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“Ninguém pode justificar” mortes pela polícia, diz Amnistia Internacional

O investigador da África Austral da Amnistia Internacional (AI), David Matsinhe, afirmou esta Quarta-feira que “ninguém pode justificar” os 10 homicídios documentados em Angola atribuídos às forças de segurança no âmbito da imposição de restrições contra a covid-19.

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"Não há justificativa para encurtar as suas vidas. Ninguém pode justificar a morte destes jovens, em particular nas circunstâncias em que perderam as suas vidas", afirmou Matsinhe no seminário virtual "Violência policial em Angola", organizado pela AI.

No seminário, Matsinhe apontou que a AI, em colaboração com a organização não-governamental Omunga, documentou 10 homicídios cometidos pelas forças de segurança no âmbito da imposição de restrições contra a covid-19.

"Estes jovens que praticamente eram o nosso presente e o futuro, ainda tinham muito que oferecer às suas famílias e suas comunidades, à sociedade e ao mundo em geral", acrescentou, apontando que as vítimas tinham entre 14 e 35 anos, incluindo cinco menores de idade.

Angola tem sido palco de protestos contra um crescente descontentamento com a governação do Presidente, João Lourenço, incluindo um a 11 de Novembro, dia em que o país assinalou 45 anos de independência.

O governo da província de Luanda tinha proibido a realização desta manifestação, evocando diversos motivos, um dos quais o não cumprimento do decreto presidencial sobre o estado de calamidade pública, que impedia ajuntamentos de mais de cinco pessoas nas ruas, como medida de prevenção e combate à propagação da covid-19.

A polícia impediu a tentativa de manifestação, tendo recorrido ao uso de força e de gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, havendo o relato de feridos e algumas detenções.

Da mesma forma, a 24 de Outubro, um protesto que reivindicava melhores condições de vida, mais emprego e a realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, foi frustrado pelas autoridades, resultando em 103 detenções e ferimentos de polícias e de manifestantes.

Por seu lado, a professora Cesaltina Abreu, chefe do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN), apontou que factores como um mau índice de desenvolvimento humano, o desemprego – em particular o desemprego jovem – e a situação de insuficiência alimentar em Angola poderão "responder à pergunta 'porque é que as pessoas vão à rua?'".

A professora acrescentou que o papel das forças de segurança passa por "promover a segurança e a tranquilidade pública e a ordem pública" e fazê-lo "dentro da estrita observação dos direitos do cidadão".

A investigadora acrescentou que os acontecimentos recentes representam uma violação da Constituição pelas forças de segurança.

"Os acontecimentos que marcaram os últimos meses são mais do que um alerta, são a confirmação de graves violações dos direitos fundamentais plasmados na Constituição", disse Cesaltina Abreu.

Salvador Freire, líder da associação "Mãos Livres", apontou que para combater a covid-19 foram limitados direitos "que não podem ser restringidos", incluindo "em decretos ou em algumas normas infra-constitucionais, ou seja aquelas normas que são inferiores à Constituição".

"Esse decreto presidencial infra-constitucional tem restrição de liberdade e as garantias fundamentais do cidadão", disse.

O jurista considera que a polícia nacional "tem carta branca" e que é permitido aos agentes "fazerem tudo o que bem lhes apetece".

"Muitos angolanos foram mortos pelo simples facto de não usarem a máscara. É inconcebível", afirmou, recordando que nas manifestações realizadas "os cidadãos apenas foram para exprimir os seus sentimentos".

No relatório divulgado na Terça-feira, e recordado esta Quarta-feira pelos oradores no seminário – incluindo o coordenador da ONG Omunga, João Malavindele – a Amnistia Internacional apresenta várias recomendações ao Estado, incluindo que se tomem "medidas imediatas e urgentes para assegurar que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei parem de recorrer ao uso excessivo e desnecessário da força como meio de qualquer circunstância, nomeadamente por infracções aos regulamentos da covid-19".

A AI apela também para que se acabe "imediatamente" com a violência contra manifestantes pacíficos, com a prática de dispersar arbitrariamente reuniões pacíficas e com a detenção de indivíduos antes de manifestações, considerando que esta é uma forma de impedir a realização das mesmas. A organização pede também ao executivo para que este respeite "plenamente os direitos de liberdade de expressão e reunião pacífica para todos os cidadãos em Angola".

O relatório sugere também à justiça que acabe com "todos os todos os processos penais instaurados contra indivíduos simplesmente por tentarem exercer o direito à liberdade de reunião pacífica" e solicita que nos casos em que estes resultem em punição, se promova a anulação das condenações e na supressão das multas.

A ONG solicita que sejam tomadas medidas para accionar uma "investigação imediata, exaustiva, independente e imparcial das alegações dos homicídios de jovens" pelas forças de segurança durante a aplicação do regulamento da covid-19.

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