comércio e pelos táxis. Saudades de ir ás compras ao Kinda e devido aos móveis, levar os meus filhos dentro do carro das formas mais incríveis que se possa pensar. Saudades de experimentar restaurantes e sítios novos, lembrar a primeira vez que comi funge no meu local de trabalho e durante a refeição, dar uma notícia em que alguns crocodilos tinham comido umas lavadeiras do rio, constatando que ninguém tinha ficado chocado, a não ser eu!

Vou lembrar-me de quando estive quatro horas parada no trânsito com os meus filhos por causa da visita de um alto dignatário estrangeiro e da importância de se ter um tablet no carro para os entreter. E que dizer da primeira visita do Vicente ao hospital e do pânico que senti por não saber como iriam tratar o meu filho, quando no final, os meus receios eram infundados?

Vou ter saudades de ver a alegria das minhas filhas quando as ia buscar às festas de anos e de vê-las naturalmente a conviver com os amigos angolanos e suas famílias, como se ali pertencêssemos desde sempre. E os angolanos sabem dar festas de anos fantásticas, ok? Nunca tinha visto nada igual! Vou ter saudades das diferentes vistas de Luanda e de parar no Eixo Viário para contemplar o pôr do sol num dia de Verão. Saudades das competições de natação no Clube Náutico e na Escola Internacional de Talatona ao Sábado de manhã e depois ir comer uma pizza quadrada e gigante à Galeria dos Pães. Vou lembrar-me daquela vez que regressámos de viagem num dia à noite e no outro bem cedo, fomos “correr” a meia maratona de Luanda com colegas de trabalho e amigos? O ambiente foi fantástico e inesquecível, com angolanos e estrangeiros a partilhar a Marginal de Luanda. Vou ter saudades das viagens de barco a caminho do Mussulo e das idas a Cabo Ledo com amigos. A paz e liberdade que se sente, quando se chega a estes locais é mágica. Por momentos “esquecemos” os problemas e podemos por momentos, fortalecer a mente e respirar um pouco, ganhando fôlego para mais uma semana de trabalho, numa das cidades mais duras de se viver. Adorámos a visita ao Parque Kissama na companhia de amigos espectaculares. E não esquecerei a alegria dos meus filhos ao ver chegar o pai das suas reuniões em Lisboa, com a mala cheia de pedidos especiais para eles e de encomendas para os nossos amigos.

Aqui há pessoas que se levantam às 4h30 da madrugada para chegar ao trabalho às 08h00 e saem às 17h30 para tentar chegar a casa para jantar, porque se houver chuva, de certeza que há trânsito garantido e que só o fazem depois das 22h00. No dia seguinte, a mesma rotina. É fácil criticar quando estamos longe, certo? E quando falta a luz e a água? Se não se tiver um gerador de apoio, arriscamos a estar dias na escuridão. E nem pensar em fazer compras semanais ou mensais, pois com as constantes faltas de luz, não há alimento no frigorífico e arca que resistam. Isto é a realidade da maioria dos meus colegas expatriados. Pela parte que me toca, apenas me posso queixar de faltas de luz constantes, mas logo repostas ao fim de minutos. Sim, só tenho a agradecer, mas não invalida sentir empatia pelos outros e ajudar no que é possível.

Vou com a mágoa de nunca ter conseguido visitar Benguela, Lobito e outros locais de extrema beleza em Angola. Talvez numa próxima visita o consiga fazer, sem compromissos escolares ou outros impedimentos maiores. Tenho em mim esse compromisso!

E o que dizer do Colégio dos meus filhos? Lembro-me da primeira vez que o visitei. Achei-o pequeno, mas muito típico e com pormenores encantadores. Adorei o ambiente, a amabilidade dos educadores, dos auxiliares e a protecção dos vigilantes para com as crianças. Os professores são fantásticos, muito prestáveis e atenciosos com os alunos, parecendo exercer mais a figura de irmãos mais velhos que professores. E a sua dedicação e carinho via-se em reuniões, festas escolares ou numa exposição emotiva acerca da Segunda Guerra Mundial apresentada pelo carismático professor de História. Também vi essa dedicação na adaptação do Vicente à turma, à professora e às auxiliares. O grupo foi fantástico, muito unido e as actividades super giras reflectiram-se no seu desenvolvimento. Tenho o descanso de saber, como mãe, que o meu bebé teve a educação, atenção, o colo e carinho que mereceu. Todos os professores são exemplos para as crianças e jovens que ali estudam. Já tenho saudades vossas, sabiam? Vou ter boas lembranças dos recreios, da rua do Colégio com as suas árvores centenárias, do cheiro das flores, das visitas surpresa dos macacos na escola, das diversas actividades promovidas pelo colégio e das pessoas que aqui deixo. A maior parte dos professores são portugueses, residentes há anos e que também já “pertencem” a Angola e que apesar da crise, não querem regressar, pois gostam disto. Fundámos uma amizade com base nas nossas raízes e cultivada pelas inúmeras actividades e vivências em conjunto. Impossível esquecer o ano passado em que fomos campeões de natação à frente a uma mega escola de Talatona. A alegria e a cumplicidade de todos levaram-me às lágrimas ao ver os alunos a comemorar com os professores. Um parabéns especial aos incansáveis professores de natação.

