A presidência angolana da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) chega ao fim no próximo Domingo, quando passar o testemunho a São Tomé e Príncipe, na XIV cimeira de Chefes de Estado e de Governo da organização.
Foram dois anos de direcção política de uma organização de nove Estados, que representa cerca de 270 milhões de pessoas, e de que ressalta o Acordo de Mobilidade, aprovado na XII cimeira, em Julho de 2021, em Luanda e que resultou de uma proposta da presidência de Cabo Verde.
Aprovado pelos nove Estados-membros e ratificado em 15 meses por todos, até agora, apenas Portugal, Cabo Verde e Moçambique já estão a aplicá-lo na ordem interna.
Para o analista angolano Cláudio Silva, "a CPLP luta um pouco para ser relevante, para continuar a ser relevante. A sociedade demora a ver os benefícios dessas políticas e tem alguma dificuldade em ver quão útil é o órgão em si".
Elegendo a questão da mobilidade como a mais importante que emergiu da cimeira de Luanda, Cláudio Silva acrescenta que se trata de um "desafio" mas conclui que "esperava um pouco mais da presidência angolana e da CPLP em geral, no seu todo".
"Não importa quem é o país que preside. Eu gostaria de ver algo muito mais concreto nas políticas da CPLP que tenham um impacto directo na vida dos cidadãos desses países", frisa.
Vasco Martins, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, é de opinião que Angola deveria "ter uma sensibilidade acrescida" em relação à mobilidade.
"Sei, por exemplo, de colegas angolanos, amigos e amigas angolanos para virem para Portugal têm períodos de seis, sete, oito meses para pedir visto. Visto este que depois de pago, paga a taxa e depois da reunião e submissão dos documentos pode simplesmente nem ser emitido", exemplificou.
"Portanto não me parece que em termos de mobilidade se tenha avançado", acrescentou, destacando que o ideal seria a "total supressão de vistos (...) e isso não foi conseguido".
O combate à falta de relevância e de notoriedade da CPLP são outras lacunas apontadas pelos dois analistas à presidência angolana.
"Ouvimos muitas declarações, mas no terreno o cidadão comum vê uma ausência da CPLP", sintetiza Cláudio Silva, defendendo que a CPLP "tem que fazer sentido e tem que fazer acções concretas para o melhoramento das vidas dos cidadãos de países membros".
A alternativa é "correr o risco de ficar cada vez mais irrelevante para a sociedade", sintetiza.
Questionado se esse risco decorre das políticas aplicadas pela CPLP ou da falta de conhecimento do lado das sociedades civis, o analista angolano responde que as duas hipóteses "se alimentam uma à outra".
"Eu acho que é um pouco das duas duas, com políticas mais concretas e que tenham um benefício directo na vida dos cidadãos, que até poderia ser mais conhecida. Uma alimenta a outra. A falta de conhecimento de grande parte do público sobre as políticas da CPLP são um resultado directo da falta de actividade da própria, da falta de acções concretas", explicou.
Vasco Martins interpreta a irrelevância que não foi desfeita com as agendas de cada país que, no caso de Angola, considera uma evidência.
"Se a CPLP tem ou não sido uma força qualitativamente e quantitativamente bem-sucedida, provavelmente, olhando para a economia angolana, poderia dizer que não. Não parece ter sido", afirmou.
"Para Angola interessa a ideia de criar um ambiente de negócios que é uma expressão comum no léxico político angolano, a ideia de criar um bom ambiente de negócios para atrair investimento estrangeiro", avançou.
A agenda de Angola não muda há décadas, independentemente da organização em que o país está integrado, e passa pela execução da "ideia de atrair investimento estrangeiro, criar um bom ambiente de negócios, seja lá isso o que for, em boa verdade".
Quanto à questão do conhecimento que as sociedades civis têm da CPLP, nomeadamente a angolana, Vasco Martins questiona o relacionamento que o Estado angolano mantém com a sua própria sociedade civil.
"Primeiro temos que perceber o que é que Angola, enquanto Estado, faz pela sua própria sociedade civil. E aí parece-me que há vários problemas genéricos, não apenas de alguma censura política ou de alguma insensibilidade política, mas parece-me que, até para além da componente histórica de não haver este tipo de abertura, não há uma grande preparação democrática naquilo que é a comunicação do Estado, enquanto agente que engloba uma população e que tem que comunicar", defendeu.