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Defesa

Ex-governador do banco central denuncia que está a ser ameaçado a morte

O ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), que está a ser julgado pela suposta transferência irregular de 500 milhões de dólares, denunciou esta Sexta-feira em tribunal que foi ameaçado de morte no âmbito deste processo, em que se considera apenas "capim". No dia anterior, o coarguido acusou o ex-ministro das Finanças de falsas declarações, por apresentar um documento anulado que serviu para a acusação.

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Valter Filipe relatou ter sido ameaçado de morte por três vezes, por um mesmo elemento que disse não conhecer, não avançando em que circunstâncias e de que forma terão sido feitas as supostas ameaças. Durante o julgamento, iniciado no passado dia 9 deste mês, o coarguido voltou a sentir-se mal, tendo-se verificado uma pausa de cerca de dez minutos para se recompor.

O juiz presidente da sessão, João Pitra, questionou o réu se já tinha apresentado queixa à polícia, pelo que a defesa considerou que face à denúncia pública, o Ministério Público poderá abrir uma investigação.

Na oitava sessão de julgamento, a última antes da suspensão do julgamento por férias de fim de ano, Valter Filipe foi interrogado pela parte da defesa e novamente pelos juízes.

O corréu, que responde pelos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato, em coautoria com os arguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião, José Filomeno da Silva, antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, e António Samalia Bule Manuel, ex-director do departamento de gestão de activos do BNA, voltou a reafirmar que toda a operação foi coordenada pelo então Presidente, José Eduardo dos Santos.

Questionado pela sua defesa se José Eduardo dos Santos tinha ou não competência para autorizar a transferência do referido valor, Valter Filipe respondeu sim, lembrando que o país vivia uma situação de crise financeira "aguda e grave" e nesse sentido o executivo tinha aprovado no Conselho de Ministros um programa para a saída daquele quadro.

Valter Filipe esclareceu entender que foi no âmbito daquele programa que o então chefe de Estado chamou a si duas responsabilidades, que eram do banco central angolano, nomeadamente a do controlo das reservas líquidas internacionais, que verificava uma significativa perda, e um agravamento da perda de reputação do BNA, ou seja, a falta de equivalência com os bancos centrais europeus.

A outra responsabilidade que o ex-Presidente chamou a si, prosseguiu Valter Filipe, foi a constituição de uma comissão de estabilização e fornecimento dos bens alimentares, medicamentos, matérias-primas para a indústria e pagamento de necessidades do Estado, orientando que o governador do banco central deveria coordenar esta comissão, da qual fazia parte membros do executivo.

O coarguido recordou que foi orientado por José Eduardo dos Santos para que logo que terminasse o seu mandato e entrasse em funções o novo Presidente da República, João Lourenço, deveria informá-lo da situação.

De acordo com Valter Filipe, em Outubro de 2017 solicitou uma audiência a João Lourenço e apresentou-lhe, num encontro em que estiveram também presentes dirigentes máximos da Presidência da República, a situação das reservas internacionais líquidas, as entidades externas que geriam as reservas e a capitalização dos 30 mil milhões de dólares, nomeadamente sobre todos os passos que tinham sido dados até à transferência dos 500 milhões de dólares.

"Informei em que circunstâncias foram feitas e informei o Presidente que naquele momento estavam praticamente terminadas as competências do BNA para aquele financiamento, cabendo ao Governo dar continuidade", referiu.

Em sequência, o Presidente João Lourenço orientou que uma delegação, constituída por ele o então ministro das Finanças Archer Mangueira, testemunha no julgamento, fosse a Londres para contactos com a parte proponente do investimento, nomeadamente Jorge Gaudens, pela Mais Financial Services, Hugo Onderwater, da Resource Project Partnership, Samuel Barbosa, da Bar Trading, e José Filomeno dos Santos, no processo referenciado como assessor do Governo, indicado pelo seu pai, José Eduardo dos Santos.

Nessa reunião, explicou o corréu, participaram também representantes do escritório de advogados do Governo em Londres, a Norton Rose, a convite do Ministério das Finanças, na qual foram colocadas várias questões.

De regresso a Luanda, no dia 24 de Outubro, o coarguido disse que foi convocado para uma reunião com João Loureço, da qual fizeram também parte os actuais ministros de chefes da Casa Civil do Presidente da República, Frederico Cardoso, da Casa de Segurança, Pedro Sebastião, o ministro de Estado da Coordenação Económica, Manuel Nunes Júnior, e o general Dino do Nascimento, e durante a qual foi informado que as conclusões da equipa que se deslocou a Londres era de que "a empresa não é séria, são dormentes, não existem, as pessoas não têm idoneidade", por isso iria ser feito o estorno da operação, que tinha que ser ordenado até às 15h00 daquele mesmo dia, levando o comprovativo do 'swifit' internacional da operação, tendo assim procedido a entrega uma hora antes da marcada.

