O antigo director do departamento de Gestão e Reservas do BNA, António Samalia Bule Manuel, 44 anos, começou a ser ouvido no julgamento do chamado caso "500 milhões", que teve início na Segunda-feira, no Tribunal Supremo de Angola, onde é acusado dos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato.
O co-arguido é o terceiro a ser interrogado, depois de terem sido ouvidos os co-arguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário angolano, e José Filomeno “Zenu” dos Santos, antigo presidente do Fundo Soberano de Angola.
Segundo António Samalia Manuel, o seu envolvimento no caso teve início a partir das negociações para a assinatura de um dos contratos rubricados entre o BNA e a empresa Mais Financial Services, administrada por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, e a Resource Conversion, representada por Hugo Onderwater.
O réu contou que se encontrava de férias, quando foi convocado pelo corréu Valter Filipe a comparecer, em Londres, numa reunião de negociação e assinatura do ‘asset allocation’ (colocação de activos), em que participariam também da parte do BNA o consultor jurídico do então governador, um assessor jurídico e o subdirector do gabinete jurídico do banco central, que apoiaram a reunião a partir de Lisboa.
Da parte dos promotores, prosseguiu o réu, estavam presentes Jorge Gaudens, José Filomeno “Zenu” dos Santos, Hugo Onderwater e Teodoro Bastos.
Questionado pelo juiz sobre que diligências foram realizadas antes da assinatura do contrato, António Manuel respondeu que a experiência orientava que fosse contactado, antes da sua efectivação, o escritório de advogados Norton Rose, que assessora o banco central angolano em contratos desta natureza.
Nesse sentido, relatou que contactou o escritório de advogados para uma reunião, ao que anuíram “prontamente”, mas no encontro Valter Filipe não chegou a submeter o contrato à apreciação da equipa, porque alegadamente os promotores do investimento apresentaram “algumas reservas”.
Instado pelo juiz a clarificar que reservas foram apresentadas, o réu disse que os promotores entendiam que não era o momento apropriado para abordar a Norton Rose, alegando a possibilidade de conflitos de interesse e de comprometer o sucesso da operação.
António Manuel, que era funcionário do BNA há nove anos, frisou que antes da assinatura do contrato, Valter Filipe escreveu ao então Presidente da República a informar dos passos que tinham sido dados e a solicitar autorização para firmar o contrato.
O contrato foi assinado em Agosto de 2017, informou, e as directivas para a transferência dos 500 milhões de dólares, a primeira tranche de um total de 1500 milhões de dólares de capitalização do fundo a ser criado, foram dadas por Valter Filipe.
O réu assegurou ainda que o então governador do banco central podia autorizar transferências até àquele valor, nos termos da política de investimentos e gestão de reservas para obrigações e outros ativos em vigor na altura.
À pergunta sobre se existiam ou não garantias para a transferência dos 500 milhões de dólares, o réu respondeu que tecnicamente não existia, porque não havia títulos depositados na conta do BNA, acrescentando que os promotores chegaram a apresentar apenas uma ficha técnica.
Na sessão, o advogado de defesa de Valter Filipe disse que o seu constituinte continua ainda hospitalizado, mas já estável e a melhorar, podendo ser ouvido na Segunda-feira.