Dignidade e direitos humanos são conceitos que se discutem em páginas onde são também apresentadas medidas concretas para "humanizar o tratamento dado às vítimas de crimes e garantir os seus direitos".
Ao VerAngola, o psicólogo conta como surgiu a ideia para o livro, abordando ainda o contacto com as vítimas e a escolha da Provedora de Justiça para o prefácio da obra.
A apresentação decorre ainda este ano, no mês de Dezembro, em Luanda, em sala a anunciar.
Como surgiu a ideia para este livro?
Bom, a ideia de escrever este livro surge em 2018 como resultado dos conhecimentos que fui obtendo ao longo da minha especialidade em Psicologia Criminal na Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Agostinho Neto (UAN), especificamente na disciplina de Vitimologia, pois além desta área do saber estudar minuciosamente a vítima, sua relação com o infractor, sistema de justiça e a sociedade no geral, é voltada para a formulação de políticas públicas, e tem como finalidade a garantia de direitos, políticas de assistência psicossocial, jurídica e médica às vítimas. Portanto, às matérias leccionadas pela professora Loidy Vaz de Almeida – na altura minha professora não apenas de Vitimologia, mas também de Psicologia Forense –, permitiram com que eu tivesse o 'know-how' necessário para abordar sobre o tratamento conferido às vítimas de crimes pela Justiça.
Quanto tempo investiu na obra?
Inicialmente, importa referir que tivemos duas fases de produção e feitura da obra: o processo de escrita que durou dois anos e seis meses, isto, entre Agosto de 2020 e Fevereiro de 2023; e o processo de edição que foi de um ano. De modo geral, até ao produto final foi possível concluir o livro em três anos e seis meses.
O que o levou a escrever uma obra sobre a vítima?
Porque entendo que o debate sobre o tratamento dado às vítimas de actos criminais é actual e de grande relevância para todas as sociedades. No contexto angolano, a sua importância acentua-se na medida em que partimos do entendimento de que os órgãos da Administração Pública como os distintos órgãos do Ministério do Interior; a Polícia Judiciária Militar; a Procuradoria Geral da República; o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos; os Tribunais etc., devem permanentemente buscar qualificar as suas relações com as vítimas de ilícitos penais.
A que se deveu a escolha da Provedora de Justiça para prefaciar o seu livro?
A escolha da Provedora de Justiça, Florbela Araújo, para efectuar o texto introdutório de apresentação da obra deve-se pela relação que o tema apresenta com o objecto da instituição "Provedor de Justiça" que, nos termos do n.° 1, do artigo 192.° da Constituição de Angola, representa uma "entidade pública independente que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, assegurado, através de meios informais, a justiça e a legalidade da actividade da Administração Pública".
A obra conta com a coordenação dos Mestres Óscar Sousa Domingos e Loidy Vaz de Almeida. Como foi esse processo?
Trabalhar com os Mestres Óscar Domingos e Loidy de Almeida, foi (e tem sido) um processo de muita aprendizagem muito por conta de serem pessoas com uma vasta experiência em matérias de investigação científica. Importa destacar que, são pessoas marcantes na minha vida enquanto escritor. Além do Prof. Me. Óscar Domingos (por sinal meu irmão), ser o responsável das emendas textuais dos meus escritos – isto, desde o ano de 2020 –, também, estimulou o meu desenvolvimento do ponto de vista de "técnica de escrita". As suas orientações tiveram grandes implicações na minha forma de escrever actualmente, dado que, instruiu-me a aplicar correctamente as regras de investigação científica e, sobretudo, a produzir trabalhos de pesquisa como "deve ser".
Já a Prof.ª Me. Loidy de Almeida, como referi anteriormente, foi minha professora de Psicologia Forense, Estágio e Vitimologia, e tem as suas "impressões digitais" no meu surgimento enquanto escritor. Foi da inspiração que tive pela obra científica de autoria do então Subcomissário – Prisional, actualmente, Subcomissário da Polícia Nacional, Fernandes Manuel, – após o convite formulado no mês de Abril de 2018 pela Prof.ª Loidy Vaz de Almeida para participar do lançamento da obra intitulada "Crime e Psicologia no Sistema Penitenciário", que passei a desenvolver o autodidatismo de investigação científica, fase em que passei a dedicar-me à escrita da minha primeira obra científica de âmbito "psico-forense" que por sua vez deu-se por concluído em 2020, mas que por razões das alterações feitas pelo Estado angolano no quadro jurídico da nação, isto, com a introdução dos actuais Código Penal e o Código de Processo Penal, fui obrigado a não publicar, uma vez que, além do Código da Família, o corpo jurídico que sustentava a referida obra era composto maioritariamente pelo Código Penal de 1886, bem como o Código do Processo Penal de 1929, ambos legados pela República Portuguesa em Angola.
O livro contém um Conselho Jurídico. Que critério aplicou para a integração das pessoas que a compuseram?
O principal preceito observado para a integração das pessoas que constituíram o Conselho Jurídico da obra foi o da "qualificação em matérias relacionadas a organização do Sistema Jurídico Penal angolano". Assim sendo, importa destacar que, integraram o referido Conselho, o Juiz Militar, Bill Sacunduinga; a advogada, Elizionete Van-Dúnem; a Juíza de Direito, Emiliana Barnabé; o Director da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da PGR, Procurador-Geral Adjunto da República, Pedro Mendes de Carvalho; e o Provedor de Justiça-Adjunto da República de Angola, Aguinaldo Guedes Cristóvão.
