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Fazenda de morangos guarda os últimos vestígios dos bóeres em Angola

Quarenta anos depois de os últimos bóeres terem partido da Humpata, uma fazenda dedicada à produção de morangos guarda religiosamente aqueles que serão os últimos vestígios da presença daquela histórica comunidade sul-africana em Angola.

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No centro da Fazenda Jamba, rodeado por plantas de morango, o pequeno cemitério é delimitado por um simples muro e um portão sem fechadura, para impedir a entrada de animais. Com duas dezenas de túmulos de bóeres, todos com ali enterrados há praticamente um século, o cemitério é cuidado há três gerações pela família de Yudo Borges.

A família tomou conta da fazenda, que todos os anos é visitada por caravanas de sul-africanos e namibianos, países onde ainda vivem os seus descendentes. "Porque eles estavam todos a sair, a ir embora", começa por explicar à Lusa o jovem fazendeiro, recordando a partida dos últimos bóeres, neste caso a proximidade do final do período colonial português.

A 20 minutos de carro do Lubango, capital da Huíla, Humpata é uma localidade essencialmente agrícola, com grandes fazendas, e para isso também contribuiu a instalação, há mais de um século, dos bóeres.

"Vieram até aqui, produziram, trabalharam muito e quando se chatearam pegaram e foram-se embora de novo para a África do Sul", recorda Yudo Borges, o actual administrador da Fazenda Jamba, que herdou do pai e do avô.

Os bóeres, ou africâneres, são descendentes de holandeses que se fixaram Africa do Sul, nomeadamente na colónia do Cabo, em meados do século XVII, e de franceses protestantes que fugiam às guerras religiosas da Europa.

Chegaram a desenvolver uma língua própria – o africâner, actualmente uma das línguas oficiais da África do Sul – mas após guerras com os britânicos, em disputa pela colonização daquele território, a comunidade, altamente especializada na produção agrícola, iniciou a denominada "Grande Jornada" para norte.

Uma parte do grupo continuou viagem pelo actual território da Namíbia, alcançando e percorrendo as margens do rio Cubango e Cunene, chegando a Angola em finais do século XIX.

Após entendimento com o poder colonial português, tiveram autorização para cultivar terras na Humpata, como foi o caso da fazenda então, pensa-se, criada pelo patriarca da família, Johannes Van Der Merwe, ainda hoje sepultado no cemitério da fazenda. Conforme inscrição que consta da lápide colocada na sepultura, nasceu em 1752 e faleceu na Humpata a 9 de Junho de 1784.

Van Der Merwe ou Botha são de resto os apelidos das famílias bóer sepultadas há várias décadas no cemitério daquela fazenda, o único dos vários que chegaram a existir na Humpata que se encontra devidamente conservado.

Quanto à fazenda, permaneceu nãos mãos dos bóer durante um século, até que o avô de Yudo a comprou, na altura por 400 libras inglesas, tendo a família assumido o compromisso, que ainda hoje se mantém, de conservar o cemitério da comunidade.

"Segundo o que eu ouvi, supostamente os portugueses [final do período colonial] queriam que eles [bóeres daquela fazenda], os filhos, apreendessem português na escola. Eles, como eram muito orgulhosos, não aceitaram essas condições e decidiram ir embora", recorda Yudo.

O cemitério bóer da Fazenda Jamba já foi reconhecido pelo Governo angolano como património cultural nacional e nele estão preservadas 20 campas, incluindo os primeiros elementos da comunidade que se instalaram na Humpata.

Incluem-se as sepulturas de duas crianças menores, que também morreram em Angola. "Nós continuamos com a manutenção, por respeito a eles", explica Yudo.

Uma "quinta com muita história", conta ainda, orgulhoso, ao mesmo tempo que explica que dezenas de turistas sul-africanos e namibianos, alguns até familiares dos antigos bóeres da Humpata, chegam a acampar no interior da quinta.

"Às vezes entram aqui 15 a 20 carros carregados. Estacionam, visitam e depois vão-se embora. Durante o ano acontece isso umas três ou quatro vezes", diz.

Comprada aos bóeres pela família Borges, pouco antes da independência de Angola, a Fazenda Jamba conservou a tradição daquela comunidade sul-africana e chegou a ter 600 vacas holandesas a produzir leite.

Devido às dificuldades na importação de rações e outros produtos, a actividade foi abandonada e os 450 hectares da fazenda estão agora essencialmente concentrados na produção de morangos, que se vendem já em todo o país.

A produção, que tem vindo a crescer, começou 2006. Cada planta da fazenda produz durante seis a oito meses, até ter de ser substituída, e chegam a colher morangos quatro vezes por semana.

Em apenas uma semana, a fazenda consegue produzir semanalmente até nove toneladas de morango e a ambição de Yudo Borges, de 35 anos, herdeiro do negócio da família e que se formou na África do Sul em gestão de fazendas, é começar a exportar, após a certificação da fazenda.

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