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Defesa

Valter Filipe chora em tribunal durante julgamento do ‘Caso 500 milhões’

O ex-governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe, teve uma reacção inesperada durante o julgamento do 'Caso 500 milhões'. O arguido, que está a ser ouvido esta Quarta-feira, chorou em tribunal.

Lídia Onde:

Valter Filipe disse, com lágrimas nos olhos, que recebeu indicações do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, para proceder à transferência dos 500 milhões e direccionou as culpas para o actual governador do banco, José de Lima Massano: "O senhor José de Lima Massano prestou falsas declarações e levou o Ministério Público a instruir mal este processo todo. Não sei por que razão. A transferência foi legal. Eu tinha, sim, competências para transferir até 500 milhões de dólares".

A proposta do coarguido, que acusou o actual governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, de ter prestado falsas declarações na instrução do processo, foi rejeitada pelo juiz da sessão, João Pitra, que argumentou que o réu terá muito tempo para apresentar os esclarecimentos que considera necessário.

Segundo escreve o Novo Jornal, o arguido revelou ainda que antes de deixar o seu cargo no BNA informou José de Lima Massano sobre a transferência, frisando que deixou claro "que estava disponível para esclarecer qualquer dúvida sobre o andamento do processo".

O antigo governador do BNA disse que quando foi nomeado, o sistema financeiro do país encontrava-se numa crise profunda, pelo que havia o plano de reestruturação do banco central, da banca privada e pública.

Relativamente ao processo em julgamento, em que é acusado de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato na forma continuada, Valter Filipe contou que em Junho de 2017, depois de uma reunião de Conselho de Ministros foi informado à saída do encontro que o então chefe de Estado pretendia falar consigo e também com o ministro das Finanças na altura, Archer Mangueira.

Segundo o coarguido, na reunião, José Eduardo dos Santos entregou a ambos um documento que tinha o timbre do banco BNPB Paribas, e pediu para ler a carta que solicitava a apresentação de uma proposta de um financiamento, através de um sindicato bancário. De seguida, prosseguiu, o então Presidente disse que aquela era uma boa oportunidade de financiamento, para a produção nacional, que não iria endividar o Estado, pedindo que contactassem os proponentes.

O coarguido contou ainda que depois de contactados os proponentes, nomeadamente o coarguido José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola, e o coarguido Jorge Gaudens Pontes Sebastião, sócio maioritário da Mais Financial Services, aconteceu a primeira reunião em Lisboa, da qual fez também parte Hugo Onderwater, da parte dos proponentes.

O então ministro das Finanças chefiou a delegação e no regresso a Luanda, José Eduardo dos Santos pediu um parecer conjunto sobre o assunto, para posteriores decisões.

De acordo com Valter Filipe, antecipadamente o então ministro das Finanças enviou um parecer a José Eduardo dos Santos, sem o seu conhecimento, mas no encontro com o Presidente, este apercebendo-se que o documento não era conjunto, decidiu pela sua anulação. No mesmo dia, Valter Filipe disse ter contactado os coarguidos José Filomeno dos Santos e Jorge Gaudens Pontes Sebastião para melhores explicações de todo o mecanismo financeiro, "que era complexo", tendo sido criada uma comissão, que elaborou um parecer do BNA.

Nessa sequência, o coarguido disse ter ligado a Archer Mangueira para dizer que ia pedir audiência ao Presidente da República para a entrega do parecer, salientando que este inicialmente recusou-se a ir ao encontro, porque já tinha emitido o seu parecer, mas entretanto mudou de ideias. Valter Filipe descreveu ainda que recebeu, entretanto, um telefonema do diretor do gabinete do Presidente a informá-lo que a audiência já não seria conjunta, mas apenas com aquele coarguido.

Na audiência, explicou Valter Filipe, o Presidente terá dito que havia dificuldades de agenda do ministro e que os proponentes não queriam relacionar-se com o Governo, mas sim com o banco central, tendo-o orientado a coordenar a equipa e a elaborar um cronograma para a operação, que foi aprovado por José Eduardo dos Santos.

Segundo Valter Filipe, o Presidente disse-lhe que pretendia que o financiamento se iniciasse antes da sua saída do cargo, porque alegadamente não podia sair da presidência deixando o país e o novo chefe de Estado sem financiamento, porque seria ele o culpado da crise financeira.

O coarguido referiu que em todo o processo levantou a questão da reputação do banco, porque meses antes tinha estado em Inglaterra a apresentar o plano de reestruturação do BNA, apesar de considerar aquela uma oportunidade para Angola naquele contexto de crise cambial que o país vivia.

Para o coarguido, aquele processo marcou a relação mais profunda que manteve com José Eduardo dos Santos, lembrando que o Presidente pediu-lhe que rezasse para a operação ter sucesso, o mesmo que já vinha dizendo ao então chefe de Estado, que a solução de Angola só dependia de muita oração e de muito jejum.

Sobre todo o processo, Valter Filipe disse que não fez nada sem a orientação de José Eduardo dos Santos, que foi quem dirigiu todo o processo, que deveria acontecer no espaço de um mês, antes da sua saída da presidência face às eleições gerais em Agosto de 2017.

Valter Filipe, que durante o interrogatório chorou por duas vezes, afirmando o quanto é difícil a situação "para uma pessoa que defende a ética e a moral", disse que tinha competência para ordenar a transferência dos 500 milhões de dólares e que toda a operação foi lícita, por isso não houve camuflagem nem tentativa de defraudação.

O interrogatório ao réu continua na Quinta-feira, na instância do Ministério Público, na que será a sétima sessão do julgamento, iniciado no dia 9 deste mês. Valter Filipe é acusado dos crimes de branqueamento de capitais e peculato. No banco dos réus encontram-se ainda José Filomento dos Santos, filho do antigo Presidente da República e antigo presidente do Fundo Soberano, Jorge Gaudens e António Samalia Bule.

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