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Nelson Paím: o caricaturista que diz ter “arte no lugar do sangue”

Com apenas 26 anos, já fez história na arte da caricatura, ao lançar em 2014 o primeiro livro de caricaturas angolano. Começou a desenhar ainda em criança, mas a caricatura veio mais tarde, e foi com 20 anos que se tornou profissional da arte. Acredita no talento e na força de vontade, como grandes aliados para conseguir alcançar o seu objectivo: “mostrar às pessoas que caricatura é arte e qualquer um pode ser caricaturado”.

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Chama-se Nelson Paím e é um jovem criativo, que vê o desenho humorístico como uma “odisseia”. Sonha em criar a sua própria instituição, para dar formação a todos os interessados na arte, e uma editora, para promover não só o seu talento e criatividade, mas o de todos os jovens que, como ele, aguardam apenas uma oportunidade para se mostrarem ao mundo. 

Nelson, em primeiro lugar fale-me um pouco de si…

Nasci em 1990 na província do Bengo. Sou caricaturista independente, e faço caricaturas em vários eventos e workshops, nas escolas e em exposições. Comecei a fazer caricaturas em 2009, mas profissionalmente comecei em 2010, fazendo parte, na altura, de uma empresa. Colaborei também com algumas revistas, e actualmente estou a trabalhar para o lançamento do meu segundo livro de caricaturas.

Com que idade começou a desenhar?

Comecei a desenhar aos sete anos, e aos 12 já era considerado o melhor desenhador da rua onde cresci, no município do Sambizanga, em Luanda. Criei a minha própria técnica e me aperfeiçoei até hoje. Posso dizer que tenho a arte no lugar do sangue.

Tem alguma formação na área de desenho ou pintura? Considera a formação na área essencial?

Eu sou um dos muitos artistas em Angola que nunca teve a sorte, ou a oportunidade, de frequentar uma escola, a faculdade de belas artes, mas a vocação e a boa vontade são grandes armas para se chegar a um objectivo.

Especialidade em caricaturas e desenhos humorísticos no nosso país não existe. Em países como os Estados Unidos, Brasil e Portugal as belas artes no ensino superior dão várias opções para os desenhadores criativos, mas a caricatura é uma opção à parte, fora do pacote das belas artes. A caricatura surgiu para satirizar acontecimentos da política contemporânea, portanto é normal as universidades não terem essa especialização. Os maiores caricaturistas, a nível mundial, tornam-se profissionais desenhando em parques e eventos, criando as suas próprias técnicas. Quanto mais criativo o artista for, melhor, porque na caricatura a criatividade é priorizada em relação os aspectos naturais da pessoa.

Quais são as suas influências no desenho? Há algum artista nacional ou internacional que destaca como sua referência?

A minha principal influência na arte da caricatura e desenhos humorísticos é o brasileiro Tiago Hoisel, mas admiro muitos outros, como o angolano Horácio da Mesquita, o alemão Sebastian Kruger e o português Carlos Laranjeira.

Apesar das caricaturas serem a sua imagem de marca, ainda percorreu um longo caminho para chegar até aqui. Como foi a sua evolução no desenho e quando surgiu o interesse pelas caricatura?

Tudo começou a tornar-se mais sério quando um vizinho me convidou para fazer parte de uma feira de habilidades para à vida e fomento ao auto-emprego juvenil, em Julho de 2007. E durante muito tempo trabalhei com pinturas a óleo sobre tela, porque era o trabalho que me levou a participar na feira. Com o tempo, foi percebendo que os trabalhos que eu gostava mais, eram aqueles que me permitiam criar ilustrações, mas eu não fazia ideia de como ou onde começar uma carreira de ilustrador.

Em 2009 tive a oportunidade de conhecer o brasileiro Sérgio Guerra e mostrei-lhe os meus melhores desenhos feitos a lápis, e algumas obras pintadas a óleo sobre tela.

Porque escolheu a caricatura e não outro tipo de desenho?

Eu só queria ser um artista diferente, de muitos outros em Angola, e a caricatura tem isso. Apesar de ser um estilo de desenhos já feitos no país por mais de 20 anos, por outros artistas, eu queria fazê-lo como ninguém! Não propriamente ser o melhor, mas fazer a diferença, criar o meu próprio estilo, dar vida e ser o mais realista possível, no sentido de actualizar o estilo em Angola, porque era muito restrito e para um público limitado. E eu levei a caricatura a todos, escolas, supermercados e lugares públicos, e pretendo expor ao público em qualquer lugar deste país.

Qual foi a sua primeira caricatura, lembra-se? E a mais polémica?

A primeira foram os integrantes do grupo de hip hop “SSP”, Big Nelo e Jeff Bronw.

