Costumam associar com facilidade, Santarém à cidade do Ribatejo, dos cavalos, dos touros e campinos, falam da Feira Nacional de Agricultura e do Festival Nacional de Gastronomia, muitas vezes de um familiar que estudou na Escola Superior Agrária, da Escola Prática de Cavalaria; mas, Alpiarça, nem sempre identificam - razão que me fez adiantar com vaidade:
- Já ouviu falar de José Relvas e da Casa Museu dos Patudos? Alpiarça é a vila onde viveu José Relvas, um dos homens que da varanda da Câmara de Lisboa, proclamou a República ao país, no dia 5 de outubro de 1910 - o feriado que estamos hoje a celebrar. Era um homem preocupado com o mundo, defensor das causas em que acreditava, com uma sensibilidade especial e gosto pela arte.
A Casa Museu dos Patudos é o seu espelho.
Esta casa singular surpreende-nos com a generosidade de uma beleza majestosa e simples. Quando lá se entra, somos tocados pelo encanto silencioso da arte que se escuta e sente em cada parede e peça desta casa. Envolvida pelo verde imenso da Leziria Ribatejana (que nos enche com o vigor da natureza), percorremos a história da casa e da família Relvas numa especial viagem ao rural, ao tempo e à arte.
Acabei com esta apaixonada explicação pois notei que o meu entusiasmo podia estar a passar para o lado de uma grande chatice para a senhora que tinha acabado de conhecer.
Mas para mim não estava a ser nenhuma chatice. Estava a saber-me bem percorrer ali, a minha terra..
Se calhar porque dialogava com a minha saudade. Com o que me pertence e para onde sei que posso voltar. Com as minhas entranhas. Comigo. Anunciava os meus lugares com o coração atestado de orgulho e de pertença. Confirmava a emoção de ser português no longe.
Casa Museu dos Patudos
Calei-me.
[Mais um pouco e já poderia estar a falar-lhe do primeiro dia em que aprendi a andar de bicicleta.]
Não falei mais de Santarém, de Alpiarça, de José Relvas e da encantadora e imensa Leziria do Tejo e do seu rio (Santarém é uma cidade e região com uma capacidade ímpar de nos maravilhar através da sua diversidade de vivências , sabores e (en)cantos).
Parei de falar mas não parei de os escutar. Pelo contrário. São as minhas vozes e essência.
Estava, então, na Escola Portuguesa de Luanda, a comemorar o feriado de Portugal (5 de Outubro) e os 30 anos de vida desta Escola, que os meus filhos frequentam aqui em Luanda.
Ouvi o hino de Portugal a pulsar de alegria e orgulho. Bati as palmas com a força de um enorme entusiasmo que me assaltou e tomou - é imensa e arrepiante, a alegria que se experimenta quando se é Portugal no mundo.
Aprendemos a ver tudo, de fora, com a emoção na lembrança dos nossos sítios, rostos e cores. Não esperava esta intensidade e não a sabia tão avassaladora e maravilhosa.
É libertador e grandioso (re)conhecer o que é nosso, longe. Ajuda-nos a olhar de frente e a decifrar uma vida confusa e dispersa que nos desafia com as suas constantes opções e decisões num tempo com pressa.
Aqui, esse tempo funde-se num imenso espaço que nos aproxima de nós, do que somos e queremos. Fazemos triagens, passamos no crivo os objectivos e as pessoas da nossa vida..
(Re)conhecemos a nossa história com os olhos da saudade e com a sabedoria de um coração inquietamente tranquilo, apaixonado, desprendido, satisfeito com o tudo e com o nada.
São, assim, os corações dos portugueses.
Dizem que os portugueses se caracterizam por uma certa loucura em arriscar - indo em frente com valentia e arrojo - e por uma certa “fraca” coesão entre todos - chegando até a haver dois países, num. Se pensarmos bem, é verdade. Concordo.
Portugal construiu-se através de conquistas e reconquistas, aventuras e desventuras, explorações marítimas e ultramarinas, navegação, imperialismo, poemas, melancolia, fado, expansão, declínio, desenvolvimento, vitórias e derrotas.
A nossa história foi escrita com o desejo forte de uma independência nacional e com a bravura dos heróis do mar que ousaram à procura do desconhecido e do melhor. Chegámos até a conseguir o domínio do mundo, por um tempo (e nunca mais o conseguimos recuperar).
Tivemos reformas, lideres fortes e outros menos. O equilíbrio foi acontecendo através do autoritarismo e da oposição ao mesmo. Umas vezes, perdeu a bravura desmedida sobre o realismo e outras, o realismo sobre a bravura.
Somos desmedidos a executar e sábios a avaliar, numa dispersão de falta de entendimentos (os grupos dos privilegiados e dos não privilegiados, os dirigentes e o povo).
Nem sempre o povo percebeu (percebe) os grande feitos dos dirigentes em gerir o país e nem sempre os dirigentes entenderam (entendem) as verdadeiras necessidades do povo.
Nunca fomos um pais só. Temos sido um País só-de-uns ou só-de-outros. Nunca houve um grupo capaz de agregar e criar verdadeiros e úteis entendimentos.
Há dois países que se desafiam e alternam em derrotas e conquistas.
Sofremos invasões contínuas que desgastaram uma monarquia cansada que deu lugar à República.
Em 1910, lutámos pela República, garante da democracia e da luta pelo melhor, depois tivemos o Estado Novo e com ele o 25 de Abril. Em 1974, começamos uma nova fase da vida de Portugal, com a queda de Marcelo Caetano e das politicas ultramarinas de Salazar.
Nunca tivemos uma independência intacta, forte, sólida. A nossa integridade foi, continuamente, ferida com o medo e a insegurança a ditar os nossos maiores sentimentos que se esboçam num patriotismo intocável e íntegro.
Nisso, somos todos um só Portugal. Acreditamos e defendemos Portugal, como nunca.
Somos um Portugal de dois lados e patriotas acima de tudo.
Um "tudo"que atesto e um “tudo” que diferencia todos os portugueses.
Somos o sentimento da lembrança e da melancolia.
Daquela melancolia que se expressa pela saudade que canta um fado.
O mesmo fado que eu canto a lembrar e a (d)escrever a minha terra e gente, nesta distância desmedida.
O fado que todos cantam. Aquele que toca a alma portuguesa.
A alma que se expande com a valia de ser português. A alma que celebra Portugal, no mundo.
Aquela que é o meu sorriso, aqui, em Angola.
O sorriso que dança e interpreta a alegria e a saudade daqueles que cantam, comigo, o mesmo fado. [seja em Santarém, em Alpiarça, em Angola ou no mundo].
[Obrigada..]