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Ficar em casa é um privilégio no contexto africano, afirma especialista angolano

O especialista angolano em estudos africanos e políticas sociais Edmilson Ângelo defendeu que as medidas de prevenção e combate à pandemia de covid-19 devem atender aos contextos locais e privilegiar o diálogo e decisões descentralizadas.

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Em declarações à Lusa, o académico considerou que as medidas que têm sido tomadas deveriam ter em conta as realidades locais: “Essa ideia de que um tamanho serve para todos não funciona porque as realidades são totalmente diferentes. Não é possível fazer um ‘hashtag’ #fica em casa que não é ajustado à nossa realidade, é preciso fazer um ‘hashtag’ #fica em casa, mas ajudar também aqueles que não podem ficar em casa”.

“Só assim a sociedade civil iria mobilizar-se para uma verdadeira luta em conjunto porque ficar em casa é um privilégio no contexto africano”, disse.

O especialista sublinhou que as variáreis de África são totalmente diferentes do Ocidente ou da China, pelo que a estratégia de combate à doença não deve ser replicada em Angola sem ter em conta o contexto regional e a partilha de experiência entre os países africanos.

“Acho que alguns países africanos foram muito rápidos e entenderam que é necessário reagir de maneira especifica ao contexto africano e o Gana é um bom exemplo disso”, assinalou.

Angola “tem acompanhado também muito do que a Namíbia está a fazer”, acrescentou Edmilson Ângelo.

“Vamos ver qual será a decisão desta Sexta-feira, se vão reabrir algumas coisas já, porque o país está a reabrir sozinho”, frisou.

O Parlamento decide esta Quinta-feira sobre a solicitação do Presidente da República, João Lourenço, para que seja prolongado o estado de emergência, declarado em 27 de Março e entretanto prorrogado por mais 15 dias até 25 de Abril.  

No âmbito do estado de emergência, foram adoptadas medidas excecionais incluindo encerramento de escolas e comércio não alimentar, encerramento de fronteiras, confinamento e isolamento social.

Nas pesquisas de campo que realizou para analisar as políticas que têm sido implementadas no combate à doença, em particular no setor informal, o académico angolano considerou que está a falhar a inclusão.

“Não estamos a focar-nos nas vulnerabilidades das pessoas que estão no sector informal, estamos a focar apenas nos perigos para as atividades mais sociais, que ocorrem no mercado formal”, constatou, afirmando que falta dar respostas em termos de saneamento básico, como promover o distanciamento de forma a que as atividades económicas continuem e como ajudar as pessoas mais vulneráveis a ficar em casa de forma segura.

Pelo contrário: “O discurso tem sido muito centrado em como podemos eliminar os aglomerados nas praças, como fazer com que as pessoas não se juntem no mercado informal, para que nós, a Angola digital, possamos estar mais seguros e manter essas pessoas longe de nós”, uma perspetiva que diz ser de exclusão.

As queixas do sector informal, em que actuam cerca de 70 por cento dos trabalhadores, evidenciam esta realidade e a falta de diálogo e interação com as comunidades locais.

Para o também director da ONG britânica Change 1’s Life, dirigida ao apoio das vítimas da pobreza e desastres naturais na África subsaariana, “a mensagem não está a chegar onde tem que chegar por que as decisões foram tomadas de maneira muito chinesa, sem olhar para contextos locais com soluções locais”, em vez de replicar as estratégias da Organização Mundial de Saúde, da China ou dos países ocidentais.

Entre as medidas excepcionais do estado de emergência incluem-se a limitação de horários nos mercados informais, muitos dos quais foram encerrados por não cumprir as regras sanitárias, limitação da venda ambulante a três dias por semana e interdição da circulação e permanência de pessoas na via pública.

Além dos horários serem desadequados aos ritmos de venda locais, o facto de ser apenas permitida a venda bens alimentares deixa de fora muitos vendedores que sobrevivem vendendo outro tipo de produtos, notou o especialista, apontando a ausência de um plano concreto para o mercado informal.

“A fome e a pobreza ainda são a prioridade no mercado informal, e não a pandemia”, realçou, acrescentando: “São eles que mais estão a sofrer e sentem-se indignados porque até agora todos os casos foram importados e são de cidadãos que vivem em zonas nobres de Luanda”.

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