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Adão Minjy: “Sou um artista com a africanidade patente nas minhas características musicais”

Nasceu em Angola e, influenciado pela mãe, sempre viveu acompanhado pela música. Aos cinco anos de idade já cantava num coro religioso, mas a sua infância, marcada pela guerra, foi difícil. O seu maior ídolo, a sua mãe, cantava-lhe canções em criança, que o fizeram despertar a paixão pela música. Subiu pela primeira vez a um palco no “Estrelas ao Palco”, experiência que recorda como única e desafiadora, mas foi no “Novos Talentos de Angola” que as oportunidades começaram a surgir. Recentemente subiu ao palco da Trienal, que considera o momento mais alto e importante da sua carreira. Compõe os seus temas em várias línguas tradicionais, para que os valores e tradições não sejam esquecidos. Aos 32 anos, Adão Minjy sonha em subir aos mais importantes palcos africanos e internacionais, para dar a conhecer a rica cultura nacional.

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Adão Minjy, em primeiro lugar fale-me de si… Onde nasceu e cresceu, como foi a sua infância, os seus estudos, que idade tem…

Adão Minjy é o nome artístico de Miguel Afonso Augusto Adão, sou um jovem de nacionalidade angolana, natural de Nambuangongo, província do Bengo. Sou filho de um casal comprometido com a música, desde as suas antigas gerações, Afonso Augusto Adão, meu pai e Eva Miguel Adão, minha mãe.

Tenho agora 32 anos de idade e nasci numa aldeia chamada Kimuanassala, nos primeiros anos da década de 80. Desde pequeno, os meus pais levavam-me à igreja Metodista Unida da aldeia e aos cinco anos de idade – como os meus pais contam –, comecei a cantar no grupo coral infantil. Depois aprendi a tocar o batuque e a cantar várias vozes.

O meu crescimento tem muitos altos e baixos, porque foi uma fase difícil que o país estava a atravessar, já nos anos 90, na igreja profética. Os meus pais abandonaram a terra natal, para se instalar na capital do país, passando eu a residir no município do Cazenga, na casa do irmão mais velho da minha mãe, o tio Damião Miguel. Tive uma infância dura nos mais variados aspectos, à semelhança de qualquer criança da década de 90. Na casa onde eu cresci vivíamos no mesmo tecto um total de 20 pessoas. Depois passei a residir no município de Cacuaco, onde frequentei os primeiros ciclos de formação académica, na escola Santa Isabel e o ensino secundário no colégio Entendimento.

Em 2001, terminei com sucesso o concurso básico da língua inglesa e me tornei professor da mesma língua por vários anos. Foi uma trajectória difícil porque antes de tudo fui obrigado a vender petróleo em garrafas, vendi água natural em copos, vendi desentupidores de fogão, que na altura chamávamos fogão primo, e outras coisas mais.

Quando surgiu a paixão pela música?

Tudo surgiu desde a minha infância, altura em que minha mãe ensinava a todos nós, eu e os meus irmãos, algumas canções religiosas. Para dormir, a mãe tinha de cantar e sempre que acordávamos ela nos chamava para ensinar uma nova canção. Quando perguntávamos quem a ensinou, respondia que eram canções que vinham de revelações em sonhos e era sempre assim. Actualmente é da mesma maneira que faço a maior parte das músicas, que muitas das vezes não encontro explicação, o que me leva a acreditar que é tudo um mistério que só Deus sabe.

Quem são as suas influências e os seus ídolos na música?

Sou ouvinte de vários artistas do mundo, mas a minha influência só depende de Deus, porque nem mesmo eu consigo explicar como surgem as minhas melodias. Todavia, não consigo particularizar um artista como meu ídolo, porque as primeiras canções que ouvi foram da minha própria mãe. Ela é meu ídolo. Mas isso não impede de citar os artistas que sempre respeitei os seus trabalhos, principalmente os músicos africanos como Salif Keita, Richard Bona, Youssou N’dour, Papa Wemba, Lokua Kanza, Francó e Lutchiana Mobulu. Os angolanos que também são minhas referências são André Mingas, Tony N´guxi, Gabriel Tchiema, Robertinho e tantos outros que não consigo citar. Sinto uma vibração e arrepio na pele quando os ouço, porque me fazem viajar no continente berço da humanidade.

Ainda se lembra da primeira música que escreveu? E a primeira vez que subiu a um palco? O que sentiu?

A primeira música que escrevi tem como título “Sou o Afro” e retracta a minha missão no mundo da música, que se prende com o despertar do bem viver e a semente da esperança para os angolanos e africanos; fazer renascer a flor do amor nos corações das pessoas para semear o espírito da unidade, entre os povos de África e do mundo.

