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Opinião A Opinião de Janísio Salomão

Mulher zungueira: o reflexo da economia angolana

Janísio Salomão

Mestre em Administração de Empresas, Consultor Empresarial e Técnico Oficial de Contas

Com “satisfação” vejo diariamente o esforço de mulheres, a maioria delas com crianças ao colo, apesar de tal situação na maioria das vezes não lhes ser favorável, não desistem. Pessoalmente as considero de guerreiras, pois perante adversidades e turbulências mantêm-se firmes, possuem forte capacidade de resiliência. Faça sol ou chuva, procuram sempre encontrar diversas formas de vender os seus produtos e obter algum rendimento que garanta o sustento das necessidades prementes dos seus filhos e em casos excepcionais dos seus parceiros ou maridos.

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A actividade informal em Angola e no caso concreto "Zungueira" data desde à muito, estudos apontam que, a mesma teve a sua génese no período pós independência no ano de 1975, fortemente impulsionada pela situação económica de Angola. A actividade ganhou um maior realce no ano de 2002 com o advento da Paz, atingindo proporções significativas.

O conflito armado em que o país esteve imbuído durante quase três décadas é apontado como o principal propulsor desta actividade, pois uma parte considerável da população foi obrigada a abandonar o seu habitat, os campos agrícolas e postos de trabalhos e instalar-se nos principais centros urbanos. Tal conforme realça Jensen e Pestana (2010, p.6) “a guerra deslocou cerca de 4,5 milhões de pessoas que abandonaram as suas comunidades para se refugiarem nos maiores centros urbanos do país ou em países vizinhos. Isto deixou despovoadas largas áreas rurais e deu origem à criação de musseques e bairros Peri-urbanos densamente povoados, em particular à volta da capital, Luanda”.

Etimologia do termo Zungueira

Etimologicamente o termo advém da língua nacional Kimbundu “kuzunga” que significa circular, rodear ou girar. Foi a expressão escolhida para identificar a actividade informal dos vendedores de rua que deambulam pelas diversas artérias da cidade, bairros, mercados e locais diversos, levando na maior parte dos casos sobre a cabeça uma bacia com produtos, embora hodiernamente os métodos estejam a evoluir adaptando –se ao novo contexto e dinâmica da sociedade Angolana. De acordo Sousa (1967, p. 89), o termo é uma herança da expressão quitandeiras, que constituíam uma representação da capital angolana durante a fase colonial e nos primeiros anos após a independência. 

Chivinda (2015) descreve a Zungueira como uma “mulher sofredora, lutadora, que põe em risco a sua vida para dar dignidade ao outro. No mais profundo do seu ser não existe outra motivação senão dar vida àqueles que lhe foram confiados. Essa é a mulher que caminha o dia todo de baixo do sol ardente e calor infernal que a atormenta. Impressiona a capacidade lutadora dessa mulher, mãe zungueira, que tem de equilibrar o peso que carrega sobre cabeça, com o filho que às costas, e algumas vezes, outro no ventre, como o presenciamos”.

Características da Mulher Zungueira

Faltam palavras para descrever tamanha perspicácia e resiliência que lhe é característica. Esta mulher no meu ver, deveria ser acarinhada e bem tratada por todos. Tal como outras actividades desenvolvidas por agentes que actuam no mercado informal, foram seleccionadas algumas características que evidenciam a mulher zungueira:

Características Pessoais

• Corajosa;
• Sacrificada;
• Paciente;
• Dedicada e Esperançosa.

Características Económico-Financeiras

• Tem pouco capital;
• Vendas diárias são instáveis;
• As suas margens de lucro tendem a diminuir ao longo do tempo, à medida que mais vendedores penetram no mercado;
• Em média as receitas líquidas dificilmente cobrem as suas necessidades básicas;
• O ambiente em que trabalham é de solidariedade para sobreviverem, em vez de concorrência;
• Actividade desenvolvida é mais vocacionada ao comércio.

