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2020: jovens angolanos tomaram as ruas

Num ano marcado pela crise económica, a pandemia agravou ainda mais as dificuldades sentidas pelos angolanos, que mostraram o seu descontentamento nas ruas e encaram agora com mais cepticismo o Presidente que trouxe esperança após décadas de “eduardismo”.

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No seu terceiro ano de mandato, João Lourenço, o sucessor de José Eduardo dos Santos, que dirigiu os destinos de Angola durante quase 40 anos, experimentou o desencanto e a desconfiança.

Apesar de continuar a erguer a bandeira da luta contra a corrupção, João Lourenço não conseguiu evitar que se abrissem brechas e crescesse o distanciamento entre si e os angolanos, que viveram um ano dominado pelas incertezas, desemprego e aumento da pobreza.

Apesar dos anúncios de recuperação de activos, por via judicial, e de, pela primeira vez, terem sido expostas na televisão pública anteriores figuras do regime e o seu envolvimento no saque do erário público, numa série de peças jornalísticas intituladas "O Banquete", que retomaram investigações já denunciadas pelos vários meios de comunicação social, os processos judiciais pouco avançaram.

O mediático julgamento de José Filomeno "Zenu" dos Santos, filho do anterior presidente, chegou ao fim, mas pouco se sabe de outros casos, como os dos generais Leopoldino Fragoso do Nascimento "Dino" e Hélder Vieira Dias "Kopelipa", ou de Manuel Vicente, antigo vice-presidente e ex-patrão da petrolífera Sonangol, empresa à qual estão associados vários dos escândalos de corrupção.

Juristas e analistas têm também questionado o aparente carácter selectivo dos alvos da justiça e a forma como está a ser feita a recuperação de activos, apontando a falta de enquadramento legal e o real valor dos bens recuperados, que pode significar, em alguns casos, pesados encargos para o estado.

Em termos económicos, o Governo continuou a sinalizar as reformas em curso, numa perspectiva de atracção de investimento, mostrando-se empenhado em prosseguir o caminho da muito falada e pouco concretizada diversificação económica, mas a chegada da pandemia da covid-19, em Março, obrigou Angola a travar a fundo e deixou o país numa crise social e económica.

Em vez dos prometidos empregos, fecharam-se empresas e a actividade económica caiu a pique, com muitos angolanos a queixarem-se de ter de escolher entre morrer do vírus ou da fome face à obrigatoriedade do confinamento e restrições à circulação.

Com a insatisfação crescente, a contestação dos jovens foi subindo de tom e realizaram-se várias marchas contra o desemprego e para reivindicar melhores condições de vida e eleições autárquicas, que estavam previstas para este ano, mas não avançaram por causa da pandemia.

O Governo foi apertando o controlo sobre os meios de comunicação social e aprovou novas medidas de prevenção da covid-19, como a proibição de ajuntamentos com mais de cinco pessoas na rua, horas antes de uma manifestação agendada para 28 de Outubro.

Ignorando a proibição, manifestantes, sobretudo jovens, apoiados pelo principal partido da oposição (UNITA), saíram à rua, o que desencadeou uma reacção da polícia, que impediu o protesto e prendeu mais de 100 pessoas, incluindo jornalistas.

Sumariamente julgados, os manifestantes só foram libertados uma semana depois, num acto que mereceu repúdio da comunidade internacional.

Este foi um indício do que viria a acontecer na manifestação que se seguiu, a 11 de Novembro, dia em que se assinalavam os 45 anos da independência de Angola. A data ficou marcada pela morte de um jovem, Inocêncio de Matos, em circunstâncias ainda por esclarecer, mas que testemunhas e família atribuem à polícia.

A festa desse dia, em que João Lourenço inaugurou o hotel Miramar, um dos bens recuperados a empresas do trio Dino, Kopelipa e Manuel Vicente, foi ofuscada pelo clamor dos jovens na rua, dispersados à força por disparos e gás lacrimogéneo, e manchado pelo sangue de Inocêncio de Matos, o estudante elevado à categoria de herói-mártir pelos jovens angolanos que exigem mudança de políticas e de paradigma.

Pressionado pelas críticas à violência policial e pela ausência de explicações para a morte de Inocêncio de Matos, João Lourenço ensaiou uma tentativa de reconciliação, convocando associações juvenis e activistas para o diálogo.

O encontro dividiu opiniões entre os que viram no chefe de Estado uma genuína vontade de aproximação e espírito de tolerância e os que identificaram sinais de arrogância do também presidente do MPLA, partido há quarenta anos no poder e que precisa de provar a uma nova geração, sem memória da guerra, por que deve ser escolhido em 2022 para continuar a governar Angola.

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