O primeiro palco que subi haviam centenas de pessoas, e foi há 13 anos, no Cine Karl Marx, no concurso “Estrelas ao Palco”, e senti um pouquinho de nervosismo, mas depois recuperei e continuei a cantar.

Uma das características que o diferenciam de outros artistas, é o facto de compor os seus temas em várias línguas tradicionais. Porque decidiu fazê-lo e qual é o objectivo?

Sou um africano da versatilidade linguística, preocupado com o resgate das nossas valiosas tradições. O meu diferencial são as línguas tradicionais de Angola. Canto em todas as línguas tradicionais de Angola, sem esquecer que também tenho composições e canto em língua “pular”, idioma tradicional falado no Senegal, Camarões, Mali e outras regiões do continente. Assim sendo, sinto-me um artista que ultrapassa a fronteira de Angola, perspectiva África e o mundo. Sou um artista com a africanidade patente nas minhas características musicais, e pela forma como me apresento publicamente.

Decidi ser diferente porque o mundo procura inovações, e não precisamos inventar nada porque África tem muita riqueza, que o mundo precisa observar e aprender. Mas também tenho a missão de resgatar as nossas culturas, através das línguas tradicionais e da minha representação artística em palco. A minha preocupação também se prende com a decadência dos valores morais, que temos estado a vivenciar, visto que as nossas fontes orais, as bibliotecas vivas, os nossos mais velhos, estão a morrer e nós os jovens vivemos cada vez mais afastados destas tradições. Há muitos adultos de hoje que não dominam as suas línguas de origem, para não falar dos hábitos e costumes! Temo viver numa sociedade sem sabermos quem somos, de onde saímos e para onde vamos, sendo que será um verdadeiro défice da nossa essência. Todavia, como a língua é uma das ferramentas imprescindíveis de comunicação e transmissão da cultura bantu, é esse o meu foco.

De todos os temas que já compôs qual o seu favorito e porquê? Qual a mensagem que pretende transmitir?

Adoro todas as minhas composições e penso que tem de ser o público a escolher. Pelas mais de cem composições que tenho, não me ajuda e nem consigo de forma honesta definir a letra favorita, porque faço composições para todas as idades, nos vários estilos e línguas. Mas gostei da música “Nkundi”, a mesma música que penso cantar com o artista Tony N’guxi no meu álbum, porque já lhe mostrei a letra, que é interpretada na língua kikongo. Gosto desta composição porque invade Angola, África e o mundo. Os artistas da minha banda “Raízes de África” adoraram essa composição, e foi bem recebida na III Trienal de Luanda.

Nesta música, retracto a realidade de alguns falsos amigos, que só gostam de estar connosco nos bons momentos, e quando estamos em dificuldades não nos prestam mais atenção. Esta é a mensagem que tento transmitir, porque vemos que há momentos na vida que procurámos pessoas a quem confiar, devido ao volume de decepções.

Em 2003 participou na terceira edição do mítico concurso “Estrelas ao Palco”. Pode falar-me um pouco sobre esta experiência?

Foi um momento único e desafiador, porque muitos artistas encontraram uma oportunidade de mostrar as suas capacidades, num palco que era bem concorrido. A participação deu-me mais esperança no mundo musical, apesar de não conquistar lugar nenhum, fiquei tranquilo pela participação, porque o meu foco ainda era treinar os palcos e me familiarizar com o público, para desenvolver mais o formato artístico. Naquele evento, interpretei o americano Lionel Richie, com a música intitulada “How Long”. 

Ficou em terceiro lugar no “Novos Talentos de Angola”, em 2011. Esta participação abriu-lhe portas no mundo da música? O que significou este terceiro lugar para a sua carreira?

Muita coisa mudou depois de ter sido seleccionado entre os três principais vencedores do concurso, realizado pela União Nacional dos Artistas e Compositores, em parceria com a Fundação Brilhante, porque a minha música “Ngi kua Ngola”, que traduzido em português significa “Sou de Angola”, ficou na terceira classificação e mereceu a mesma posição num CD, que a organização masterizou. Foi um momento inesquecível que deu forças para me empenhar, e dedicar mais tempo e responsabilidade à carreira.

Tive uma ligeira paragem de três anos, devido ao trabalho profissional fora da música, e à questão da escolaridade. Terminei o ensino médio e entrei no curso de Língua e Literatura Africana, no Instituto Superior de Ciência de Educação. Mas por questões financeiras, de trabalho e sustento da minha família, tive de cancelar e ainda não concluí.

E a música?

Já não tinha tempo suficiente para a música, e por falta de agenciamento ou assessoria na carreira, as coisas ficaram totalmente paradas, até encontrar uma agência de comunicação para me ajudar a fazer as coisas direito. Foi nesta senda que encontrei a agência Selutu - Comunika Angola, em Novembro do ano passado, e tudo está a correr de forma sustentável. O mercado recebeu-me com os dois ouvidos.

