A paralisação do serviço de transporte informal, responsável por mais de 65% da mobilidade urbana na capital, representou uma ruptura no funcionamento regular da economia. Milhares de trabalhadores ficaram impedidos de chegar aos seus postos, gerando um efeito dominó em diversos sectores. Escolas, mercados, empresas de logística, comércio informal e estabelecimentos de serviços foram directamente afectados. Estima-se que a província de Luanda tenha registado uma queda média de 4,2% no Produto Interno Bruto diário durante os três dias de paralisação, com prejuízos acumulados em torno de 27 mil milhões de kwanzas. Esta interrupção abrupta da actividade económica fez-se sentir sobretudo entre os mais vulneráveis — os que vivem do rendimento diário, sem poupanças, e sem margem para perdas. Muitos não puderam vender, comprar ou trabalhar, o que agravou a já difícil condição socioeconómica de milhares de famílias.
Paralelamente ao impacto económico directo, os actos de vandalismo agravaram ainda mais o cenário. De acordo com dados da Polícia Nacional, registaram-se a destruição de mais de 45 estabelecimentos comerciais, 3 agências bancárias, 25 autocarros públicos, 20 viaturas particulares, 17 paragens de transporte público, bem como ataques a instituições estatais e agressões físicas a cidadãos, causando mais de 20 mortos. Os prejuízos materiais estimam-se em mais de 15 mil milhões de kwanzas, valor que não contempla os custos imateriais da instabilidade — como a perda de confiança dos investidores, o medo instalado nas comunidades e os danos psicológicos causados à população. Infelizmente, este tipo de cenário compromete também a reputação internacional do país, afugenta investimentos e cria incertezas quanto à previsibilidade do ambiente de negócios.
A raiz desta crise está numa estrutura de transporte urbano marcada por décadas de negligência, improviso e informalidade. Em Angola, o sector dos táxis funciona maioritariamente à margem das políticas públicas e da segurança jurídica. São operadores essenciais à mobilidade nacional, mas que actuam sem proteções sociais, sem incentivos estruturados e sem uma representação institucional eficaz. As suas reivindicações — por melhores condições, redução de multas excessivas, apoio à renovação da frota, segurança jurídica e inclusão no sistema — são legítimas e reflectem a ausência de um plano sério de reestruturação do sector. No entanto, é fundamental frisar que o direito à manifestação não pode ser confundido com o direito à destruição. A violência nunca deve ser um instrumento de pressão sobre o Estado democrático. A ocupação da via pública e a apresentação de reivindicações devem sempre respeitar os canais institucionais e as normas de convivência cívica. A destruição do bem público é um atentado contra todos, sobretudo contra os mais pobres, que dependem dos serviços públicos e da estabilidade social para sobreviver.
Diante disso, é imperioso que o Executivo, em parceria com as administrações locais e o sector privado, avance para uma transformação profunda no sistema de mobilidade urbana. O país precisa de um transporte público moderno, funcional, seguro e acessível. Isso implica investimento em autocarros novos, rotas regulares, integração tarifária e tecnológica, bem como um forte componente de digitalização da bilhética. Ao mesmo tempo, é urgente formalizar e capacitar os operadores do sector informal, criando programas de microcrédito para renovação da frota, formações obrigatórias, acesso à segurança social e estímulo à organização em cooperativas legalizadas. Estes grupos devem poder dialogar com o Estado em pé de igualdade, e não apenas como alvos de fiscalização ou repressão.
É igualmente necessário reforçar os mecanismos institucionais de escuta activa e negociação preventiva. O país precisa de um sistema eficaz e célere de mediação social, capaz de identificar sinais de tensão e agir antes que se transformem em conflitos abertos. O silêncio do Estado diante de sinais evidentes de insatisfação pode ser tão perigoso quanto a resposta violenta a manifestações. As políticas públicas devem basear-se no diálogo, na transparência e na antecipação dos riscos sociais, sobretudo em áreas sensíveis como o transporte, onde milhões de vidas dependem do bom funcionamento diário do sistema.
Se nada for feito, episódios como o que testemunhámos no final de Julho tenderão a repetir-se, talvez com mais gravidade e menos margem de contenção. A factura será novamente paga pelos trabalhadores, pelos pequenos empreendedores, pelas crianças que não chegam às aulas e pelas empresas que não entregam os seus produtos. Angola não pode aceitar que o caos se torne rotina. O país que queremos construir exige estabilidade, responsabilidade política, planeamento urbano sério e políticas públicas que priorizem as pessoas e as suas necessidades básicas. Fora o vandalismo verificado, a greve dos taxistas não foi apenas um alerta do sector de transportes — foi um grito de socorro de uma sociedade que anseia por soluções concretas, justiça social e dignidade económica.
Portanto, para além de se responsabilizar os autores dos actos de vandalismo que foram registados nestes 3 dias, que este episódio possa servir também de ponto de viragem para repensarmos o modelo de desenvolvimento urbano e social que queremos. A mobilidade é um direito, a ordem é um dever e o diálogo é o único caminho sustentável para o progresso.