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Repensar o lugar da história da Kimpa Vita nos livros de ensino médio em Angola

Abel Quijila

Bacharel em Interdisciplinar em Humanidades, Mestre em Interdisciplinar em Humanidades, e licenciando em História pela Universidade da Internacional da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira/UNILAB.

Quando pretendemos estudar sobre a história da África centro-ocidental, a expressão “tradição oral” é utilizada com frequência e de diferentes formas por vários estudiosos que a ela dedicaram as suas investigações.

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Segundo o historiador e escritor maliano Amadou Hampaté Bâ (1982), na tradição oral existe a vertente didático-pedagógica, por causa da sua importância na transmissão dos conhecimentos de um povo, considerando que ela é a grande escola da vida. Portanto, quando olhamos para a tradição oral angolana, percebemos como ela também se construiu a
partir de provérbios, contos, canções, adivinhas, fábulas, poesias, danças e diversas narrativas, que ao longo de séculos foram passando de boca em boca, tendo começado a ser fixada pela escrita ainda no século XX por autores como Óscar Ribas (1952).

Essa tradição garante a continuação dos hábitos e costumes da ancestralidade por vários povos que compõem o mosaico cultural de Angola. Por exemplo, para os bakongo, povo em análise, a tradição oral é de capital importância para a transmissão da filosofia de vida na sociedade, em destaque às crenças aos espíritos dos ancestrais que ainda são
venerados e isso é irrefutável para os bakongo, pois é uma premissa essencial para a perpetuação do legado cultural enquanto povo.

Para Bento Dodão ( 2017, p.14), “os bakongo, cuja a língua é o Kikongo, viveram principalmente no Nordeste de Angola. Hoje, encontram-se nas províncias de Cabinda, Uíge, Zaire e algumas parcelas de Cuanza Norte e Bengo. Este conjunto de indivíduos que viveram e continuam a viver em comunidade, não teriam o carácter de comunidade sem que
existisse a língua Kikongo”.

Kimpa Vita além de estar registrada em documentação europeia, também está presente na oralidade bakongo de Angola. Sendo assim, é mais uma ferramenta que fortifica a presença da própria tradição oral e a importância de recontar a história do império do Kongo, que hoje representa a atual Angola, os dois Congo e Gabão.

É indiscutível falar da história do “império” do Kongo sem o protagonismo da Kimpa Vita, pois carrega consigo uma memória de resistência e luta para o povo bakongo, razão pela qual, quando nos propomos questionar a ausência da sua história nos livros de História do ensino médio em Angola, mesmo ela simbolizando essa personagem heroíca na luta
contra a expansão do catolicismo romano e do tráfico dos escravizados no Kongo (BATSÎKAMA, 2021), pensamo-la a partir da falta de uma possível memória coletiva para às próximas gerações que não estarão aprendendo sobre a sua história e legado nas escolas.

Cadê a história da Kimpa Vita nos livros de ensino médio?

Na sociedade angolana pouco fala-se do protagonismo, da trajetória, história e memória da Kimpa Vita, principalmente, no que concerne o seu olhar crítico ao catolicismo. E ao consultarmos o principal livro de “História de Angola” publicado em Argel, em Julho de 1965 pelos intelectuais de Centro de Estudos Angolanos do governo do MPLA, que provavelmente serviu de base para a produção dos manuais de ensino de história em Angola durante os primeiros anos de independência, também observamos a ausência da história da Kimpa Vita.

Acontece que ao pesquisarmos e consultarmos os livros (10ª classe, 11ªclasse e 12ªclasse) de História do ensino médio em Angola sobre o legado da Kimpa Vita nas escolas, percebemos que a sua história não é retratada em nenhum capítulo dos livros, e essa ausência nos deixou bastante surpreso dado a sua importância na oralidade bakongo e na
historiografia angolana ( RIBAS, 1960). Como entender que em nenhum dos livros que servem como o meio de transmissão de valores culturais para a comunidade estudantil nas escolas, não reservaram nenhum capítulo para destacar o protagonismo da Kimpa Vita, que históricamente resgatou a espiritualidade bakongo e travou o tráfico negreiro transântlico durante o colonialismo europeu com o seu movimento antonista? Nos questionamos.

Em suma, repensar o lugar da Kimpa Vita e o movimento Antonista nos livros de ensino médio, é resgatar o legado da sua memória na sociedade angolana como símbolo de uma mulher destemida, que usou todas as estratégias a sua volta para lutar contra asingerências externas na política e proteger a espiritualidade do povo bakongo diante da
invasão europeia sobre o império do Kongo.

Referências bibliográficas

BÂ, Amadou Hampaté. A tradição viva. In: História Geral da África. Vol. I. São

Paulo: Ática; [Paris]: Unesco, 1982, p. 181-218.

BATSÎKAMA, Patrício. Dona Beatriz Ñsîmba Vita. 1.edição. Aracaju, SE: Ancestre. 2021.

BENGUI, Pedro. HISTÓRIA da 10ªclasse. Lda-ANGOLA, 2006.

DODÃO, Bento Miguel Vete. Análise descritiva dos antropónimos da língua kikongo. 81p. Dissertação (Mestrado em Terminologia e Gestão da Informação de Especialidade). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 2017.

FERNANDES, João Pedro e CAPUMBA, Pedro Almeida. HISTÓRIA 12ª Classe. Lda-ANGOLA, 2006.

LOPES, Júlio Mendes e CAPUMBA, Pedro Almeida. HISTÓRIA 11ªclasse. Lda-ANGOLA, 2006.

RIBAS, Óscar. Ecos da minha terra. Luanda: Editora Maianga,1952.

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