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Fora de Luanda, debaixo de árvores ou em escolas, o voto ainda é desafio

Caminhos de terra batida, falta de acessos, problemas nos registos e uma ignorância grande sobre os procedimentos são os desafios das eleições gerais desta Quarta-feira em Angola fora dos grandes centros urbanos.

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"São quase tantos os casos de pessoas que não conseguem votar como aqueles que votam", diz um elemento junto à assembleia de voto em Duapandula, depois de mais um eleitor ter procurado, erradamente, votar naquela mesa, debaixo de uma árvore.

Pouco antes, uma mulher que vive na comunidade queria votar, mas o seu registo ainda era no Bié, a 720 quilómetros. "Para votar hoje, nem voando", brinca outro membro da assembleia de voto.

A mulher, já idosa, encolhe os ombros e sai, acompanhada pela filha, que vai votar noutro local. Vive na zona há 12 anos, vinda do Sul, e nunca actualizou a sua morada.

Em Duapandula, no meio de um caminho de terra batida no interior da província do Bengo, a norte de Luanda, há 13 delegados e quatro membros da assembleia de voto e só votaram, pelas 14h00, debaixo da árvore larga que dá sombra à urna, 152 eleitores dos 288 registados.

"Somos mais delegados [partidários] do que votantes", diz, sorrindo, o representante da Convergência Ampla de Salvação de Angola – Coligação Eleitoral (CASA-CE).

Emanuel Pires, presidente da Assembleia de voto, concorda. "Os partidos redobraram os esforços e estão cada vez mais rijos, com mais gente. Treze delegados é muito".

Junto à mesa, estão os fiscais alinhados, com dois representantes de cinco partidos, ao contrário do que estabelece o regulamento que exige apenas um dos elementos, ou o efectivo ou o suplente. Mas em Duapandula estão todos, sob a sombra da árvore que os locais chamam de "Pau de Picos".

A alguns quilómetros dali, em Saricos, uma aldeia piscatória, Leopoldina Panga é a presidente da assembleia 2856 e diz que os problemas registados são poucos. A assembleia tem as listas afixadas à porta da escola porque não recebeu computadores da Comissão Nacional Eleitoral e são poucos os que procuram ainda votar ao final da manhã.

Mas esse não é o caso de Bernardo, 23 anos, que quer votar pela primeira vez e não consegue. Chegou à escola de Saricos e, afinal, o seu local de voto é a duas horas de caminho a pé. "Já não vou, não tenho mota. Vou desistir da mudança", desabafa, desalentado, Bernardo, de t-shirt desbotada do Borussia de Dortmund.

Mais insistente é António Miguel em Duapandula. Já pagou 600 kwanzas a moto táxis para encontrar a sua mesa de voto. "Ainda não é aqui, é mais longe. Tenho de votar, é uma obrigação e uma responsabilidade", diz, terminando de modo pausado, como que ditando para o jornalista a importância do dia de hoje.

Duapandula significa na língua nativa umbundu "obrigado" e Missena Azul, 30 anos, agradece também o direito ao voto, que conseguiu exercer.

"Já venho lá de Panguila, lá longe. Mas vim de carro, fui descendo, descendo, até encontrar o meu sítio e estou aqui", diz, vestida de azul, Missena Azul. Antes, confrontada com quem a queria fotografar no momento do voto, mostrou-se incomodada.

"Não sem a minha peruca. Sem ela não". E o plenário da mesa lá aceitou que ela interrompesse o voto para ir ao carro buscar o cabelo comprido de tranças negras.

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