O Cedesa – Associação de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África, que dedica especial atenção a Angola, defende que, face ao regresso de Trump à presidência dos EUA, "Angola encontra-se perante um dilema estratégico que exige uma abordagem realista e desprovida de ilusões".
"A relação entre os dois países, que conheceu avanços significativos durante a administração Biden — nomeadamente com o investimento no Corredor do Lobito e o reconhecimento de Angola como parceiro estratégico —, está agora sujeita à lógica transaccional e imprevisível que caracteriza o estilo político de Trump", salienta-se no documento, intitulado "Angola e a Administração Trump: Entre a Trump Organization e a diplomacia do desinteresse".
Nesse sentido, o 'think-tank' diz ser "fundamental reconhecer que os Estados Unidos, sob Trump, deixaram de ter uma estratégia coerente para África. A política externa americana tornou-se errática, centrada em interesses imediatos e pessoais, sem uma visão de longo prazo para o continente".
"Países como Angola podem beneficiar de negociações directas, mas sem garantias de apoio em áreas humanitárias, educativas ou de saúde pública. Esta lógica de curto prazo compromete a construção de relações duradouras e coloca os países africanos numa posição vulnerável", sinaliza.
O Cedesa conclui que "as implicações geopolíticas desta ausência estratégica são profundas", com o "vazio deixado pelos EUA" a ser "rapidamente preenchido por potências rivais como a China e a Rússia, que intensificaram os seus investimentos em infra-estrutura, segurança e formação militar em África".
Com a actual administração norte-americana, os EUA privilegiam acordos comerciais pontuais, com especial incidência nos sectores da exploração de petróleo e mineração, o que revela "um desinteresse pelas dinâmicas africanas e uma preferência por relações bilaterais que favoreçam directamente os interesses empresariais do Presidente" dos Estados Unidos.
O Cedesa destaca como um dos sinais "mais evidentes dessa desarticulação" a falta de nomeações diplomáticas relevantes, designadamente a falta de nomeações para cargos importantes relacionados com África, incluindo o de subsecretário de Estado para os Assuntos Africanos e o embaixador junto da União Africana.
Acresce o "desmantelamento" da estrutura diplomática" norte-americana, centralizando a política africana no Gabinete do Enviado Especial para Assuntos Africanos, subordinado directamente ao Conselho de Segurança Nacional, em vez do Departamento de Estado, o que "reforça a lógica de controlo político e enfraquece a diplomacia tradicional".
"Face a este cenário, o que pode Angola fazer?", questiona o Cedesa, que avança duas hipóteses: "manter relações institucionais e esperar", que considera ser a "diplomacia do desinteresse", ou "agradar aos interesses privados de Trump", que classifica como sendo "pragmatismo comercial".
Na primeira hipótese, "uma das opções mais sensatas que Angola pode adoptar (...) não é resistir nem confrontar, mas simplesmente ignorar".
"Trata-se de manter relações diplomáticas formais e funcionais com os Estados Unidos, sem investir energia política ou capital estratégico numa relação que, neste momento, não promete estabilidade nem reciprocidade", explica.
"Ao invés de tentar interpretar ou influenciar uma política externa errática, Angola pode concentrar-se em aprofundar relações com parceiros que demonstram compromisso e visão de longo prazo — como a União Europeia, a Índia, os países do Golfo e os blocos africanos. A diplomacia do desinteresse, neste caso, não é passividade: é foco", vinca.
Na segunda hipótese, que destaca como "mais pragmática", o Cedesa afirma que Angola "poderia oferecer oportunidades comerciais à Trump Organization, como forma de garantir atenção e investimento", recordando que foi o que o Qatar e o Vietname fizeram, com resultados concretos.
"Para Angola, esta abordagem pode representar uma oportunidade estratégica para atrair investimentos directos e imediatos em sectores-chave como o petróleo, a mineração e o turismo", justifica, salientando que, ao estabelecer parcerias com a Trump Organization, o país "poderá beneficiar da visibilidade internacional da marca, impulsionar projectos de grande escala e posicionar-se como destino preferencial para investidores americanos".
Seja qual for a estratégia das autoridades angolanas, "a chave está em equilibrar pragmatismo com prudência", conclui.