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Fat Soldiers: “Temos que fazer chegar às pessoas a mensagem que cantamos”

Fat Soldiers, o grupo de rap formado por M.P., Timomy, e Soldier V, admite que cada projecto é um reflexo das suas vivências. Recordam o tema “ Retratos de um Gueto” com especial carinho, pois foi a primeira letra que escreveram, e por retractar situações vividas pelos próprios. “As pessoas precisam de ouvir a mensagem que trazemos nas músicas”, e para isso, distribuíram o seu trabalho, gratuitamente, pelos bairros de Luanda. Estrearam-se na música em 2010, e desde aí já lançaram três mixtapes, “Mentes de Rua”, “Versos Negros” e “Sobreviventes”, e um EP, “Código Explícito”. Neste momento, estão a trabalhar num novo projecto, “Sacrifício”.

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Qual a história do grupo? Como surgiu? É composto por quem?

Começamos de forma espontânea, a fazer freestyle, fruto da influência do programa de rap “Big Show Cidade”, e quando demos por nós já estávamos a compor a nossa primeira música. A seguir, marcámos oficialmente a nossa estreia no panorama do rap nacional, em 2010, com o lançamento da mixtape "Mentes de Rua", despertando assim o interesse dos amantes de rap.

Reafirmámos a nossa presença no movimento, com o lançamento da nossa segunda obra, a que chamamos “Versos Negros”, tendo nesse período lançado dois videoclipes, e participado em vários concertos, com ilustres nomes do hip-hop angolano. Em 2014, a convite do CEO do site cenasquecurto.net, participámos do projecto “#10 Conhecidos”, do mesmo site onde lançamos o EP "Código Explícito".

Dão voz ao grupo três elementos, nomeadamente, M.P, Timomy e Soldier V, mas a equipa é muito mais extensa, fazendo parte dela o Ac, Lávio, Pastrana e Isack, que têm dado um contributo muito grande, em todas as empreitadas do grupo. Tornámo-nos notabilizados pelo conteúdo interventivo das nossas letras, caracterizadas, principalmente, por retractarem a realidade suburbana, bem como pelo teor político que as mesmas abordam. E também pela arte que trazemos aos videoclipes, tudo fruto de um grande trabalho de equipa.

Como surgiu o gosto pela música?

O gosto pela música surgiu de forma diferente para cada um de nós. Para o M.P. (Daniel), ouvia o pai a cantar todos os dias, em particular nas tardes de Sábado, e notava que as musicas que o pai cantava, traziam sempre uma mensagem transformadora. Foi assim que o M.P. transportou isso para o rap. Quanto ao Soldier V (Vanderson), a situação foi ligeiramente diferente pois, sempre foi um bom ouvinte, e cresceu a ouvir todos os estilos de música. O pai era DJ e deu-lhe a possibilidade de conhecer a música muito cedo. Já para Timomy, o gosto pela música surge quando entendeu que, através dela pode, transformar a realidade social em que estamos inseridos.

Quem são os vossos ídolos? E as vossas referências?

A nível da música, temos como exemplos a seguir: Bob Marley, Paulo Flores, Luck Dube, David e Zé, e temos como referência as personagens da História, que mudaram o mundo pela positiva: acima de tudo, Jesus Cristo, e entre os mortais temos Malcom X, Luther King, Nito Alves, Steve Biko e Nelson Mandela.

Em 2010 lançaram o vosso primeiro projecto intitulado Mentes de Rua. O que sentiram quando o editaram?

Foi uma experiência muito boa. Sentimos que era necessário começar, de alguma forma, a pregar a mensagem que até hoje procuramos transmitir, a todos os que nos ouvem. Embora tenhamos editado de forma tímida, acreditámos no nosso potencial artístico, e na necessidade de levar ao conhecimento das pessoas aquilo que nos aflige.

Recentemente lançaram a vossa terceira mixtape, “Sobreviventes”, que conta com participações de artistas como Kid Mc e Nelo de Carvalho. De que forma as colaborações são enriquecedoras para o vosso trabalho e crescimento?

Na qualidade de artistas novos, no panorama musical angolano, é sempre importante a colaboração com outros artistas, principalmente quando se trata de artistas mais experientes, e que de certa forma partilham da mesma ideia que nós. Já agora, aproveitamos a oportunidade para mandar um abraço a estes artistas, e dizer que estamos abertos a colaborar com outros artistas, que precisarem também do nosso apoio.

Porque decidiram distribuir gratuitamente o vosso trabalho nos bairros de Luanda?