Causas do Surgimento da Zungueira

As causas do surgimento deste tipo de actividade informal encontram-se estritamente relacionadas com o reflexo do país e sobretudo das condições sócio-económicas. O conflito armando que contribuiu significativamente para a desestruturação do tecido económico e empresarial é uma das principais causas. A população acabou por se concentrar nos grandes centros urbanos, aumentando exponencialmente a densidade populacional. Cidades como a capital Luanda, conheceram um aumento substancial, isto também porque não foram muito afectadas pelos conflitos comparativamente as restantes províncias.

Conforme realça Monteiro (2012), “Até 2002, a cidade de Luanda encontrava-se abarrotada de gente, o que exigiu a aglomeração de um número elevado de pessoas em cada núcleo familiar, em razão da recepção de membros deslocados de guerra. Esta realidade facilitou a degradação da infraestrutura social, e as condições sanitárias das moradias, que se tornaram insuficientes para atender a demanda. Isso exigiu a organização e intervenção do Estado para realizar o reassentamento da população “deslocada” de guerra para as suas zonas de origem, atendendo-a nas suas necessidades básicas. Esse processo deparou-se com grandes dificuldades, sendo que uma parte significativa desta população “deslocada” não quis regressar, desafiando-se a construir sua vida em Luanda”.

No entanto como forma de sustento e adaptabilidade ao novo “modus vivendi”, grande parte desta população desempregada foi obrigada a exercer actividades consideradas de informais de maneira a proporcionarem geração de renda. Tal cenário é hoje visível no país, no qual se pode vislumbrar um número considerável de pessoas deambulando pelas diversas ruas do país actualmente denominadas (os) de “Zungueiras”.

A grande concentração populacional nos centros urbanos e a luta pela sobrevivência e sustento contribuíram para a massificação deste tipo de actividade nas principais capitais das principais províncias do pais e não só.
O cenário actual tem sido o principal propiciador de condições de tal forma que a actividade informal vem ganhando contornos significativos no país. A elevada taxa de desemprego também é outro factor impulsionador da actividade visto que grande parte da população de desenvolve estas actividades nos mercados informais é maioritariamente jovens, senhoras e senhores.

De acordo Nzatuzola (2006, p.4) “Em Angola o sector informal urbano é actualmente dominado por vendedores pobres em situação de auto-emprego, dando a impressão de que apenas os pobres pertencem a este
sector. De facto, é no sector informal que alguns dos elementos mais ricos da sociedade angolana também produzem grande parte do rendimento familiar”.

Existem outras que podemos evidenciar como estando também na origem da ou na massificação desta tipo de actividade informal:

• Taxa de Analfabetismo > 50 por cento:

• Desemprego, > 24 por cento;

• Pobreza, 36 - 40 por cento;

• Agregado familiar em número considerável, geralmente em número superior a 5 cinco;

• Assimetrias Regionais e Locais, sendo grande parte do Orçamento concentrado nas cinco principais provinciais do país;

Conclusão

Ante a situação económico e financeira de Angola não ser muito favorável devido a crise que o País esta a viver fruto a redução do preço do barril de petróleo a principal fonte de financiamento do Orçamento geral do Estado (OGE) Angolano, o sector informal continuará a ser a principal fonte alternativa de trabalho para uma parte considerável da população maioritariamente jovens e mulheres.

A população que vive com parcos recursos e que possui um agregado familiar elevado com pouca formação, vê actividade de zungueira como a principal fonte de obtenção de recursos financeiros. Devemos encontrar formas de aprimorar esta actividade informal que é desenvolvida no país, até porque ela concentra um número elevado da população e, grande parte desta actividade como ocorre fora do sistema formal não é tributada, originando perdas significativas ao Estado.

As corridas, perseguições e em muitos dos casos agressões, não são as alternativas para sanar este problema social, até mesmo as coimas em nada ajudarão a melhorar. Como um reflexo da economia angolana, a actividade de zungueira faz parte da economia subterrânea à largos anos. Soluções como tributar o sector informal através de mecanismo que possam ser profundamente estudados e aclarados, são apenas um atalho para minimizar os problemas com os quais teremos de conviver ainda por muitos e muitos anos.

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Janísio Salomão

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