Ver Angola

Opinião A opinião de...

Transição Energética em Angola: precisamos de saber o que temos e o que faremos

Lourenço Lopes

Doutorando em Planejamento Energético pela Universidade de São Paulo. Mestre em Energia e Sustentabilidade pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduado em Engenharia de Energias pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira e desenvolvedor de práticas de laboratórios de energias renováveis, com predominância a solar e eólica. Faz parte do grupo de pesquisas em Energia e Sustentabilidade da Universidade Federal de Santa Catarina, actuando na área de políticas energéticas.

O desafio mais premente que a humanidade encara neste século XXI reside na necessidade de romper a nossa arraigada dependência dos combustíveis fósseis, substituindo-os por fontes de energia limpa e sustentável.

:

Há várias décadas, temos plena consciência de que os recursos finitos, a saber, o petróleo, o carvão e o gás natural, não são eternos, e sua queima desenfreada polui irremediavelmente a nossa atmosfera. O risco de mudanças climáticas permanentes e irreversíveis tem sido amplamente discutido por mais de 20 anos desde o protocolo de Kyoto, lá em 1997.No entanto, até hoje, ainda dependemos de combustíveis fósseis para mais de 85% de nosso suprimento de energia. Se conseguirmos realizar essa transição energética da maneira certa, poderemos inaugurar uma nova era de prosperidade humana e oferecer às futuras gerações o presente da energia limpa sustentável e acessível que nunca se esgotará.

Em uma linguagem mais acessível, a transição energética, embora pareça um conceito moderno e em voga, não é uma ideia nova. Afinal, sempre que uma sociedade troca sua principal fonte de energia por outra, está vivenciando uma transição energética. A transição do carvão para o petróleo e, subsequentemente, para fontes de energia mais amigáveis ao meio ambiente é notável nesse contexto. A decisão do Reino Unido de adotar o óleo diesel em substituição ao carvão antes da Primeira Guerra Mundial é um exemplo marcante dos impactos significativos que as escolhas energéticas podem ter. Portanto, a transição energética representa a mudança das fontes
de energia provenientes de combustíveis fósseis mencionados anteriormente para fontes de energia limpa e renovável, como solar, eólica, biocombustíveis, hidrogênio verde, hidrelétricas, entre outras.

Este é um tema de profundo interesse para a comunidade científica e, de fato, para a comunidade global, uma vez que enfrentamos desafios decorrentes das mudanças climáticas, cujos efeitos já são perceptíveis em escala global. Como destacado no Relatório de Síntese AR6 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2023), as mudanças climáticas envolvem alterações de longo prazo nos parâmetros climáticos e nos padrões de temperatura. Embora algumas mudanças climáticas sejam naturais, como as variações no ciclo solar, desde o século XIX, as atividades humanas têm desempenhado um papel predominante na geração de
perturbações climáticas, principalmente devido à industrialização e à queima de recursos fósseis, como carvão, petróleo e gás, que resultam na emissão de gases de efeito estufa e no aumento das temperaturas.

Portanto, temos vários motivos para não adiar nossas ações nesse sentido. Os dados indicam que a industrialização, que requer enormes quantidades de energia, é a principal responsável por essas mudanças climáticas. Se não tomarmos medidas a tempo para limitar o aquecimento global a 1,5°C, as consequências podem ser catastróficas. A Agência Internacional de Energia (AIE), em conjunto com as Nações Unidas (ONU), adverte que as mudanças climáticas podem intensificar eventos climáticos extremos, como furacões, secas, inundações e incêndios florestais, causando danos significativos à infraestrutura, agricultura e vida humana, especialmente em nosso continente.

Portanto, dado este cenário e a compreensão de que grande parte da solução para mitigar esses impactos passa por uma transformação fundamental em nossa matriz energética, que exige compromissos detalhados, apoio financeiro e ação imediata, cabe a todos nós, como sociedade, academia, cientistas, formadores de opinião, formuladores de políticas públicas, empresários e profissionais, avaliar como podemos contribuir para a redução desses impactos.A avaliação do nosso potencial e das ações que podemos tomar em termos de geração de energia é um passo fundamental em direção à sustentabilidade e à transição energética. Assim, em uma revisão da literatura na qual examinei o potencial de geração de energia renovável em nosso território nacional, pude constatar o seguinte:

