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Zungueiras de Luanda vivem entre o “negócio” e as “corridas” na rua

Pode comprar-se de tudo um pouco nas ruas de Luanda, do sabão, a brincos e até roupa, panelas ou fruta, mas o negócio das zungueiras, as mulheres da venda ambulante, está cada vez mais ameaçado pelas corridas dos fiscais.

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"Eu não estou a vender porque a corrida está a ser demais. Os fiscais estão a dar-nos muita corrida", começa por contar à Lusa, revoltada, Belita Silva, zungueira de 38 anos que se queixa do negócio e da perseguição dos fiscais municipais.

A corrida pelas ruas de Luanda, fugindo à detenção e para isso abandonando a mercadoria nos passeios ou nas estradas, tornou-se numa rotina diária destas mulheres.

É que para acabar com a venda ambulante desordenada nas ruas da capital, várias administrações municipais da capital estão a aplicar multas a partir de 45.009 kwanzas, equivalente a dois salários mínimos nacionais. A medida é justificada com a lei das transgressões administrativas, recentemente aprovada, e adverte que além dos vendedores também quem compra na rua da capital pode ser sancionado.

"Essa multa que eles estão a pedir é muito, nós não ganhamos esse dinheiro todo", explica Belita, que com a venda de havaianas ainda consegue sustentar uma casa com um marido e cinco filhos.

Já leva 14 anos de negócio e muitos quilómetros de corridas dos fiscais e já perdeu a conta às vezes que fugiu dos fiscais, deixando a mercadoria para ser apreendida. "Não nos deixam vender, é só corrida, corrida. Marido não tem emprego, vamos fazer como? No mercado não tem lugar, os langas [imigrantes da República Democrática do Congo] encheram tudo aí, angolano não tem lugar", desabafa Belita.

Com cerca de dois milhões de habitantes só no perímetro da cidade, pelas ruas de Luanda é possível comprar um pouco de tudo nas zungueiras, mulheres que com os filhos às costas circulam com bacias e todo o tipo de produtos à cabeça, para montarem a venda em qualquer lugar: basta haver cliente.

Agora, além das multas, arriscam uma pena de até três meses de prisão, conforme avisos feitos recentemente pelas autoridades de Luanda.

"A fiscalização é um caso sério, muito sério mesmo. Não nos deixam à vontade, vêm sempre aqui, levam o nosso negócio e não nos entregam", insurge-se Eva Maria, zungueira em Luanda há 13 anos.

Queixa-se nomeadamente do negócio – a mercadoria – que os fiscais levam e que raramente conseguem recuperar: "Andamos cansadas", desabafa.

Ainda assim, na rua, todas sabem a regra: "A polícia vem, é fugir. Quem ficou, ficou, quem salvou, salvou", diz Eva, enquanto observa a rua, não vá ser surpreendida pelos fiscais.

Madalena Alberto tem 35 anos e vende pastas, negócio que já leva 14 anos, mas que nunca esteve tão mal, devido à crise e às corridas. "Por causa da corrida há dias que levo 10, 15 mil. Quando o dia está bom levo 35 mil em casa", explica esta zungueira.

Já foi presa "umas quatro ou cinco vezes" por vender na rua e confessa que já se habituou a fugir dos fiscais. Tal como Luzia Maria, de 25 anos, que encontrou na rua, vendendo sabão, o sustento para dar de comer aos dois filhos.

"Há dias que estamos à vontade, há outros que é correr mesmo", desabafa, pedindo apenas um "lugar seguro" para vender. Até porque sem isso, acabam todas a vender junto à estrada e perseguidas pelos fiscais. "Já fui presa, mas isso foi ultrapassado", atira.

Com a crise provocada pela quebra nas receitas do petróleo a deixar milhares de angolanos no desemprego, a venda ambulante tem levado muitos para as ruas. É o caso de Avelino Segunda, de 22 anos, que entrou na zunga (a venda ambulante) há cerca de um mês. Vende sacos para alimentar os quatro filhos que tem em casa e conta que "ainda" não foi preso.

"O dia está mal, uma pessoa não consegue procurar o pão", conta. Apesar de novo na venda ambulante, já aprendeu a regra da rua. "Se você não fugir, te levam mesmo".

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