A caricatura do presidente José Eduardo dos Santos foi a mais polémica, isto porque o pessoal em Angola acha que ele é uma personalidade que não pode ser caricaturada. Mas eu não acho isso!

Lançou o primeiro livro de caricaturas angolano em 2014, uma publicação que reuniu caricaturas de diversas personalidades, como Calado Show, as Africanas, Nagrelha e Cabo Snoop. Como surgiu este projecto? Era o seu grande objectivo?

Tive que idealizar o livro sozinho do princípio ao fim, mas a arte final foi feito pelos brasileiros, e também o apoio à edição, por isso eu digo que sou um herói da caricatura em Angola. A inspiração veio do livro de caricaturas português “O Euro de Caretas”, lançado em 2004.

Muitos artistas angolanos não queriam me ajudar, porque achavam que seria um problema um livro de caricaturas. Parecia que em Angola eu era o único que tinha um conceito diferente sobre caricaturas, e o grande objectivo era partilhar com os outros o meu talento. O melhor de tudo é que alguns famosos, músicos, jornalistas e jogadores angolanos, ajudaram-me na divulgação do meu trabalho e mostrando gratidão pela minha iniciativa por homenageá-los no meu livro, que se tornou assim no primeiro livro de caricaturas lançado em Angola, e já lançado em cinco províncias do país: Luanda, Benguela, Huambo, Huíla e Uíge.

Expôs os seus trabalhos no Centro Cultural Brasil-Angola (CCBA), uma mostra de caricaturas intitulada “Parada da Fama”. A adesão superou as suas expectativas?

O tema “Parada da Fama” foi escolhido com o grande objectivo de mostrar com o que a caricatura está ligada actualmente, gente famosas e polémicas, mas sem fugir da origem, por isso caricaturas de muitos membros do governo estiveram expostas e, pela primeira vez no país, a caricatura do Presidente José Eduardo dos Santos foi exposta publicamente.

O pessoal recebeu bem a exposição. A expectativa foi alcançada e é esse o meu principal objectivo, mostrar às pessoas que caricatura é arte e qualquer um pode ser caricaturado.

Para além de um livro e de exposições, o que mais pretende fazer com as suas caricaturas? Definiu mais algum objectivo?

Para além do livro, o que pretendo com as minhas caricaturas é criar marcas. Recentemente lancei as minhas linhas de autocolantes com caricaturas, e pretendo também lançar cadernos escolares com caricaturas na capa, roupas, calendários, agendas…

Como é viver da caricatura?

Viver da caricatura em Angola ainda é pesado. Não há muita oferta, assim como também não há muita procura... As revistas e os jornais aqui no país não priorizam o espaço do desenho humorístico. Mas vivo exclusivamente da caricatura. Encontrei a pessoa certa na vida, com quem colaboro até hoje, o grande mentor da minha carreira como caricaturista, o brasileiro Sérgio Guerra.

Que dificuldades tem ultrapassado durante a sua carreira?

As dificuldades que tenho passado, é principalmente a falta apoios para promover o meu trabalho, em Luanda e nas restantes províncias. O grande problema neste país é que quase tudo é dependente de uma coisa só. Daí o problema do desenvolvimento de vários projectos de quem é criativo.

Ter um livro de desenhos sempre foi um sonho de criança. Mas desde 2010, quando comecei a trabalhar profissionalmente como caricaturista, passaram-se quatro anos até aparecer alguém para financiar o livro, o mesmo brasileiro Sérgio Guerra, porque os empresários angolanos diziam que o meu trabalho não era rentável. Não foi fácil conseguir editar o livro.

A caricatura é uma arte valorizada em Angola? Acha que os angolanos são fãs da caricatura?

Na minha opinião Angola é um país sem cultura. Há pessoas que fazem cultura, mas o país em si não tem… Não se promove devidamente a educação para tal. Portanto, digo que os angolanos, na sua maioria, só não valorizam a caricatura porque estão acostumados a encararem quase tudo como problema. Muitas das vezes nas escolas públicas, o director dá montes de voltas só para autorizar uma actividade de exposição e workshop sobre desenhos, no interior da escola.

O que é que a arte e o desenho representam na sua vida?

A arte na minha vida representa uma odisseia, daí o título do meu primeiro livro de caricaturas.

Por fim, quais os seus planos para o futuro?

Os meus planos para o futuro são abrir uma instituição, para dar formação às pessoas interessadas em aprender a desenhar, especialmente desenhos humorísticos, abrir uma editora e lançar livros de desenhos e literatura, para promover os trabalhos dos jovens criativos como eu, explorar bastante o meu trabalho criando marcas, e ajudar o meu país a se tornar uma Angola de cultura, com jovens devidamente informados.

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