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Opinião A Opinião de Janísio Salomão

Desconstruindo: porque é que Luanda é mais uma vez a cidade mais cara do mundo?

Janísio Salomão

Mestre em Administração de Empresas, Consultor Empresarial e Técnico Oficial de Contas

Não é a primeira vez que estudos diversos publicados colocam a nossa cidade capital como a mais cara do Mundo, chegando a ficar à frente de cidades com altos níveis de desenvolvimento e crescimento.

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Há quase oito anos consecutivos que esta hegemonia continua a ser atribuída à nossa cidade capital. No ano de 2015, o estudo publicado pela empresa Mercer já colocava Luanda no auge da diversas metrópoles. Recentemente, como corolário dos estudos publicados pela empresa Alemã Movinga em 75 cidades de 51 diferentes países, colocam Angola à frente de cidades como Nova Iorque, São Francisco, Hong Kong, Singapura e Londres.

Refere ainda o estudo que os custos com arrendamento de um apartamento de 35 metros quadrados chegam aos 2.039,39 USD, alimentação e bebida 1.124,24 USD, transporte 95,89 USD. O custo de vida num mês chega a atingir os 3.259,32 UDS.

PRINCIPAIS CAUSAS

Seguidamente apresentamos no nosso entender algumas das causas que estão na causa de tal eleição:

1.    Importação de Bens de Consumo

Infelizmente grande parte dos bens e serviços que Angola consome são oriundos do exterior do país, este cenário mantém-se praticamente inalterável na sua plenitude, pese embora ultimamente esforços que estejão a ser evidenciados para contornar tal cenário, a realidade é que 80 por cento dos produtos são provenientes do exterior;

A crise em que o pais se encontra imbuído desde finais de 2014 acabou por agravar a situação, uma vez que o Banco Nacional de Angola (BNA) tem oferecido ao mercado divisas que não são suficientes para atender a demanda, a entrada de mercadorias, sobretudo bens de consumo, tornou-se escassa, razões que contribuíram para que a curva da procura não fosse correspondida por uma oferta na proporções desejadas.

2.    Inflação Acumulada Elevada

Como resultado das situações acima expostas, a taxa de inflação acumulada referente ao ano de 2016 atingiu um pico de 41,95 por cento, de acordo o último relatório publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), registando um aumento de 27,68 pontos percentuais comparativamente ao período homologo 2015.

3.    Explosão demográfica e assimetrias regionais

Com o eclodir do conflito armado em Angola, Luanda passou a ser o principal centro populacional e gravitacional do país, por ser a província onde tudo acontece e onde se podem encontrar as principais ofertas e oportunidades de emprego.

Tal como referenciou Lopes (2007:39) [1] "O processo de crescimento acelerado da economia informal de Luanda tem sido a resultante da acção conjugada de diversos factores: um fluxo migratório prolongado e intenso em direcção à capital angolana, em consequência do conflito militar prolongado; os efeitos das distorções geradas pelo sistema centralizado e estatizado de organização económica, facilitadores de uma relativa profusão de instrumentos/mecanismos/circunstâncias susceptíveis de permitirem a apropriação de rendas";

Luanda passou a ser o principal pólo de atracção, devido à considerável assimetria registada quando comparada com as demais cidades, ficou a ser conhecida como o “el dorado”.

Igualmente, Luanda passou a consumir grande parte da fatia dos Orçamentos do Estado (mais de 50 por cento), os grandes investimentos passaram a ser realizados em Luanda, como tal, a necessidade de mão de obra tornou-se mais evidente bem como a oportunidade de fazer negócios e ganhar dinheiro, ainda de acordo o dados do INE, só a cidade capital concentra mais de seis milhões de habitantes dos 25 milhões que o país possui.

Outrossim, a estabilidade política, a reconstrução do país e as elevadas taxas de crescimentos alcançadas serviram como um chamariz de atracção de mão de obra estrangeira desempregada e à procura de novas oportunidades em escala massiva, que acabaram também por contribuir neste aumento da densidade populacional em Luanda.

Enquanto a população foi conhecendo um crescimento ascendente, as principais infraestruturas básicas mantiveram-se constantes, ou seja, não acompanharam a mesma curva tendencial.

No entanto, o forte crescimento demográfico foi constituindo um obstáculo ao desenvolvimento, visto que a produção não acompanhou o aumento da explosão demográfica, como consequência, inicia-se um processo de pressão da população sobre os principais espaços habitacionais, a terra valoriza-se e as habitações tornam-se raras face à demanda.

