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Defesa

Segurança privada em África começa a falar chinês

Firmas de segurança privada da China estão a alargar a sua presença em África, à medida que a protecção de pessoas e activos se torna prioritária para empresas chinesas a operar em regiões voláteis do continente.

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Em Angola, República Democrática do Congo, Mali ou Sudão do Sul, antigos membros da polícia paramilitar chinesa e do Exército de Libertação Popular, as forças armadas chinesas, estão a assumir o exercício de funções de segurança privada, revela à agência Lusa um dos raros investigadores naquela área.

“Nos locais onde empresas chinesas de telecomunicações, petróleo ou mineração operam é cada vez mais frequente a contratação de empresas de segurança privada chinesas para proteção de activos e recursos humanos”, explica Alessandro Arduino, pesquisador principal do Instituto do Médio Oriente na Universidade Nacional de Singapura.

A importância crescente da segurança no âmbito de iniciativas como “uma faixa, uma rota”, o gigantesco plano de infra-estruturas lançado por Pequim, e que abrange sudeste Asiático, Ásia Central, África e Europa, surge depois de ataques e sequestro de pessoal chinês a operar em África.

Em Dezembro passado, no incidente mais recente envolvendo trabalhadores chineses no continente, três mineiros no estado nigeriano de Osun foram sequestrados e libertados dias mais tarde. As autoridades chinesas ou a polícia nigeriana não divulgaram se foi pago um resgate em troca.

No entanto, foi já em 2015 que as mortes de três executivos chineses no ataque a um hotel de Bamako, no Mali, levaram a um aumento da perceção entre a opinião pública na China, com o tópico “Vidas Chinesas Importam” a ganhar força nas redes sociais do país.

A retirada de dezenas de milhares de chineses durante os conflitos na Líbia e no Iémen ilustrou o aumento da capacidade das forças armadas chinesas em protegerem cidadãos no exterior e a nova visão do país asiático sobre si mesmo: uma potência mundial pronta a defender os seus interesses além-fronteiras.

Em “Wolf Warrior II” (Lobo Guerreiro II), o filme mais visto de sempre na China, e estreado em 2017, uma das frases mais emblemáticas é: "Quem ofender a nação chinesa será punido, não importa o quão longe está".

Lobo Guerreiro II conta a história de um soldado chinês numa zona de guerra em África, onde salva centenas de pessoas de uma chacina conduzida por mercenários ocidentais, que tentam apoderar-se do país.

Alessandro Arduino separa a realidade da ficção. O princípio de não-intervenção continua a constituir uma pedra basilar da política externa chinesa, limitando a atuação das forças armadas chinesas para proteger alvos individuais, lembra.

“Essa é uma questão que é cada vez mais discutida nos meios académicos chineses”, admite Alessandro Arduino. “Em breve, a China vai ser obrigada a reavaliar o princípio de não-intervenção”, assegura.

Em termos teóricos, modelos de “intervenção seletiva ou limitada” estão já a ser estudados por Pequim, e, em 2017, o país asiático abriu a sua primeira base militar no estrangeiro, em Djibuti, no Corno de África.

A marinha chinesa tem ainda melhorado a sua capacidade para realizar missões de água profunda, nomeadamente em missões anti-pirataria na Somália.

Obert Hodzi, autor do livro "The End of China's Non-Intervention Policy in Africa", aponta à agência Lusa como Pequim tem "protegido infra-estruturas importantes de petrolíferas chinesa" e "treinado as suas tropas para combater no terreno", através da participação em missões de manutenção da paz da ONU no Sudão do Sul ou no Mali.

Pequim, que outrora considerava aquelas missões como uma forma de interferência, e enviava apenas médicos ou engenheiros, passou nos últimos anos a destacar também soldados para combate - 2506, em 2018, o maior número entre os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

No entanto, “continua a existir um longo caminho a percorrer”, até que a China consiga oferecer uma cobertura completa aos seus interesses no exterior, ressalva Arduino.

“Existe uma lacuna na segurança que permite às empresas privadas chinesas actuarem, de forma a que estas operações sejam asseguradas sem interferência direta do Exército de Libertação Popular”, diz.

Alessandro Arduino admite que o termo privado tenha que ser colocado no contexto da China – um Estado socialista, segundo a sua Constituição - onde o Partido Comunista Chinês exerce forte influência sobre as empresas, mas assegura que as firmas a operar no setor não obedecem a uma agenda política.

“A maioria das empresas que pesquisei nestes anos estão no mercado para ganhar dinheiro”, afirma. “Elas veem a segurança como um negócio”, diz.

O académico explica que o facto destas empresas serem lideradas sobretudo por antigos membros da polícia, exército ou serviços de inteligência, se deve à primeira lei de segurança implementada pela China, em 1993, que apenas permite a atribuição de licenças àqueles três grupos, e só alterada em 2010.

Os principais riscos que afectam as empresas chinesas em África variam entre roubos, vandalismo, sequestros e terrorismo.

Para alem de protecção, as empresas de segurança privada fornecem ainda aos seus clientes serviços de inteligência, que podem ser cruciais na negociação com tribos e milícias locais, em regiões propensas a conflitos, e nas quais as empresas chinesas estão envolvidas na extração de recursos.

A lei chinesa, à semelhança de muitos países, com excepção dos Estados Unidos, proíbe os seus nacionais do porte de armas no exterior. Até à data, apenas algumas empresas chinesas receberam licença de Pequim para porte de armas, incluindo o grupo Hua Zin Zhong An, com sede na capital chinesa, e que fornece serviços de proteção para grandes empresas do país a operar no continente africano.

Uma das soluções passa por contratar ex-membros de forças especiais norte-americanas como a SAS (Security Asset Solutions) ou SEAL (Strategic Executive and Logistical Security), ou entre as milícias armadas locais, colocando o pessoal chinês em posições de chefia.

O uso de armas, no entanto, é “susceptível de provocar tensões” já que viola o princípio de não intervenção, um dos cinco pilares da política de relações internacionais da China, explica Alessandro Arduino.

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