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Opinião Estamos em Angola!

Uma roda-viva de Partidas e Chegadas!

Cláudia Rodrigues Coutinho

Casada e com 2 filhos. Deixou a vida que tinha, em Portugal, e experimenta, desde Setembro 2015, a dimensão de uma família lusa, a viver, em Angola.

Foi enquanto aguardava na fila para o check in que desvendei um sem número de expressões que se anunciavam mudas, alegres, divertidas, abertas, tristes e ansiosas.

Cláudia Rodrigues Coutinho: A caminho de Cabo Ledo
A caminho de Cabo Ledo   Cláudia Rodrigues Coutinho

Já tinha estado no aeroporto, vezes sem conta, mas nunca o tinha olhado sob aquele ângulo, o ângulo de quem parte num corrupio de dúvidas, angústias e incertezas e volutear de optimismos, convicções, esperança e crença.

Naquela fila reconheci os rostos que pertenciam à incessante roda-viva de partidas e de chegadas. Estava a entrar num universo que, muito em breve, seria meu, e estava a prestes a dar um passo em frente, com o medo de errar.

Recordei, naquela hora, os portugueses e os que têm feito do mundo, o seu lar.

A emigração tem sido uma espécie de missão histórica dos portugueses. Esta palavra faz parte da vida de Portugal e de todos os que decidiram partir, um dia, à procura de novas oportunidades.

Recordei os que conseguem abordar o mundo, bem distantes do seu abrigo. Recordei os que já partiram. Recordei a caravela. Recordei a bravura dos navegadores portugueses que descobriram novas terras pelo mundo inteiro, a encarar o mar e os ventos que não conheciam.

Recordei a mala de cartão. Recordei a demanda de emigrantes portugueses que saíam para juntar dinheiro para construir uma casa na terra e ter uma reforma em Portugal e que enfrentaram inúmeras adversidades, como a língua, o desconhecimento do mundo, as viagens sem condições e as vias de comunicação deficientes.

Confirmei, naquele momento do aeroporto, a força e a coragem dos que partem à conquista do desconhecido e admirei os que se desafiam com a renúncia do conforto e bem-estar que já construíram.

Quando olhamos o mundo pela janela de um avião, vamos vendo as coisas cada vez mais distantes e pequenas. Lá de cima, deixamos de conseguir distinguir o lugar que se deixa e tudo o que com ele ficou.

Olhar pela janela de um avião é contemplar o mundo sob um novo ângulo e sob a perspectiva de alguém que começa a pertencer a todo o lado e a lado nenhum, a todos e a ninguém.

Não costumamos ter dúvidas sobre a quem pertencemos. Nunca ousamos questionar o lugar onde devemos estar, mas será que é assim tão evidente?

Onde e a quem, pertencemos? Pertencemos ao lugar da nossa infância, à rua que nos viu brincar, à terra e aos que nos viram nascer e crescer, à escola que nos ensinou a ler e a escrever, a acertar e a tentar, à primeira paixão, à primeira desilusão, à primeira vitória e derrota, ao primeiro erro, ao primeiro sucesso, pertencemos ao lugar que nos viu começar e partir.

Pertencemos àqueles que deixámos para trás, aos que esperam, aos que aceitam, aos que nos fazem sorrir, aos que nos fazem chorar, aos que nos fazem amar, aos que nos fazem sentir a saudade.

Na verdade, pertencemos aos caminhos e às escolhas que nos atrevemos fazer para sermos felizes.

Quando se parte aprende-se que a vida continua a seguir o seu rumo e não precisa de nós, para avançar. A vida daqueles que ficam, não para, só porque partimos.

