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Opinião Estamos em Angola!

De Luanda para o Mundo

Cláudia Rodrigues Coutinho

Casada e com 2 filhos. Deixou a vida que tinha, em Portugal, e experimenta, desde Setembro 2015, a dimensão de uma família lusa, a viver, em Angola.

Num instante, uma imagem tomou vantagem no meu pensamento. No meio de um lugar recôndito da província de Benguela (Angola) encontrei, um dia, duas meninas, lindas, sentadas no silêncio do vazio, na praia da Baía Azul. As meninas de pose humilde e olhos doces e genuínos pareciam estar representadas pela Coca Cola. Impunha-se no cenário da terra ocre o símbolo da Coca-Cola. Num qualquer lugar distante de um país em desenvolvimento distingui a presença da marca americana, global.

Cláudia Rodrigues Coutinho:

Tirei uma foto desse momento e através deste texto partilho-a, convosco, diretamente para Portugal, Alemanha, Brasil, India, Argentina ou um qualquer outro país, vila, aldeia, do mundo.

Há uns dias pediram-me para pensar sobre as vantagens e as desvantagens da globalização; e no que isso se reflete na nossa vida diária.

“Um bater de asas de uma borboleta no Japão provoca um terramoto na Europa.”

De Luanda para o mundo - para Portugal, ou para a Alemanha - posso falar com a minha família à hora, e momento, que me apetece; fico a saber, em tempo real, do tsunami que está a acontecer na Indonésia (com imagens como se lá estivesse); posso participar no concerto dos “Três Bairros” que está a ocorrer no Largo do Seminário, em Santarém; e também consigo estar presente no jantar de aniversário da minha amiga e cantar-lhe os parabéns, em direto, juntamente com a sua família.

Nas movimentadas ruas de Luanda, entre os recantos das suas esquinas por entre a terra batida e suja, e uma multidão de gente, ou pelas mãos dos resilientes vendedores - que fazem parte da nossa vista – vislumbram-se gravatas, ténis de marca, fatos de homem, vestidos de noite, brilhantes, compridos, curtos, vestidos de noiva, relógios, óculos de sol, sandálias da moda, douradas ou prateadas, colunas, telemóveis, calças de ganga, camisas, polos, cintos.

Basta andar a pé ou abrandar o carro para aceder a esta lanceira de bens de consumo provenientes, muito provavelmente, de um país Asiático, fruto da mão obra barata destas economias emergentes. Mas a verdade é que estão, ali, bem à mão de semear de todos; e a um preço mais baixo que noutros lugares.
Agarrar num telemóvel e conseguir efetuar chamadas e também enviar e receber mensagens de texto e visuais, aceder à internet, tirar fotografias, enviar e receber emails, jogos, músicas, filmes, é completamente banal para nós; mas dificilmente nos lembramos que há bem pouco tempo era um objeto desconhecido, de difícil acesso, pesava quilos e custava centena de euros.

Em 7,5 horas de avião, chego, de Lisboa, a Luanda. Noutra altura demoravam-se tempos infinitos, sem comunicações, pelo mar desconhecido.

Num supermercado, em Luanda, encontro uma boa garrafa de vinho da região Douro ou do Ribatejo, um queijo camembert de França; legumes frescos embalados do Algarve; charcutaria de Rio Maior, manteiga da Irlanda ou leite de coco da Malásia.

O desenvolvimento do comércio internacional e das vias de comunicação tornou-nos completamente interdependentes nas relações.

As relações e as ligações entre as pessoas deixaram de ter um espaço limitado; as paredes do mundo foram derrubadas com o desenvolvimento da tecnologia, do comércio internacional e da informação. Vivemos uma maior circulação de pessoas, experiências, bens e serviços.

Constantes novas realidades, e relações económicas, políticas e culturais, assinalam uma profunda transformação do mundo com efeitos nos nossos dias.

Se recordarmos a história da humanidade percebemos que todas as mudanças, e evoluções, aconteceram com ganhos e perdas – que nos ajudaram a chegar até aqui.

A nossa evolução sucedeu da exploração das relações, dos territórios e dos seus recursos; da procura do bem-estar e da sobrevivência.

Se o termo Globalização é normalmente utilizado para falar das mudanças económicas e sociais, que têm acontecido em todo o mundo, nos últimos anos, estas alterações trazem, constantemente, novas realidades, boas e más, compondo novos desafios, benefícios, e problemas - que o mundo, e nós, podemos aproveitar, e igualmente resolver.

É indiscutível que há mais saúde e uma esperança de vida maior. As pessoas vivem melhor, têm vidas mais longas. A nossa saúde melhorou devido à evolução da medicina e da agricultura. Há mais produtos acessíveis a mais pessoas de todas as classes. Melhores transportes, mais modernos e rápidos.
Mas o aumento da população, e crescimento da economia global, fomenta uma intensa exploração da terra e dos recursos da natureza - como a água e os combustíveis fosseis. Este acontecimento está a provocar mudanças climáticas que tendem a agravar-se.

Mais informados que nunca somos donos de constantes excessos, de conflitos entre religiões; existência de fome; ataques e prática do medo; emigrantes que fogem da morte e da pobreza - sem ajuda do próximo.

Numa constante partilha de hábitos, gostos e preferências constituímos um todo que deseja ser uno – mas não consegue ser tolerante.

Críticos da globalização apontam que muitas pessoas não beneficiam quase nada desta prosperidade económica, com a concentração de riqueza a crescer, e consequente desigualdade de oportunidade entre os mais ricos e os mais pobres.

No entanto, sabemos que estas disparidades são recorrentes na história da nossa humanidade.

A Globalização é um processo de continuidade e de constante novidade e de avanço – agora, a uma velocidade excecionalmente veloz, intensa e nova.

Num mundo global é fácil sentir que somos grandes: a ideia é boa. Mas igualmente perigosa.

Ela será aquilo que construirmos. Aquilo que somos e fazemos no nosso dia a dia: aqui e agora.

Temos os instrumentos, as ferramentas, e os meios como nunca tivemos.

Temos a experiência e o conhecimento.

Será fácil encontrar as melhores soluções: juntos, conectados e informados, como nunca, em harmonia com o futuro.

Um futuro que me faz sorrir enquanto leio noticias de multinacionais que investem em tecnologias amigas do ambiente ou na construção de ilhas sustentáveis.

Um futuro que me faz sorrir quando vejo os meus filhos a ouvir, com emoção e respeito, o hino de Portugal, em Angola - e, igualmente, a cantar, e a honrar, o hino de Angola. Ou da primeira vez que o meu filho se recusou a entrar no carro com o F. porque ele tinha uma cor de pele muito escura e os olhos grandes e encarnados: e bastaram dois ou três dias para se tornarem amigos. Ou da constatação da minha filha, quando estava em Portugal, de que os amigos e a família gastavam muita água no duche, e em coisas supérfluas – não a valorizavam bem - enquanto em Angola não têm sequer para beber.

É um futuro que depende de nós próprios - que constituímos a globalização e fazemos a nossa história.

O que se deve refletir não é a globalização em si, mas sim o modo como o estamos a fazer.

Desbravar novos caminhos, sem respostas certas e infalíveis, que permitam discutir um vindoiro otimista de pessoas conscientes, tolerantes e com responsabilização das atitudes.

Anúncio, assim, de Luanda para o Mundo, a grandeza de generosidade das pequenas-meninas-da-Coca-Cola-da-praia-da-Baía-Azul, em Benguela.

Opinião de
Cláudia Rodrigues Coutinho

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