Neste momento, entendemos que antes de mais nada, e acima de tudo, temos que fazer chegar às pessoas a mensagem que cantamos. Por outro lado, por tratar-se de uma mensagem que não tem espaço nos meios de comunicação convencionais, e por ser uma mensagem frontal e realista, sentimos que precisamos de encontrar vias alternativas para alcançar as pessoas que precisam ouvir a mensagem que trazemos nas músicas.

Até agora como tem sido a aceitação do vosso trabalho pelo público?

A aceitação tem sido boa... A cada dia que passa, multiplica-se o número de pessoas que gostam do nosso trabalho, e de facto, essa é a grande motivação que nos faz entender e termos a certeza que estamos no caminho certo, e que um dia chegaremos à vitória.

Falem-me um pouco sobre os nomes dos vossos trabalhos... Pretendem passar alguma mensagem?

No conceito de cada projecto que lançamos, está subjacente o momento espiritual que atravessámos e com isso, pretendemos, sim, passar uma mensagem. Neste sentido, o “Mentes de Rua” resultou do que aprendemos, o que vivemos e sentimos na rua, sem o formalismo das escolas. Tudo isso resultou num pensamento livre, que procurámos transmitir com uma linguagem simples e perceptível.

No “Versos Negros”, trazemos o estado espiritual que na altura o grupo passava, pois, o pai de dois integrantes do grupo (Timomy e MP) faleceu naquele período, por falta de insulina nos hospitais públicos de Luanda, e as clínicas cobravam valores exorbitantes para o internamento do paciente. Vimo-nos impotentes... O pai a morrer-lhe nos braços, na porta do Hospital do Prenda... Toda essa onda de tristeza levou-nos a escrever o “Versos Negros” e, de certa forma, ajudou-nos a superar aquele momento triste.

No “Código Explicito”, colocámos na mesma balança os problemas e as soluções, e chegamos à conclusão que as pessoas sabem quais são as soluções para os problemas da nossa sociedade, mas preferem manter-se inertes e ignorar, e continuarem no sofrimento. A capa do projecto é bem ilustrativa, e traz nela um código de barras, onde é explícito o epicentro dos problemas em Angola.

O conceito “Sobreviventes” nasce da realidade social que sempre vivemos. Onde, diariamente, os olhos da mente radiografam o desespero, a substituir a esperança, de quem espera há quase 40 anos... Parece ter enviado o recado, de que sempre será cada um por si, e todos por ninguém. Este projecto, é uma clara ilustração da realidade nua, onde as suas partes mais íntimas serão, sublimemente, reveladas em cada faixa. É um exercício artístico, mas sobretudo humano, pois diante dos atropelos à nossa existência, ao descalabro de ser tratado com tanta incomplacência, parece que a dignidade humana foi substituída por valores alheios, que a lógica da realidade desconhece. E hoje, estamos reduzidos a passageiros num barco, em pleno naufrágio, onde sobreviver é um raio de sol, que rasga as sombras do medo e do caos social. Portanto, sobreviver é o que resta diante das atrocidades que vivemos. É imperativo existir. Sobreviventes, é a palavra que defini e absorve todas as características do nosso modo de vida, que já parece a jovem incomplacente que perdeu o senso do ridículo.

As três mixtapes surgem sobre diferentes influências e inspirações? Quais?

As nossas mixtapes, apesar da ligeira diferença entre elas, na verdade, todas foram motivadas por um denominador comum, que é a realidade sociopolítica que vivemos. Neste sentido, por sermos residentes do subúrbio, entendemos que ninguém melhor do que nós para relatar os nossos problemas, e sugerir as soluções viáveis, para resolução destes problemas. Portanto, o que nos tem influenciado a compor as nossas letras, é o desejo de mudança da realidade social do país.

De todos os temas qual é o que tem mais significado para vocês? Porquê?

Por sermos três rappers, naturalmente cada um tem o seu tema preferido. No entanto, tem um significado especial para todos o tema “Retratos de um Gueto”. Foi a primeira letra que escrevemos para o projecto “Mentes de Rua”, e por abordar situações que vivemos no nosso bairro.

Para quando um concerto individual do grupo?

Nesta fase, não temos ainda o concerto do grupo como principal prioridade. Estamos a expandir a nossa mensagem, e apesar da grande adesão que temos tido, não existe ainda uma estrutura financeira para realização de um concerto. No entanto, estamos à espera do momento certo para propor aos apreciadores das nossas músicas um concerto do grupo.

Quais os projectos para o futuro?

O nosso grande objectivo artístico é lançar um álbum discográfico. Enquanto isto não acontece, temos muitas músicas gravadas para lançar. Estamos a trabalhar na próxima mixtape, intitulada “Sacrifício”, e esperamos com ela atingir mais pessoas, e contribuir para a construção do novo angolano.

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