Falou com algumas pessoas que tenham sido de facto vítimas do Sistema Jurídico Penal? Se sim, qual a história que mais o marcou?
Sim, durante o período em que apliquei o questionário no Comando Municipal de Luanda da Polícia Nacional de Angola, tive contacto com 194 vítimas de crimes que, ao buscarem os serviços da justiça naquela unidade territorial foram revitimizadas durante o contacto que mantiveram com o aparelho judicial. Por outro lado, destacar que, dentre os ilícitos penais registados durante a pesquisa naquela unidade territorial – concretamente na Esquadra Policial da Terra Nova, Distrito Urbano do Rangel –, o caso que mais me marcou foi o de abuso sexual de um menor de quatro anos, não tendo este (o menor) e a sua família (vítimas indirectas) recebido qualquer assistência psicológica e/ou atenção aos prejuízos emocionais causados pelo delito.
Refere que o livro aborda as "acções interventivas dos operadores de justiça, desde a polícia até ao topo do Poder Judicial face às vítimas de actos criminais". Que tipo de conclusões tirou após a escrita?
Após a escrita foi possível concluir que as convenções internacionais de que a República de Angola é signatária e o ordenamento jurídico nacional asseguram um conjunto de direitos conferidos às vítimas de ilícitos penais, que deveriam ser garantidos desde a fase em que a vítima toma contacto com o aparelho judicial até ao encerramento do devido processo legal. É necessário que das autoridades da administração do serviço da justiça não seja objectivo exclusivo das suas jurisdições comprovar o delito e punir o infractor: a estes, espera-se também a adopção de tratamento adequado às vítimas, isto, de acordo com o estabelecido pela lei, bem como devem permitir o legítimo exercício dos direitos das vítimas.
O que é, na perspectiva do livro, a "consolidação dos mecanismos de respostas dos órgãos de justiça e auxiliares para protecção dos direitos e garantias das vítimas de ilícitos penais"?
Na perspectiva da abordagem apresentada pelo livro, a consolidação dos mecanismos de respostas dos órgãos de justiça e auxiliares para protecção dos direitos e garantias das vítimas de crimes, passa, necessariamente, pela combinação de elementos como, entre outros: a garantia das condições de trabalho favoráveis ao desenvolvimento das actividades judiciais e policiais; a aplicação de medidas assistenciais; a duração dos procedimentos legais; o relacionamento com os agentes da justiça; as condições relacionadas à estrutura física das instalações policiais e/ou judiciárias; a acessibilidade das informações relacionadas ao processo-crime; e a atenção que deve ser dada à vítima.
Depois de elaborar o livro, sente que o Sistema Jurídico Penal angolano é injusto com as vítimas?
Sim! Em muitos casos o Sistema Jurídico Penal angolano tem sido injusto com as vítimas. A observação dos direitos das vítimas é uma obrigação do Estado que deve buscar, permanentemente, o cumprimento dos pressupostos basilares da dignidade da pessoa humana. O atendimento adequado às vítimas não se configura em um processo de mendicância: trata-se de uma necessidade de aplicação da justiça e do cumprimento das normas socialmente aceites. O que se tem verificado é que, há ainda um considerável abandono das vítimas e dos seus familiares, uma vez que o Estado se vem dedicando em grande parte na defesa dos direitos e garantias do infractor. Os órgãos do serviço da administração da justiça devem assumir cada vez mais a importância da defesa dos direitos humanos em duas perspectivas: o tratamento digno a conferir ao autor do delito e a valorização da vítima.
Que medidas sugere para se melhorar esse cenário?
Bom, o livro apresenta várias medidas como forma de humanizar o tratamento dado às vítimas de crimes e garantir os seus direitos: desde as intervenções adequadas que cada instrutor processual, investigador criminal, oficial de justiça, magistrado judicial e do Ministério Público deve ter, até à actuação de cada órgão enquanto instituição do Estado. Portanto, o livro estará disponível para o público no geral, em particular para os operadores da justiça – desde a polícia até ao topo do Poder Judicial –, estes, que por sua vez, terão acesso às medidas estruturais capazes de proporcionarem alterações qualitativas do ponto de vista da garantia dos direitos das vítimas de ilícitos penais.
Quais são as suas perspectivas após lançar o livro? Acha que será bem aceite?
Após lançar o livro, espero que o Estado angolano tenha um ponto de inflexão ascendente que proporcione uma mudança qualitativa capaz de garantir todos os direitos às quais as vítimas gozam. Por outro lado, quanto à recepção da obra, dizer que tenho fortes indicadores de que será bem recebida, não apenas pela pertinência e qualidade de abordagem, mas também pelas reações positivas que tenho estado a receber das pessoas.
Que editora 'arriscou' abordar este tema consigo?
O livro "A Vítima no Sistema Jurídico Penal Angolano: uma análise sobre o tratamento conferido às vítimas de crimes pela Justiça", foi editado e será lançado pela Kilunji Editora, numa coordenação editorial do Professor Mestre Catarino Luamba.
E para o futuro, tem outros projectos em carteira?
Sim, enquanto houver saúde e vida, Angola poderá futuramente contar com várias outras publicações, até mesmo de co-autoria. Tenho muitos projectos em carteira, outros já finalizados e que, obviamente, serão lançados em momentos oportunos.