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Opinião Paleio Alheio

A outra metade

Cláudio Alexandre

Cláudio Alexandre, contista, cronista, romancista e contabilista. Licenciado em Gestão de finanças, prefere contar palavras que números, por uma razão, as palavras são contáveis, os números não.

- Sanira Borges, Borges Sanira. Apresentou a aniversariante, que logo saiu correndo para não sei aonde largando os dois à própria sorte. O que era suposto ser uma festa de quintal num Sábado à tarde, transformou-se em um encontro às cegas. Aquilo não estava no script dos dois.

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- Oi. Borges quebrou o gelo.

- Oi. Respondeu Sanira, gélida como um iceberg, seca como a uva passa.

Preconceitos, assim escrito, nos vem á memória a xenofobia, ou o apartheid na África do Sul, a actriz negra que só faz papel de empregada nas telenovelas da Globo, a palavra “Benguelense”, o beijo gay, e outros mais.

Pré-conceitos, escrito assim, entendemos o verdadeiro sentido da palavra sem o hífen. Nossas ideias pré-fabricadas e quadradas em relação ao mundo. Digo quadrado mas poderia usar qualquer outra forma geométrica, todas elas são uniformes, pois jamais existiu uma circunferência com o formato de um rectângulo. Portanto a lógica nos ensina, se tem quatro lados iguais só pode ser um quadrado, certo, na aula sobre geometria, errado na aula da vida. Pessoas não podem ser “pré-conceitualizadas” simplesmente porque não somos formas geométricas, somos de carne e osso, e essa “carnosidade” ou humanidade, se preferirem, é o que nos livra de rótulos e nos torna únicos, portanto nem todo brasileiro é bom de bola, nem todo carioca tem samba no pé, nem todo angolano sabe dançar semba, nem todo Luandense é armado em esperto, nem todo italiano gosta de pizza, nem todo ceciliano é mafioso, nem todo português é arrogante, nem todo lisboeta é benfiquista, nem todo político é corrupto, nem toda loira é burra, e finalmente nem todo mulato é imprestável. Mas o rótulo ou estereotipo, ou mesmo se preferirem o preconceito de que todo mulato “presta apenas até os dez anos” falou mais alto. Borges é mulato. Sanira é preconceituosa. Cupido algum pode contra o preconceito.

- Volto já, vou só cumprimentar uma amiga que acabou de chegar. Disse Sanira, Borges aquiesceu, mas estava tão consciente quanto Sanira que os dois não voltariam a falar, pelo menos não naquele dia. Sanira sem saber havia recusado o homem que foi talhado pra ela. Borges deu de ombros e conformou-se com a festa, afinal a rapariga que a sua amiga o dissera que era perfeita para ele, não era perfeita coisa alguma, PACIÊNCIA e ponto final.

Pode-se dizer que essa é uma história sobre preconceitos, ou qualquer coisa que o leitor tenha tirado desse texto, mais tenha a certeza que não é uma história de amor, porque se fosse, o autor não se importaria de escrever em pormenores a historia de amor de Borges e Sanira, que começou dias ou meses depois, em um ambiente nada festivo, entre estranhos, coisa que tornou ambos em chegados, coisa que gerou uma conversa, que gerou em descobertas de afinidades (livros, musicas, prazeres, desprazeres), que gerou uma troca de números, que gerou um telefonema, um encontro, um beijo, um romance, o resto vocês sabem… felizes para sempre, ou até onde der, whatever. O importante é não deixar que os nossos preconceitos nos inabilitam de conhecer outras pessoas, quiçá a nossa outra metade. O destino pode não ser tão generoso quanto foi com Sanira. 

Opinião de
Cláudio Alexandre

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