Maria Lopes, 83 anos, dividiu a vida entre Angola e Portugal. Em Angola, onde viveu até ao 25 de Abril, usava o tecido africano (conhecido como pano do Congo) para decorar a casa e fazer roupa para si e para a família.
Lembra-se de comprar os panos às quitandeiras, as vendedoras típicas de Angola, que também usavam estes "panos vistosos e com muita cor".
O gosto por estes tecidos continuou em Portugal, mas neste país poucas portuguesas o usavam, sendo mais presente na comunidade de origem africana.
Antes do comércio electrónico, era difícil comprar os panos, e por isso pedia aos amigos que iam a Angola ou trazia ela quando lá ia. Agora, já tem fornecedores e é a eles que compra a matéria-prima para os produtos que vende através do site "Kutungas" (costura).
"Há uns anos, ninguém se lembrava disso. Hoje, recebo elogios de toda a parte e, além dos meus artigos, ainda me querem comprar os panos, o que não faço", contou à Lusa a empresária.
Maria Lopes interpreta esta moda com o facto de a comunidade africana ser hoje "mais forte e orgulhosa da sua cultura", mas sublinha que não são só os africanos e afrodescendentes a demonstrarem este gosto, tendo muitos clientes estrangeiros.
Os seus produtos com maior sucesso são as toalhas de mesa e as bolsas.
Olga Figueira, 48 anos, aprendeu a transformar a capulana, o pano africano usado em Moçambique, durante a pandemia de covid-19 e nunca mais parou.
Já tinha tido uma loja de artesanato e, na altura, apercebeu-se que este tecido era muito apreciado. Hoje, através do site "Capulanamania" vende artigos para todo o mundo, "até para Taiwan", como disse à Lusa.
Gosta de transformar estes tecidos, já de si "bonitos e capazes de se adaptarem a quase tudo", em produtos como sacos, almofadas, camisas, brincos e bandoletes, sendo as saias o artigo com mais saída.
Para Olga Figueira, a mulher portuguesa gosta cada vez mais destes tecidos, embora opte pelos padrões mais discretos, ou seja, as capulanas do sul de Moçambique, de onde é oriunda.
"O mercado está a crescer, há muita gente a vender artigos com pano africano e precisamos de saber as tendências para continuar a vender", disse.
A sua aposta é a qualidade, o que só se consegue com as capulanas originais, que são 100 por cento algodão, o que também "determina o preço".
Andreia Fortuna (portuguesa) e Valdo Dias (moçambicano) criaram a marca "Mwani Store" em 2018, através da qual vendem todo o tipo de produtos feitos com capulana.
"Quando criámos a marca, detectámos que a capulana ainda era usada de forma bastante tradicional e queríamos torná-la mais contemporânea e adaptá-la a realidades ocidentais", disse a proprietária da loja, situada no Pinhal Novo e que também tem um site.
Bolsas, capas para livros, porta-chaves, chapéus, mochilas, roupa, nesta loja encontram-se à venda centenas de artigos que têm em comum a capulana, a qual "tem uma excelente qualidade e a vantagem de ter cores bastante fortes; a combinação das mesmas é incrível", adiantou.
E prosseguiu: "Não podemos pensar que se trata apenas de um tecido, pois o carinho e cuidado com que as mulheres tratam este tecido são distintos. Cada uma delas pode ter várias histórias para contar: desde a capulana que carregou o seu primeiro filho, à com que casou a sua filha, a que carregou a colheita de determinado ano, etc.", disse.
Sobre o aparente sucesso deste tecido, a empresária considera que, "da mesma forma que a capulana foi levada para o continente africano como trocas comerciais entre árabes, persas e povos que viviam ao longo do litoral, hoje em dia a diversidade cultural derivada da globalização dos povos faz com que as culturas muitas vezes se adaptem a novas comidas, tradições e línguas".
"No caso da capulana, acreditamos que, principalmente em Portugal, tendo os portugueses uma ligação tão forte no passado com Moçambique, por exemplo, que existe uma valorização e conhecimento diferentes sobre esta matéria-prima tão nobre", referiu.
Joana Costa, responsável pela loja Capuloza, que abriu este ano em Azeitão, e também online, disse à Lusa que os portugueses têm vindo a redescobrir o pano africano, apesar de terem convivido com ele desde sempre.
"No passado, a capulana era mais usada por pessoas ligadas a Moçambique, mas agora são cada vez mais os europeus que a usam. E também há os que gostam dos panos, mas ainda não têm coragem de os usar", afirmou.
Na sua loja existem 79 padrões de capulanas e é com eles que são feitos os artigos, da roupa à decoração, com as bases de mesa e os abajures a serem os mais procurados.
"O que nos diferencia é que podemos aplicar em todos os produtos o padrão que o cliente escolher. E há muitos e todos eles muito bonitos e em tecidos 100 por cento algodão", sublinhou.