Vou ter saudades da babá do meu Vicente, apesar de lhe fazer todas as vontades. Dizia sempre que não conseguia pô-lo de castigo pois custava-lhe muito e que por isso, deixava-o fazer tudo o que quisesse pois adorava o seu sorriso e boa disposição. Adoravam-se um ao outro. As canções que lhe cantava enquanto o “banhava”, as horas passadas a entretê-lo e as expressões típicas que lhe passou, marcou a vida do meu pequenino de uma forma muito particular e por isso a levamos connosco na memória e no coração. Foi connosco que a nossa babá, com quase 30 anos e dois filhos pequenos, comeu pela primeira vez uma fatia de pizza. E adorou. Percebem a importância de darmos valor ao que temos?

Do pouco tempo que aqui estivemos, sei o quanto foi importante para nós e para os nossos filhos a experiência de Angola. O ver e viver outra realidade fez-nos relativizar muita coisa, ainda mais num país com um elevado nível de pobreza. Damos valor a um dia sem doenças e com tudo a correr bem. Deliramos com um molho de agriões desaparecido há meses, com pão acabado de sair do forno na Casa dos Frescos, deliciamo-nos com uma fatia do melhor bolo de chocolate com gelado após um dia de praia, um gin ao fim de tarde entre amigos, o desfrutar de um dia de piscina ou as brincadeiras da minha filha uma tarde inteira a brincar com a melhor amiga. Tudo coisas simples, mas que aqui, têm uma dimensão enorme.

Bem sei que a oferta de sítios e o que fazer ainda é escassa, mas os existentes são bons ou fantásticos. Não há nada melhor do que passear na Marginal da Ilha de Luanda com o pôr do sol no horizonte. A luz criada é do mais lindo que já vi na vida e como fundo, podemos ver os miúdos a brincar na areia, a confusão dos vendedores de peixe e a simplicidade da vida ali, fazem do local um sitio especial para mim. Nada como um belo dia de sol e praia, almoçar na ilha, ver ao longe os barcos contentores e os barcos pesqueiros lado a lado, os miúdos a brincar na água e os vendedores de arte a venderem as suas peças. Tudo isto são calmantes naturais para mim e para qualquer um que aprecie a envolvente de Luanda.

Vou sentir falta de estar no Cais de 4 ao cair da noite e ver no horizonte a Marginal de Luanda com os seus prédios novos e luzes brilhantes, o prazer que sentia ao caminhar e fazer exercício na marginal com amigos. Aprendi que um local não é especial por si. São as pessoas que nos acompanham nessa caminhada e que estão presentes nesse momento, connosco, que o tornam especial.

E os candongueiros e as motos? Obrigada pela experiência que me deram. Daqui para a frente vou estar mais atenta a motos, mesmo quando andar no passeio. E quando estiver a conduzir, hei-de lembrar-me sempre de olhar atentamente para todos os lados da estrada pois apesar de existirem cruzamentos e regras de trânsito, temos sempre de estar atentos às motas que vêm de frente na nossa faixa, às ultrapassagens feitas em todos os sentidos, à circulação de carros em contra-mão, a outros veículos a transitar sem luzes ou stops, dia ou noite, aos peões que atravessam em todo o lado e aos sinais vermelhos que nada significam aqui. Tudo isto, nenhuma escola de condução ensina e permitiu que, seja a conduzir ou a andar, tenha desenvolvido uma atenção extra para tudo o que se passa à minha volta. Quem conduzir aqui em Luanda de certeza que conduz em todo o lado!

No meu local de trabalho deixo conhecidos e amigos verdadeiros, portugueses e angolanos que, sem me conhecerem bem, apoiaram-me nos piores dias e estiveram comigo nos bons momentos, sem pedirem nada em troca. Quanto é que isto vale? Para mim, muito!! A promessa de um reencontro em Lisboa está feita e selada entre nós pois criámos um vínculo que tem de ser continuado e vivido também fora de Angola. Quem já emigrou, sabe que nos podemos adaptar ou não ao País que escolhemos. Mas a forma como nos adaptamos, só depende de nós. E muitas vezes, o facto de estarmos longe de tudo e de todos, leva-nos a escolher portos de abrigo e amigos de forma a suportarmos as saudades de casa e das nossas pessoas. E foi isso que aconteceu aqui, neste lugar. Chegámos, aos poucos fomos observando as suas regras e formas de funcionamento, entrosámos nele com vontade, persistência e sem reservas e conseguimos adaptar-nos. Somos assim! Angola não é a casa perfeita, penso que nenhuma é na sua totalidade. Mas tem pormenores que a tornam única e inesquecível para quem tem a mente e o coração aberto a novas realidades e formas de viver.

Avaliando estes últimos dois anos e no meu entendimento, poucos conseguiriam viver aqui. Há muitas coisas más e impossíveis de esquecer, coisas que vemos todos os dias que nos revoltam o estômago de uma forma brutal e que nem a beleza de alguns sítios, por vezes alivia. Ver a pobreza desta forma e exposição diária, as injustiças, a incapacidade de ajudar, e ao mesmo tempo, lidar com o facto de não se ter mesmo certas coisas, básicas e naturais para nós, transforma-nos, faz-nos crescer e aceitar as coisas tal como elas são. E o que fazemos? Aprendemos a lidar com isso, com discernimento e aceitação, sabendo que há quem não tenha mesmo nada. A primeira vez custa, as seguintes nem tanto, mas depois habituamo-nos a não ter e a dar valor a outras coisas mais importantes, como ter saúde, família, amigos, estudos, pão na mesa e um sitio onde dormir. Há muitos que não têm mesmo nada e ainda sorriem...

Angola ensinou-nos muito e só temos a agradecer por tudo o que fez por nós e ao quanto nos permitiu crescer como pessoas!

Vemo-nos em Lisboa ya?

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Filipa Moita

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