A Lusa encontrou-o no Triângulo do Tumpo, onde se travou o maior combate militar em África após a segunda guerra mundial, e foi ali que contou como a guerra mudou o seu destino, levando-o a abandonar o exército e a ingressar nas forças policiais, onde actualmente exerce funções de conselheiro no Serviço de Investigação Criminal.
Em Novembro deste ano, o subcomissário quis revisitar as suas memórias no Cuito Cuanavale e recordou, em entrevista à Lusa, junto da trincheira que serviu de posto de comando à 25.ª brigada, vivências dolorosas, marcadas pela perda dos seus jovens companheiros.
“Vim reconstituir a minha história, comecei de forma activa como militar aqui no Cuíto Cuanavale, cheguei a 1 de Agosto de 1988 e sai daqui em 1991 e a partir daquela data nunca mais tinha vindo. Depois de sair daqui, tive um certo trauma, e nunca quis recordar vindo para cá. Aliás, hoje sou polícia porque depois rejeitei continuar nas Forças Armadas”, relatou.
Celebrado em Angola como o Dia da Libertação da África Austral, o dia 23 de Março de 1988 marcou a retirada das forças sul-africanas que apoiavam a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), mas não significou o fim dos combates entre as forças governamentais das FAPLA e os guerrilheiros de Jonas Savimbi na província do Cuando Cubango.
É considerada a batalha mais longa que teve lugar no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial, prolongando-se entre 15 de Novembro de 1987 e 23 de Março de 1988, depois das tropas das FAPLA lançarem uma ofensiva contra as bases da UNITA, com apoio dos soviéticos e cubanos.
A África do Sul, por seu lado, queria evitar que as FAPLA tomassem a região e permitissem o avanço da SWAPO [partido namibiano Organização do Povo do Sudoeste Africano], colocando em causa o regime do apartheid.
A vitória na batalha que pôs fim à intervenção das forças estrangeiras em Angola é até hoje uma questão controversa, em que os diferentes participantes reclamam triunfo.
Destino Pedro tinha 19 anos e acabado de concluir uma formação de três anos em Cuba quando chegou ao Cuito Cuanavale.
“Vivi grande parte do que ocorreu aqui depois de 1988 e até 1991 quando ocorrem os acordos de paz [Acordos de Bicesse, assinados no Estoril e que previam o fim da guerra civil]”, contou à Lusa, lembrando os momentos de tristeza por que passou nesses três anos: “Tenho péssimas memórias de colegas que ficaram aqui, tenho péssimas memórias de soldados meus que tombaram na altura, mas hoje, felizmente, estamos em paz e há necessidade de recuperarmos essa memória e retirarmos aquela imagem que tínhamos de um período sombrio que esta região e Angola viveram”.
Destino Pedro foi colocado no Cuito Cuanavale para operacionalizar uma unidade de um batalhão de tanques deixados pela tropa cubana e participou na Operação Independência para tentar chegar a Mavinga, onde estava o comando das forças da UNITA, pela segunda vez, depois do fracasso das anteriores operações.
“Infelizmente ocorre depois do acordo de Gbadolite [pacto de cessar-fogo assinado em 24 de Junho de 1989 nesta cidade do antigo Zaire, actual República Democrática do Congo], que fracassa. Naquela fase de interlúdio, houve um aproximar das forças inimigas e houve necessidade de operacionalizar a tropa que estava no Cuito Cuanavale para mais uma vez atingirmos Mavinga”, descreveu.
Foi nessa altura que a companhia de tanques que liderava sofreu um acidente, relatou.
“Estávamos a seguir um trilho, tínhamos informação que estava todo desminado, provavelmente os nosso sapadores não detetaram esta mina quando passaram”, recordou.
O seu tanque, o primeiro a passar accionou a mina, que acabou por “despertar” com a passagem do veículo seguinte.
O T-54, um tanque de grande tonelagem, garantiu a proteção dos militares que não sofreram danos significativos e Destino Pedro escapou apenas “com alguns arranhões”, ao contrário do que aconteceu a um dos seus companheiros, que viu ser despedaçado por um obus.
Desde o fim da grande batalha do Cuíto Cuanavale, “esta área toda foi sempre uma área de conflitos, as FALA (exército da UNITA) e as FAPLA (exército do Governo MPLA) chocavam-se constantemente nesse período todo e mais além”, disse o ex-combatente, contrastando as lembranças desse período com a actualidade.
“Hoje encontro o Cuito na forma que está, pacífica, hoje estamos a falar aqui deste lado à vontade… na altura podíamos estar a falar de pé mas assustávamo-nos, um obus, um morteiro iam cair ao lado”, afirmou.
Angola está em paz há 20 anos e Destino Pedro encontra hoje amigos nos antigos inimigos, alguns dos quais a quem está ligado por vínculos familiares através de casamentos com ex-combatentes da UNITA.
“Hoje o relacionamento é outro e quando falamos das nossas memórias apenas recordamos um período sombrio que é também oportunidade para ter uma Angola mais segura. Os angolanos hoje estão conscientes de que voltar para a guerra seria uma das piores situações que este país poderia voltar a ter”, realçou o antigo combatente.