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Alves da Rocha defende que linhas de crédito são “a pior maneira de apoiar economia angolana”

As linhas de crédito “são a pior maneira de apoiar o crescimento da economia angolana”, defendeu em declarações à Lusa o economista Alves da Rocha, diretor do Centro de Estudos e Investigação da Universidade Católica.

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“As linhas de crédito beneficiam quem as pratica, quem as concede e nunca os países que as recebem”, afirma Alves da Rocha, que reconhece olhar para as relações entre Angola e Portugal de forma diversa de outros.

Em Abril passado, o ministro das Finanças português, Fernando Medina, durante uma visita de trabalho a Angola, anunciou que Portugal tinha decidido alargar a linha de crédito de 1,5 mil milhões de euros para 2 mil milhões de euros para poder apoiar mais projetos de investimento a realizar aqui em Angola.

Esta medida é uma das questões que o primeiro-ministro António Costa abordará na visita oficial que efectua a Angola a partir de hoje.

“Eu não vejo as relações entre Angola e Portugal da mesma maneira que muita gente vê. Eu não as analiso apenas do ponto de vista económico, comercial e, mesmo aí, eu creio que Portugal, se não está já, vai enfrentar muita concorrência no mercado angolano, na disputa de projetos de investimento público, na concessão de adjudicação de outros serviços, porque hoje o mercado angolano e eu suponho que as autoridades portuguesas o saberão, é um mercado muito disputado, apesar de todos os inconvenientes e todas as maleitas que a economia angolana e a sociedade angolana ainda tem. É um mercado disputadíssimo”, defende.

Parte significativa da concorrência vem da China, considera.

“A China continua presente em Angola, em África, com sugestões de projectos de ultrapassagem de problemas candentes das economias africanas que as economias europeias não conseguem fazer e provavelmente não o conseguem fazer porque ainda há um peso das consequências e da organização do sistema colonial em África”, justifica.

Sobre o que Portugal pode fazer para bater a concorrência, Alves da Rocha sugere que “estude e analise”.

“Portugal tem bons sociólogos, bons economistas. Portanto, Portugal é que tem que ver as suas instituições, é que tem que ver em que áreas é que a participação portuguesa em Angola apresenta vantagens competitivas. E elas estão por aí, é necessário descobri-las. Elas estão aí”, reitera.

A analista de política africana Paula Roque, investigadora do Instituto de Estudos de Segurança, da África do Sul, é de opinião que Portugal vai ter sempre um papel importante em Angola.

“Eu acho que Portugal vai sempre ter um papel de realce em Angola. Para já, por causa da facilidade de língua, depois, a grande maioria das leis angolanas são feitas quase espelhadas com as leis portuguesas. Por isso há um entendimento muito profundo que se regista. E depois, não só: Portugal é uma entrada [de Angola] para a Europa sem condicionalismos”.

“Muitas vezes Portugal deixa de olhar com um olho mais crítico, de transparência, de lisura, etc, para a transferência de fundos angolanos, de compras de ativos portugueses, e isso também mostra que para Angola, Portugal faz parte de um ‘plano B’”, acrescenta.

Outras razões assentam no facto, descreve, de “a elite angolana há já várias décadas compra casas, propriedades. Tem interesses financeiros, mandam os filhos estudar, e isso demonstra que Portugal é um porto seguro”.

“Eu acho que isso não vai mudar agora. Claro que Portugal pode ser ultrapassado em muitas coisas, em termos de construtoras, várias outras empresas, Portugal poderá ser ultrapassado, mas nunca vai ser totalmente posto de lado, especialmente porque a China é a credora maior do Estado angolano, mas ao mesmo tempo afastou-se um bocado, não tem a mesma preponderância com Luanda e estamos a ver agora muito mais uma vertente do [Presidente] João Lourenço ser bem visto em Washington, contra a tradicional aliança com Moscovo”, diz. 

Socorrendo-se das eleições do ano passado, Paula Roque considera que Luanda “precisou da legitimação de umas eleições que foram complicadas, que houve provas que houve irregularidades que mudaram resultados, e não eram os russos que iam dar essa legitimidade Internacional”. 

“Teve que ser os Estados Unidos. Por isso também temos mais um elemento que cria uma âncora para os interesses ocidentais e, neste caso, os interesses portugueses”, reforça.

Alves da Rocha avança com dados económicos para demonstrar a relevância de Angola e os apetites que o país suscita a parceiros internacionais.

“Angola necessita como de pão para a boca do crescimento económico. Segundo o Fundo Monetário Internacional e segundo mesmos as últimas previsões do Governo angolano, até 2050 a taxa média anual de crescimento do nosso PIB deverá rondar, na melhor das hipóteses 5 a 6 por cento ao ano. O que, a meter-se a taxa de crescimento da população poderá vir a significar um ganho social de 3 por cento, relativamente ao qual nós não temos sabido utilizar estes ganhos sociais resultantes da diferença entre taxas de crescimento do PIB e taxas de crescimento demográfico”, evoca.

”E, portanto, nós temos que crescer. Nós necessitamos aqui de investimento estrangeiro, seja ele português, seja ele francês, seja ele americano. Necessitamos de investimentos estrangeiros porque o investimento estrangeiro é o investimento que é, pelo menos teoricamente, associado à tecnologia, associado à inovação, associado à penetração em mercados internacionais. E é disto que Angola e mesmo as economias africanas necessitam”, adianta.

Quanto à sempre invocada necessidade de diversificação da economia angolana, ainda muito dependente da indústria petrolífera, Paula Roque diz que primeiro tem de se avançar para a descentralização política.

“Os programas de reformas estão lá. Eles não estão é a serem Implementados. Para haver diversificação económica, tem que haver descentralização. E para isso, as autarquias são importantíssimas”, defende, considerando que o atual ‘status quo’, com o Presidente da República a nomear diretamente os governadores provinciais não serve os interesses dos angolanos.

“Claro que o pacote eleitoral para que essas eleições sejam realizadas tem que ser definido e tem que dar poder aos governos provinciais, em termos do seu orçamento, em termos da eleição direta de governadores e de administradores de municípios e não serem nomeados pelo Presidente, porque isso, de facto, não ajuda a descentralização política necessária”, diz.

Neste campo, Portugal pode também participar, “arranjando parcerias locais, não em termos só de Luanda, mas nas províncias. As províncias estão com a situação de quase abandono gravíssimo e é importante criar parcerias, criar microestruturas de microfinança, tentar que Angola crie um banco agrícola para que haja financiamento para cooperativas. O problema é a vontade política de implementar”, lamenta. 

Alves da Rocha retoma o que Portugal precisa de fazer.

“A capacidade angolana de investimento na economia é fraca. A nossa taxa de poupança provavelmente não é suficiente para gerar essas folgas para que possamos ter uma taxa de investimento mais elevada. Portanto, o investimento privado é fundamental”, sustenta.

O economista sugere uma vez mais a Portugal que estude e avalie.

“Tem que ver as oportunidades. Elas existem. A agricultura continua a ser um setor que é importante para a diversificação da economia. É importante a agricultura e, sobretudo, as cadeias de valor, partindo da agricultura, terminando na transformadora ou inversamente começando na transformação e acabando na agricultura”, remata.

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