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Opinião Estamos em Angola!

Sobre a arte de Viver em África e de escre(Ver) em Angola (I)

Cláudia Rodrigues Coutinho

Casada e com 2 filhos. Deixou a vida que tinha, em Portugal, e experimenta, desde Setembro 2015, a dimensão de uma família lusa, a viver, em Angola.

Continuei por um tempo, parada, a olhar para as suas expressões. Estavam eufóricos e contavam, um ao outro, dos seus danos.

José Silva Pinto:
"Fotografias com gente lá dentro"   José Silva Pinto

O C reparou que eu os observava: “Quando chove em Luanda ninguém dorme, D. Cláudia: temos de ficar acordados a noite toda para proteger as nossas casas e ir tirando a água que entra lá dentro. Temos tudo molhado. Nos bairros é assim”.

A L e o C continuaram a relatar os acontecimentos da noite anterior, enquanto sorriam. Era uma ligeireza e uma placidez.

Não consegui parar de olhar e enquanto os ouvia pensei como seria se fosse eu, nos seus lugares.

A comparação que fazemos com a nossa realidade é inevitável e é aqui que a terra ocre nos toca, profundamente. Largar a habilidade de ajuizar porque assim que se compreende o julgamento acaba e sustemo-nos na sublime singeleza de tudo.

As zungueiras-guerreiras alinham meticulosamente os ananases nos alguidares de levar à cabeça. Conversam sentadas nos passeios; correm no encalço do cliente; brincam com as crianças- cansadas das costas; amamentam a andar; dormitam no pano, pra sonhar. Os meninos crianças carregam a água à cabeça. As mulheres trabalham o sustento da família e andam e pelejam, todo o dia, de um lado para o outro. Um homem descalço procura nos restos do lixo o que perdeu e precisa. Uma multidão de gente conversa no quintal: é mais um óbito. O mais velho procura-me na janela do carro: direto, aberto e ligeiro pede-me qualquer coisa. Uma menina atravessa a passadeira e enquanto rasteja no chão segue caminho, sem vacilar. Fazem-se unhas, arranjam-se cabelos. Namoriscam, brincam, perdem, encontram, bulham, dançam, suportam, festejam, inventam e agradecem.

Ora os nossos olhos reagem húmidos de estranheza, e resignação, ora enxugam de admiração.

Chegou a altura de ser clara acerca do que se sente sobre a arte de viver em África e de escrever em Angola.

Há uma coisa que todos sabemos sobre as pessoas do mundo. Todos queremos ser felizes. Mas a forma como imaginamos essa felicidade varia de pessoa para pessoa. 

Dizem que se estamos felizes estamos gratos. Mas será que todas as pessoas felizes são gratas?

Se conhecemos tantos que têm tudo para serem felizes e não o são também há aqueles (e são aqui tantos) que passam por contrariedades que ninguém gostaria de passar e são interiormente felizes.

Se este berço do mundo é o dono de tamanhas injustiças, limitações e padecimentos é também o mestre do agradecimento.

Os sorrisos inesperados que vemos brilhar nas faltas é surpreende. 

Claro que não são gratos pelas tristezas, pelas iniquidades, pelas chuvas que abalam as casas, ou pelas faltas diárias que suportam. Mas agradecem, pacientemente, por cada momento que lhes é dado.

Aproveitam a oportunidade de cada instante porque sabem que é único e irrepetível. Por isso agradecem, sempre. Não agradecem de vez em quando. 

As adversidades transformam-se em oportunidades. Prosseguem e esperançam sempre; e prosseguem e agradecem sempre.

Nas retas infindas de África, nos rostos valentes das ruas severas de terra vermelha, e na simplicidade das vidas alvoraçadas por um sol ardente e uma chuva veemente afirmamos o verdadeiro poder de África. 

Em África é a gratidão que traz a felicidade.

Distinguem-se as pessoas que são gratas das que vivem em gratidão.

Porque param. São pacientes, confiantes e reconhecidos pelo presente da vida. Sempre.

Opinião de
Cláudia Rodrigues Coutinho

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