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Luanda Leaks: num ano, muito mudou para Isabel, mas pouco mudou para Angola

Um ano depois das revelações do escândalo que ficou conhecido como Luanda Leaks, muito mudou para Isabel dos Santos, que viu o seu império desmoronar-se, mas pouco mudou para Angola, considera o investigador Ricardo Soares de Oliveira.

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"Algo mudou, sem dúvida, para Isabel dos Santos, mas para Angola mudou muito pouco", disse à Lusa o académico e autor da obra "Angola: Magnífica e Miserável", comentando as consequências da investigação jornalista que expôs os esquemas que permitiram à empresaria e filha do ex-presidente angolano apropriar-se de milhões de dólares do erário angolano

Para Ricardo Soares de Oliveira, o impacto do Luanda Leaks vai mais longe do que as revelações relativas à principal visada, demonstrando "o 'modus operandi' da economia angolana ao longo dos últimos 20 anos e o envolvimento não só de pessoas ligadas ao antigo presidente, mas também de responsáveis de bancos, contabilistas, advogados e outros prestadores de serviços internacionais que "mostram a dimensão sistémica do saque de Angola".

O Luanda Leaks poderia "impulsionar uma reforma estrutural da economia angolana", contribuindo para punir pessoas que tiveram um papel de relevo no saque e para a reconstrução das instituições da economia angolana, para impedir que o saque se repetisse no futuro, mas "isso não está a ser feito", argumentou.

"Por ora, temos uma espécie de telenovela em que a 'princesa má' finalmente recebe o castigo que merecia e a dimensão sistémica tem sido ignorada. Há quem diga que a procissão ainda vai no adro e que o presidente tem a intenção, a longo prazo, de avançar com essa limpeza estrutural, vamos ver", afirmou o professor do departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford.

Para Ricardo Soares de Oliveira, o Luanda Leaks foi um fenómeno com impacto sobretudo fora de Angola, servindo essencialmente para debilitar e minar a respeitabilidade de Isabel dos Santos no plano internacional, sobretudo em Portugal, país onde as consequências foram mais graves.

"No caso de Portugal, temos uma dependência e uma deferência em relação ao contexto angolano muito grande. Até 2017, Isabel dos Santos estava rodeada de bajuladores em Lisboa - a quase totalidade da classe política e empresarial. No dia em que João Lourenço deixa cair a família dos Santos, os apoios de Lisboa começaram a desaparecer e Isabel passou a ser diabolizada", justificou o especialista, realçando que Portugal tem "marchado ao som da música angolana, anteriormente eduardista e agora lourencista".

Ricardo Soares de Oliveira nota que a maneira como são vistos os principais protagonistas também se foi alterando.

O Presidente, João Lourenço, beneficiou, no início, de grande popularidade quando decidiu atacar de forma directa o ex-presidente e algumas pessoas mais próximas, entre finais de 2017 e princípios de 2018, altura em que a sociedade angolana sentia "um imenso ressentimento" em relação à família dos Santos. Mas a opinião pública mudou.

"Hoje, as pessoas não colocam questões sobre a governação de há dez anos atrás, mas sobre a situação actual, e há uma percepção de que o presidente João Lourenço não resolveu nenhuma das grandes questões estruturais, que têm a ver com a economia e o desemprego", apontou.

E enquanto a hostilidade para com Isabel dos Santos se foi dissipando, ganhou força o medo face ao destino que terão as suas empresas.

"Em Dezembro de 2019, quando o Estado tomou conta das empresas de Isabel dos Santos – a maior empregadora de Angola fora do sector público - a reacção que obtive por parte de muitos angolanos foi: estas empresas vão voar", disse o investigador.

E apesar de nem todos terem feito previsões tão sinistras (alguns limitaram-se a dizer que o Estado é incompetente, recorda Ricardo Soares de Oliveira), a percepção genérica quando foi conhecida a decisão de arrestar bens, contas e participações sociais da empresária angolana foi de hesitação e receio.

"Havia toda uma classe média alta, entre Luanda e Talatona, que trabalha para aquelas companhias, uma classe urbana do sector privado que ficou com medo de que a intervenção do Estado estragasse as empresas", sublinhou.

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