CONSEQUÊNCIAS

Preços das moradias

Os preços das habitações T2, T3, etc. ganham um ajuste em função da pressão da variável procura, os apartamentos localizados em zonas nobres duplicam e triplicam os preços. O surgimento de novas urbanizações e arquitecturas, mormente desenvolvidas por estrangeiros, acabam por oferecer serviços a preços exorbitantes em função dos custos e encargos relacionados com: água, luz, mão de obra expatriada qualificada, e ainda por grande parte do material utilizado para a construção, sobretudo pelo acabamento das obras ser de origem estrangeira.

Serviços de transporte

A malha rodoviária herdada em grande parte do colono, sofreu alguma evolução, mais não foi capaz de fazer vazão ao crescimento do número de viaturas resultantes do aumento da densidade populacional. As estradas secundárias e terciárias degradas e algumas em mau estado de conservação têm contribuído para que um número considerável de viaturas utilizem as principais vias para circular.

A obras, e a requalificação e reabilitação de algumas vias em muitos dos casos com prazos longos e inacabadas, têm contribuído também para o agravamento em grande parte dos casos do engarrafamento que se regista.

O transporte público deficitário, e sem estrada específica para transitar, dá azo ao surgimento de uma nova frota de veículos privados que passaram a destacar-se na transportação de pax [2] e prestação de serviços públicos. Surge recentemente um novo serviço personalizado, onde os preços em função da qualidade e conforto acabam por ficar ao olho da cara, e tendo em conta o tráfego normalmente congestionado, o preço do taxímetro acaba por ser alto.

Alimentação, vestuário e electrodomésticos

Com o tecido industrial em reconstrução e sendo uma política estrutural, vai levar ainda muito tempo, a alternativa de Angola continuará a ser por um bom período de tempo a importação.

De acordo o Ministério da Indústria (2013) [3], o “período de 1986 a 1994 é marcado por uma queda e quase desaparecimento do sector da indústria transformadora angolana, tendo como principais causas a degradação do tecido industrial angolano e das principais infraestruturas, registando-se a redução do volume de importação das matérias-primas, bem como fracos investimentos na melhoria e modernização no respectivo sector, em face da degradação técnica registada nos equipamentos e em grande parte das indústrias”.

Mais de 80 por cento dos produtos que Angola consome vêm do exterior. Com o agravamento das taxas alfandegárias, custos de transportação e pagamentos de impostos e emolumentos alfandegários, grande parte destas mercadorias entram a um preço alto. Todos estes custos acabam por serem incorporados, no cálculo da formação do preço, logo, para o consumidor final grande parte dos produtos alimentares, vestuário e electrodomésticos são comercializados a preços duas ou três vezes comercializados em outras cidades, que em grande parte dos casos produzem tais bens/produtos.

Entretenimento e segurança

O entretenimento em Luanda é caro, visto que existem poucos lugares que oferecem estes serviços com a qualidade que se exige.

No entanto, os poucos que o fazem e fazem bem, praticam a um preço elevando, pois em muitos dos casos em função do aumento da variável procura, são obrigados a subir o preço também como uma política de excluir uma determinada camada ou franja da população e dar acesso a outra com rendimentos médios e altos com forte capacidade de consumo, para além de poderem desfrutar ou se entreter.

A segurança é privada, embora exista a pública mas esta encontra-se confinada apenas para servir ou garantir a segurança de lugares estratégicos e figuras públicas de realce.

Como corolário, o entretenimento e a segurança por serem desenvolvidos em grande parte por privados acabam por ter em conta o lucro que é o fim, visto também que grande parte dos inputs quer para um e outro, serem importados, normalmente os serviços são vendidos tendo em atenção a estes aspectos, que quando comparado com as demais cidades do mundo afora acabamos sempre por ganhar.

Caso não mudemos paradigmas, creio que por consecutivos anos Angola continuará a ocupar este lugar cimeiro quando comparado com as demais metrópoles. Temos a obrigação de interverter tal cenário pois tais classificações consecutivas acabarão por contribuir para dispersar o investimento directo estrangeiro (IDE) para outras paragens aonde o custo de vida é relativamente mais baixo em relação ao nosso.



[1] Lopes, Carlos M. Comércio informal, transfronteiriço e transnacional: que articulações? 2007;

[2] Linguagem vulgarmente atribuída aos clientes dos táxis que se dedicam a transportação de passageiros;

[3] Plano de Re-industrialização do Ministério da Indústria de Angola, 2009 – 2013.

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Janísio Salomão

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