Recentemente subiu ao palco da III Trienal de Luanda, no Palácio de Ferro. Como foi cantar num palco tão conceituado que recebe grandes artistas nacionais?

Foi o momento mais alto e importante para a minha carreira, até ao momento, por ser um espaço cultural onde passam aqueles artistas que têm uma carreira coesa, bem como aqueles que estão a emergir. Fiz o meu primeiro concerto musical e muitos, assim como a minha equipa de trabalho, não acreditavam quando eu disse que era a primeira vez a cantar oito faixas musicais, num único evento de referência. Foi o meu concerto, e penso que desta forma as portas do mundo se abriram para a minha carreira. 

A Fundação Sindika Dokolo, por meio dos seus projectos culturais, que tem estado a desenvolver, tem dado oportunidades aos artistas que possuem um repertório consistente e respeitado, mas que ainda não são tão conhecidos no mercado. Este palco, ajuda-nos a estar no mesmo espaço e melhora o tratamento entre todos os artistas. A organização merece aplausos e incentivos por dinamizarem a nossa cultura.

Já participei em alguns eventos, mas não se podem comparar com o convite que recebi da Fundação Sindika Dokolo, onde pela primeira vez cantei, durante uma hora e meia sem descanso, oito músicas da minha autoria, em sete línguas diferentes, com a minha própria banda, “Raízes de África”. Foi uma grande experiência e senti que estava a ser também testado. Mostrei a minha versatilidade linguística, o público vibrou e sinto-me aprovado para qualquer palco do mundo.

As dificuldades e a competitividade do meio artístico musical não passam ao lado de ninguém. Qual foi o momento mais difícil que ultrapassou? E o melhor momento, desde que iniciou a sua carreira musical?

Os momentos mais difíceis que ultrapassei, foram quando trabalhava arduamente na carreira, sem apoios financeiros para a gravação das músicas promocionais. Sacrifiquei muitas coisas para o efeito, nomeadamente os meus estudos, algumas aventuras, e a minha família, que ficava às vezes sem nada para comer, só para entrar em estúdio e conseguir gravar as quatro músicas que estão em quilapanga: “Ngi kua Ngola”, R&B “You are my  angel”, afrojazz “Ndolo ku Muxima” e semba “Madya”. Gravadas as músicas, as dificuldades por falta de agenciamento não pararam. Por esse motivo tive de procurar alguém que entendesse bem do assunto, ou que pudesse fazer alguma coisa pela minha conturbada carreira, encontrando assim o consultor de comunicação e jornalista Fernando Guelengue, que trabalha comigo há 11 meses, e tudo o que conquistei até agora só foi possível graças ao trabalho da agência.

Como vê o mundo da música em Angola? Há apoios para os nossos artistas?

É difícil dizer de forma muito clara, como anda o mundo da música no nosso país. O país não enfrenta bons momentos financeiros e económicos, no geral, mas também não estamos bem do ponto de vista cultural, o que influencia em grande medida a questão da música. Assim sendo, não estamos bem em termos de aberturas de espaços culturais, para novos artistas, e aqui vemos também artistas a serem seleccionados como clube de futebol. É triste! Tem de acabar a promoção das mesmas pessoas, porque o mundo precisa de novas coisas e novas caras. Em termos de qualidade na produção, estamos bem melhor, e em Angola ouve-se cada vez mais músicas nacionais, diferente de outros anos. O governo é chamado a investir mais na cultura, para a diversificação da própria economia. Há poucos apoios de facto, e isso é lamentável a todos os títulos. Os artistas, assim como os outros agentes culturais, têm atravessado inúmeras dificuldades para alcançar os objectivos.

O que é que a música representa na sua vida?

Eu sou afro e a música representa a minha vida. É o meu guia para a transmissão de qualquer mensagem que desejo passar, sobre as nossas tradições e formas de comunicação do povo bantu. É o meu oxigénio, que liberta qualquer povo da ignorância cultural e alicerce, para a reconstrução da nossa identidade.

Por fim, quais os seus planos para o futuro? Novos projectos musicais? Novos temas?

É difícil falar de planos para o futuro porque são vários. Um deles, é chegar aos palcos mais importantes do continente, e do mundo, para representar a versatilidade linguística e a nossa expressão cultural, no meio de quilapanga, semba, rebita e outros estilos tradicionais da nossa rica cultura. Estou actualmente a fazer uma pesquisa antropológica, de outras culturas e línguas tradicionais de povos africanos, para continuar a compor músicas de outros países do continente. Já tenho os temas de todas elas elaboradas em línguas inglesa e francesa, para facilitar a tradução. Está a funcionar porque já tenho alguns temas.

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