"É preciso ainda deixar de romantizar o que foi a colonização e isso não se limita a exposições ou conferências", deve ser alargado aos manuais escolares e ao espaço público, sustenta o curador, juntamente com André Cunha, da mostra colectiva "Balumuka! – Narrativa poética da liberação... ou ainda, Rebelião Poética Kaluanda", patente no Centro de Artes de Sines e inserida na programação do Festival Músicas do Mundo (FMM).
"O processo de descolonização não deve ser feito só de um lado, pelos angolanos", sublinha Kiluanji Kia Henda, sentindo que, do lado de Portugal, ainda falta abertura para debater o tema, como afirma.
"A descolonização não se limita ao içar de bandeiras ou compor hinos", nota, defendendo "a celebração da memória no espaço público".
É, aliás, para esse efeito que se construirá o Memorial de Homenagem às Pessoas Escravizadas, a ser instalado na zona da Ribeira das Naus, em Lisboa, de que Kiluanji Kia Henda é autor.
O processo de construção do memorial – um projecto da Associação de Afrodescendentes (Djass) aprovado no orçamento participativo autárquico de 2017/2018 – já se arrasta há cinco anos, estando agora em fase de adaptação do projecto, em termos artísticos e orçamentais, mas Kiluanji confia que será possível.
A demora – observa o artista visual – deveu-se, em parte, a "um público que não entende a importância" do memorial e que prefere ignorar que Portugal foi responsável por "quase metade" das pessoas "traficadas desde África" e que os portugueses "foram os primeiros a começar [a escravatura] e os últimos a terminar".
Olhando para Angola, meio século após a independência, Kiluanji Kia Henda vê "um país que ainda tem muitos desafios pela frente (...), que, infelizmente, ainda não encontrou uma estabilidade".
"É um país com uma história muito violenta" e que precisa de "mudanças mais efectivas", considera, orgulhoso da actual juventude angolana, "que tem força, que quer mudar, que não se quer contentar com uma história" que a "subjugou também a um certo silêncio".
Essa juventude dá-lhe "uma certa esperança" e Kiluanji encontra hoje na comunidade artística "uma linguagem muito mais aberta, muito mais contestatária", que "pode levar para um caminho de mudança".
"Balumuka! – Narrativa poética da liberação...ou ainda, Rebelião Poética Kaluanda", que reúne obras de artistas consagrados e outros mais novos, pode ser visitada até 15 de Outubro. É um olhar sobre a música enquanto veículo de preservação da história e a importância que teve no período da libertação colonial, da guerra civil e também da paz.
"Podemos fazer uma leitura sobre a sociedade, olhando para aquilo que foi produzido pelos músicos", realça o curador, lembrando que "muita coisa" já desapareceu e que existe "um grande problema quanto à questão da preservação da memória em Angola".
Porém, há alguns documentários que dão "um panorama bastante profundo sobre certos períodos da história em Angola" e que, por isso, foram incluídos na exposição, que abarca o período cronológico de 1960 a 2025.
São cinco os filmes em exibição, de 1978 a 2018: "Carnaval da Vitória", de António Ole, "Mopiópio", de Zézé Gamboa, "É Dreda Ser Angolano", de Pedro Coquenão + Luaty Beirão, "Luanda – A Fábrica da Música", de Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves, e "Para Lá dos Meus Passos", de Kamy Lara.
O projecto multidisciplinar junta os artistas Cassiano Bamba, Pedro Coquenão e Luaty Beirão, Zezé Gamboa, Kiluanje Liberdade e Inês Gonçalves, Kiluanji Kia Henda, Kamy Lara, Wyssolela Moreira, António Ole e Gegé M'bakudi e Resem Verkron.
Do próprio Kiluanji Kia Henda estão expostas duas séries ("Versus Carnaval" e "O Som é o Monumento"), a que se juntam duas obras comissariadas de Wyssolela Moreira e Resem Verkron & Gegé M'bakudi, em diálogo com o arquivo da editora Valentim de Carvalho, e a série de fotografias "Luandar", imagens inéditas da movida juvenil kaluanda, por Cassiano Bamba.