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Memorial “à vitória do MPLA” na batalha do Cuíto Cuanavale não faz jus à História

Para alguns, os "mais velhos" ou "kotas", o memorial à vitória do MPLA na batalha do Cuíto Cuanavale, sudeste de Angola, não faz jus à História do país, porque conta apenas a versão de um dos lados.

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Para outros, mais novos, a interiorização de uma só versão - a do Governo - é já um dado adquirido, "certo e indiscutível", facto representado pelo enorme e imponente memorial cuja construção foi inaugurada a 19 de Setembro de 2017 pelo então Presidente José Eduardo dos Santos.

O monumento foi palco sábado das cerimónias oficiais da primeira celebração regional do Dia da Libertação África Austral, feriado nos 16 países da região sul do continente africano, mas a polémica sobre a "história" que verdadeiramente aconteceu na batalha que terminou em 1988 ainda persiste, mesmo entre os que residem no Cuíto Cuanavale, na província do Cuando Cubango.

Entrevistados pela Lusa, vários elementos da população local, estimada em cerca de 100 mil habitantes, mostraram-se divididos, sobretudo entre os mais velhos e jovens, sobre o impacto que a batalha - que opôs as tropas do Governo de Luanda ao então exército guerrilheiro da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) - teve nas comunidades locais e África Austral, em geral.

"Houve muitas mortes e nunca saberemos quantas. De parte a parte. Foi muito violento. Quase toda a população fugiu", disse à Lusa o agricultor Pedro João, 76 anos, natural do município vizinho de Chitembo, à época, volvidos 31 anos, foi obrigado a procurar refúgio em Menongue, onde os combates foram "menos duros".

Sobre a versão oficial descrita pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) - que alega que as Forças Armadas Populares de Libertação (FAPLA) venceram a batalha, contribuindo para a paz em Angola, para a independência da Namíbia e para o fim do ‘apartheid’ na África do Sul - Pedro João não esconde as suas dúvidas, salientando que a UNITA, através das Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), tem sido "maltratada" pela História de Angola.

"Morreram milhares de angolanos e a história terá ainda de ser contada, porque a UNITA também desempenhou um papel importante, que está longe do que é apresentado" pelas autoridades de Luanda, argumentou, assumindo-se "neutral" na defesa daquilo que considera ser a sua "verdade".

Um sentimento comum a outros idosos residentes na localidade, em que o respeito pelos "mais velhos", comum entre os povos africanos, tem sido "maltratado" "nestas coisas da História" pelos mais jovens, a quem tentam passar as "estórias".

"Não. Se o Governo construiu este memorial é porque tem razão. A vitória do MPLA [FAPLA] já nos foi contada na escola. A batalha, e ouvimos hoje o nosso Presidente [de Angola, João Lourenço], permitiu a paz na nossa região. Não há nenhum país em guerra", disse à Lusa Pedro Mussunga, um jovem de 19 anos, natural do Cuíto Cuanavale.

Quando confrontado com a opinião de alguns "kotas" sobre a possibilidade de existirem outras visões sobre o que aconteceu, Pedro Mussunga admitiu que sim, considerando, porém, que a visão do governo "não pode deixar de ser certa e indiscutível".

Questionado pela Lusa sobre se os jovens locais pensam da mesma maneira, Pedro Mussungo refere que é um assunto sobre o qual "nem se fala", pois nem sequer é posto em questão, algo que, Pedro João "lamenta", pois a juventude, comenta, não quer saber a sua História e só pensa nos "telemóveis".

O memorial está lá, numa vasta área de 3,5 hectares, paredes meias com o Aeroporto 23 de Março do Cuíto Cuanavale, erguido à entrada da sede do município, oficialmente em "homenagem aos combatentes que lutaram e defenderam essa localidade contra a ocupação do antigo regime do ‘apartheid' sul-africano". 

O complexo do memorial é composto por um imponente edifício com cerca de 35 metros de altura sob forma de pirâmide, a simbolizar a memória e a bravura dos heróis da batalha de 1988.

A infra-estrutura comporta dois pisos, um terraço e sustentada por três vigas de betão armado, que lhe conferem a forma de uma pirâmide e está equipada com um elevador com capacidade para transportar cinco pessoas.

Logo à entrada do pátio do monumento histórico, encontra-se um painel horizontal de quase 30 metros, com estátuas de soldados, havendo uma delas com combatentes das ex-FAPLA e outro cubano, com os punhos erguidos em sinal de vitória no fim dos combates.

No mesmo perímetro, encontra-se uma biblioteca e dois museus, um onde estão expostas algumas das armas capturadas durante os combates e do material utilizado pelas extintas FAPLA e pelas tropas cubanas, e outro ao ar livre, no meio de um jardim, com equipamento utilizado pelas forças do MPLA.

No espaço não se vê qualquer referência à UNITA. Só referências às forças sul-africanas que apoiaram as FALA e "saíram derrotadas", pondo fim, tal como disse sábado o Presidente angolano, João Lourenço, "ao mito de que o exército da África do Sul era imbatível".

"É uma deturpação clara histórica, de continuidade ideológica que, na região, acabou também por ser abraçado por governos de proximidade ideológica. Mas os historiadores vão acabar por escrever a história real. Preocupa-me sim é, numa altura destas, em que temos desafios de consolidação nacional, comemorar datas de divisão nacional. Não faz sentido nenhum", disse sexta-feira a Lusa o líder parlamentar da UNITA, que considerou um "empate" o resultado da batalha.

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