Ex-ministro das Finanças apresentou falsas declarações

O ex-governador do banco central angolano, acusou ainda, na Quinta-feira, o ex-ministro das Finanças de falsas declarações, por apresentar um documento anulado que serviu para a acusação.

Valter Filipe, fez a acusação quando respondia a várias questões colocadas à instância do Ministério Público, tendo reiterado que toda a operação, que culminou com a transferência dos 500 milhões de dólares para um banco em Londres, em 2017, foi coordenada pelo então Presidente da República, José Eduardo dos Santos.

Segundo Valter Filipe, no dia 21 de Julho de 2017, depois do regresso de uma viagem a Lisboa para conversação com a parte proponente do projecto de financiamento a Angola, através da criação de dois fundos de investimento, que beneficiaria o país em 35.000 milhões de dólares, foi solicitado um parecer conjunto do Ministério das Finanças, o BNA e a empresa proponente, a Mais Financial Service, do coarguido Jorge Gaudens Pontes Sebastião, sobre o processo.

O antigo governador do BNA, nomeado, em Março de 2016, pelo ex-chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, e exonerado do cargo, em Outubro de 2017, pelo actual Presidente, João Lourenço, contou que o então ministro das Finanças, Archer Mangueira, elaborou um parecer unilateral, que submeteu ao Presidente.

No documento, Archer Mangueira, prosseguiu Valter Filipe, propunha que se devia começar a relação através de um memorando de entendimento, tendo na audiência com o ex-Presidente o mesmo solicitado uma explicação.

Valter Filipe contou que, quando lhe foi passada a palavra para dar a sua opinião, informou o Presidente que o parecer não era conjunto, mas apenas do Ministério das Finanças, facto que foi confirmado por Archer Mangueira.

Face à explicação, contou o réu, José Eduardo dos Santos mandou anular aquele parecer, orientando que fosse feito um documento conjunto.

Nesse sentido, entende Valter Filipe que o então ministro das Finanças prestou falsas declarações em sede de instrução preparatória quando apresentou à Procuradoria-Geral da República o parecer com a assinatura do ex-Presidente.

De acordo com o coarguido, o documento apresentado por Archer Mangueira foi o remetido pela Casa Civil do Presidente da República momentos antes da convocatória do então Chefe de Estado para a audiência.

"É do meu ponto de vista gravíssimo um ministro das Finanças entregar à Procuradoria-Geral da República um memorando do qual foi a base e o fundamento da acusação da PGR, tendo o então ministro consciência que o Presidente havia orientado para ser elaborado um parecer conjunto e não um parecer unilateral do Ministério das Finanças", disse.

O réu chegou a solicitar ao tribunal que no inquérito a ser feito ao ex-Presidente uma das perguntas a constar "de forma específica" é se orientou ou não anulação daquele documento, que o Ministério Público utiliza como base e fundamento para a acusação.

O coarguido, que foi o 16.º governador do BNA, esclareceu ainda que a contradição havida no parecer conjunto não era entre o banco central e o Ministério das Finanças, mas sim entre aquele órgão ministerial e a empresa proponente, esta última que propunha como condição 'sine qua non' para o andamento do processo a existência de um contrato de consultoria financeira entre o Estado e a Mais Financial Services.

Depois de seis horas de interrogatório, com hora e meia de intervalo, o réu, que acabou de se recuperar de um problema de saúde, manifestou exaustão, tendo o tribunal agendado para Sexta-feira a continuação do seu interrogatório, agora pela defesa.

No final da sessão, o tribunal deferiu uma solicitação da defesa, que se oficie junto do BNA, para se juntar aos autos, o processo administrativo interno no âmbito do qual foi realizada a transferência dos 500 milhões de dólares.

O caso remonta ao ano de 2017, altura em que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, uma proposta para o financiamento de projectos estratégicos para o país, ao que encaminhou para o executivo, por não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.

A proposta foi apresentada ao executivo no sentido da constituição de um Fundo de Investimento Estratégico, que captaria para o país 35.000 milhões de dólares.

O negócio envolvia como "condição precedente", de acordo com um comunicado do Governo, emitido em Abril de 2018, que anunciava a recuperação dos 500 milhões de dólares, a capitalização de 1500 milhões de dólares por Angola, acrescido de um pagamento de 33 milhões de euros para a montagem das estruturas de financiamento.

Na sequência foram assinados dois acordos, entre o Banco Nacional de Angola e a Mais Financial Services, empresa detida por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de longa data do coarguido José Filomeno dos Santos, um para a montagem da operação de financiamento, tendo sido em Agosto de 2017 transferidos 500 milhões de dólares para a conta da PerfectBit, "contratada pelos promotores da operação", para fins de custódia dos fundos a estruturar.

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