"Eu sei que a intenção grande deste consórcio é o transporte de minério, mas eu tenho, ao longo do tempo, abordado o Corredor do Lobito numa outra perspectiva e essa perspectiva não empata esta", disse Ana Duarte em declarações à agência Lusa.
A investigadora é colaboradora do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada de Angola, núcleo de Benguela, e coautora do artigo "A reabilitação do Caminho de Ferro de Benguela e a reactivação do Corredor do Lobito", juntamente com Regina Santos, que integra o livro "Africa's Railway Renaissance: The Role and Impact of China" (O renascimento do caminho-de-ferro africano. O papel e impacto da China), publicado em Julho deste ano.
A concessão do corredor do Lobito foi entregue à LAR - Lobito Atlantic Railway, empresa constituída pela suíça Trafigura, pela portuguesa Mota-Engil Engenharia e Construção África SA, e pela belga Vecturis SA, um investimento de 455 milhões de dólares.
Segundo a académica, "há espaço para as duas coisas, ou seja, nem o transporte de minério implica que não se transportem passageiros e outras mercadorias, nem o transporte de passageiros e mercadorias implica que se exclua o transporte de minério".
"O que eu lamento é que haja interesse ou investimento estrangeiro, que se concentra no transporte do minério, e que eles próprios não tenham uma solução, ou que tenham deixado essa solução para o CFB [Caminho-de-Ferro de Benguela], como que não fosse tão importante, em termos de transporte de passageiros e de mercadorias", referiu.
Ana Duarte realça que o CFB, desde que retomou a circulação para a zona do interior, tem sido um meio de transporte e um meio de subsistência para aquelas comunidades que vivem ao longo da linha.
"E essas dinâmicas, que foram sendo criadas de uma forma quase que espontânea e autónoma, poderiam ser exponenciadas e poderiam ter efeitos multiplicadores, que podiam ser mais bem aproveitados se houvesse uma política que as considerasse e que criasse condições para que elas se desenvolvessem", sublinhou.
A investigadora lamentou que "não haja uma consciência - pelo menos publicamente", de que o transporte de minérios pode implicar que futuramente não haja "implicação nenhuma em termos de economia local, porque um país só é melhor se tiver menos um pobre e não se tiver mais um rico".
A docente universitária receia que a falta de sinergias crie divisão e não traga resultados positivos, podendo ser criado o "efeito túnel", porque não são as mesmas entidades que vão explorar estas duas vertentes.
Ana Duarte sublinhou que Angola vai fazer o transporte de cobre, um "minério que nem sequer está em Angola", receando que se crie a dependência deste produto, como o que acontece com o petróleo, gerando "uma economia de enclave com muito pouco impacto a outros níveis, em particular, a nível social".
"Eu receio que assim seja também", disse, questionando até que ponto é que o Corredor do Lobito, tal como outros que existem na África subsaariana, "pode ser um corredor agrícola".
"Ou seja, porque é que estas empresas, que investem fortemente na criação de condições de infraestruturas e logísticas para o transporte e exportação do minério, também não podem fazer isso em termos agrícolas? Porque o corredor atravessa zonas com enorme potencial agrícola", acrescentou.
De acordo com a investigadora, nos dias de hoje o comboio é o melhor meio de transporte por questões ambientais, o mais indicado para transportar grandes quantidades, "mas não vejo esta afirmação pública desta necessidade dupla".
O Corredor do Lobito abrange o Porto do Lobito, o terminal mineiro e o CFB, que se estende por mais de 1300 quilómetros, da província de Benguela ao Luau, província do Moxico, continuando com mais 400 quilómetros na RDCongo até Kolwezi, o coração da área mineira conhecida como Copperbelt, estando directamente ligado à rede ferroviária administrada pela Sociedade Ferroviária Nacional do Congo (SNCC).