  • Potencial de energia hidráulica: Conforme destacado pelo Ministério da Energia e Águas (MINEA) em 2016, Angola detém um considerável potencial hidrelétrico, resultado da extensa rede fluvial que atravessa seu erritório. Dombaxe (2011) também destaca que das 47 bacias hidrográficas existentes em Angola, 6 são consideradas as maiores devido à área de afluência, com um total de 933.225km 2 , que correspondem a 75% da superfície do país, formando um potencial hídrico excepcional”. os recursos hídricos em Angola são estimados em cerca de 18 gigawatts (GW), o que, por sua vez, poderia viabilizar a produção de aproximadamente 72 terawatt-horas (TWh) de eletricidade.
  • Potencial de Energia Eólica: Conforme o Atlas e Estratégia Nacional para Novas Energias Renováveis, as análises conduzidas nas áreas com viabilidade de integração à rede elétrica revelaram um potencial estimado de 3,9 gigawatts (GW). Ou seja, ventos acima de 4m/s é favorável em praticamente todo o território nacional.
  • Potencial de Energia Solar: O território angolano apresenta um significativo potencial de aproveitamento da energia solar, caracterizado por uma radiação global média horizontal anual variando entre 1.350 e 2.070 quilowatt-hora por metro quadrado (kWh/m²/ano). Nesse contexto, a energia solar emerge como a mais ampla e uniformemente distribuída fonte renovável ao longo do país. Segundo o Atlas e Estratégia das Energias Renováveis de Angola, identificaram-se áreas com atributos propícios para a implementação de projetos fotovoltaicos de média e grande escala, aptos a serem integrados à rede elétrica, com capacidade potencial para a instalação de mais de 17,3 gigawatts (GW) de capacidade (MINEA, 2015; GONÇALVEZ, 2019).
  • Potencial de energia da Biomassa: Foram identificados 42 locais propícios para a instalação de projetos de biomassa, com uma capacidade avaliada em 3,7 gigawatts. Angola é muito rica em soja, cana de açúcar e em biomassa sólida como madeira, resíduos agrícolas, cascas de nozes e outros materiais celulósicos. Com esse potencial, é possível gerar energia através de biocombustíveis, biodiesel, biogás, etanol, resíduos sólidos urbanos etc.

Diante de todo esse potencial, inclusive aquele que ainda aguarda estudos mais aprofundados, surge a indagação sobre como acelerar nossa trajetória na transição energética global. No entanto, é essencial estabelecer, antes de qualquer proposta, que não há uma solução universal para a transição energética. Cada nação apresenta suas particularidades, questões geopolíticas e econômicas que devem ser cuidadosamente ponderadas nesse contexto. Possivelmente, essa transição poderá ser realizada por meio de um mix energético, no qual diversos recursos energéticos se harmonizam, contribuindo para diversificar a oferta de energia interna de um país, incluindo, nesse caso, Angola. No geral, elas podem ser:

  • Promover o Uso de Biocombustíveis: Investir em tecnologias de produção de biocombustíveis a partir de culturas locais, como a cana-de-açúcar e a mamona. Incentivar a incorporação de biocombustíveis na matriz energética para a geração de eletricidade e nos transportes.
  • Desenvolver Energia Solar e Eólica: Explorar o vasto potencial de energia solar e eólica em Angola, principalmente em regiões de alta irradiação solar e ventos constantes. Investir em projetos de fazendas solares e eólicas para diversificar a geração de eletricidade.
  • Melhorar a Eficiência Energética: Implementar programas de eficiência energética para reduzir o desperdício de energia em setores como indústria, transportes e edifícios. Isso pode incluir a introdução de regulamentações de
  • eficiência energética e a promoção de práticas sustentáveis.
  • Expandir a Eletrificação Rural: Levar eletricidade para áreas rurais atualmente não atendidas por redes elétricas, por meio de soluções descentralizadas, como micro-redes e sistemas de energia solar em mini e microgrids.
  • Modernizar a Infraestrutura de Energia: Investir na modernização da infraestrutura de energia, incluindo a expansão e melhoria das redes de distribuição e transmissão elétrica para garantir um suprimento confiável.
  • Estabelecer Parcerias Internacionais: Colaborar com organizações internacionais e parceiros bilaterais para acesso a financiamento e tecnologia, bem como para troca de experiências no campo da transição energética.
  • Capacitar a Força de Trabalho: Investir na formação e capacitação de profissionais locais em tecnologias de energia renovável e eficiência energética, criando uma força de trabalho qualificada para impulsionar a transição energética.
  • Políticas e Regulamentações Favoráveis: Desenvolver e implementar políticas e regulamentações que incentivem a produção, distribuição e consumo de energia limpa e renovável. Isso pode incluir metas de energia renovável e padrões de eficiência energética.
  • Conscientização Pública: Promover a conscientização pública sobre a importância da transição energética, incentivando práticas de consumo responsável de energia e a participação ativa na adoção de fontes de energia mais limpas.

Conclusão

Isto posto, Angola detém de excelentes recursos para se manter na frente, rumo à corrida da transição energética e consequente expansão de sua matriz energética. Mas como mencionado, não existe uma solução única para que essa transição ocorra. Por isso, a aceleração da transição energética em Angola requer uma abordagem holística, que inclua investimentos em infraestrutura, regulamentações favoráveis, educação e conscientização pública. Com o compromisso adequado e a implementação eficaz dessas estratégias, Angola pode avançar em direção a uma matriz energética mais sustentável, contribuindo para a redução das emissões de carbono e o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Além disso, é importante lembrar que a independência energética não é apenas uma questão de produção e consumo de energia, mas também uma questão de desenvolvimento econômico e social. A transição para uma economia mais diversificada e sustentável pode levar a uma melhoria na qualidade de vida da população e um futuro mais brilhante para Angola.

Referências

http://www.mme.gov.br/eficiencia-energetica.

AIE. Disponível em: https://www.iea.org/topics/global-energy-transitions-stocktake

ONU. Causes and Effects of Climate Change. Disponível em: https://www.un.org/pt/climatechange/science/causes-effects-climate-change. Acesso em: [10/10/2023].

IPCC, 2023. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-cycle/

Opinião de
Lourenço Lopes

Permita anúncios no nosso site

×

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios
Utilizamos a publicidade para podermos oferecer-lhe notícias diariamente.