Ninguém precisa de nós para continuar a viver. Com ou sem a nossa presença, as pessoas continuam os seus rumos,  continuam a celebrar, a conviver, a trabalhar, a casar, a partir e a regressar, a namorar, a rir, a viver e a resolver os problemas que antes pensávamos que só nós conseguíamos cuidar. Nem os nossos amigos, nem os nossos pais, nem a nossa família, nem os colegas de trabalho, nem ninguém, precisa de nós para continuar a viver. No inicio custa pensar nisto desta forma, pode ser um pouco difícil, mas é a verdade que vamos encerrando deste lado e que acaba por nos libertar e tranquilizar.

Julgamos que somos imprescindíveis e indispensáveis, mas não somos. Podemos acrescentar valor, mas não somos insubstituíveis. É importante aprender que não somos o centro do mundo. O nosso lugar de origem, os amigos, os colegas, a escola, a rotina e a corrida do tempo - tudo continua a acontecer com a perfeita normalidade, sem a nossa presença lá.

E aprender a viver assim é gratificante e libertador. Atinge-se um mundo que é para todos, um mundo desmedido, despretensioso e humilde, e que precisa de todos por igual e, não de “uns, mais do que os outros”.

Nós somos a procura constante da  felicidade, da satisfação e do êxito, e são estes desígnios que regulam a nossa integridade e o nosso carácter através de um conjunto de decisões que vamos arriscando (ou não) tomar.

Todos os dias tentamos descobrir o melhor, num universo de escolhas, riscos e pressupostos, pois queremos ser felizes e se possível, cada vez, mais felizes. Temos a mania que devemos saber tudo e conseguir ser tudo. A tendência é de acreditar que temos de ser perfeitos e ter (ser) sempre o melhor.

Um melhor que levamos uma vida inteira a procurar e que muitas vezes se perde no meio de tantos recuos e avanços.

Um melhor que se define por sentir que somos importantes para a sociedade, por ter conforto, ter sustento, ter casa e um carro (se possível, faustosos), ter um corpo perfeito, ter muito dinheiro, ou, ter paz, ter saúde, ter amor para dar, ter afecto, cultura e conhecimento, ter família (ou não ter), casar (ou não casar), ter filhos (ou não ter filhos), ter êxito profissional, ter muitos amigos, ter o reconhecimento dos outros.

Todos os dias tomamos decisões e escolhas que podem ser certas ou erradas, pretensiosas ou humildes, egoístas ou altruístas – mas são as que reflectem as respostas que damos às interrogações permanentes da vida.

Sente-se sempre medo de partir ou de deixar o que se conhece, mas agora sei que esse medo resulta da nossa obsessão em decisões certas e perfeitas, em vez das incertas e imprecisas.

Quando se parte, aprende-se a arquitectar uma nova vida que se constrói dia após dia.

Aprende-se que o amor autêntico resiste aos quilómetros que nos separam e à pressa do tempo, que os amigos verdadeiros podem estar longe, mas nunca estão distantes.

Podemos partir ou ficar, regressar ou voltar, desistir ou lutar, voar ou pousar, mas a nossa ambição é chegar ao destino que nos proporcione a liberdade de conseguir estar em qualquer lado.

Podemos sempre partir, seja do nosso país, da nossa cidade ou vila, do nosso trabalho, da nossa rua, da nossa casa, do nosso sofá, do nosso ninho. Podemos partir por anos, para sempre, por dias, por meses e até por minutos ou breves instantes. É importante conseguir partir, nem que seja apenas para nos descobrir a nós próprios e para encontrar a nossa verdade. É importante conseguir alcançar o que nos rodeia, através de uma nova óptica. Quando partimos e chegamos, alcançamos as coisas de uma nova perspectiva, como a que eu olhei quando estava no aeroporto e, lá de cima, da janela do avião.

Porque somos uma roda-viva de partidas e chegadas que autoriza a “Liberdade de voar num horizonte qualquer, a Liberdade de pousar onde o coração quiser”. (Cecília Meireles).

“Porque eu sou do tamanho do que vejo E não, do tamanho da minha altura...” (Alberto Caeiro)

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Cláudia Rodrigues Coutinho

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