O cenário de dezenas de embarcações paralisadas é visível na conhecida praia da Mabunda, distrito urbano da Samba, em Luanda, onde as poucas que se fazem ao mar dizem ter duplicado os gastos e encarecido o pescado para compensar a actividade.
São poucas as embarcações de pesca que resistem ao actual preço da gasolina, cujo litro custa desde 2 de Junho 300 kwanzas quase o dobro dos 160 kwanzas anteriores, referem os operadores do sector, temendo o desemprego de muitos.
"Está complicado, porque temos chatas grandes no mar e, antigamente, levavam quatro ou cinco bidões de 200 litros e agora está complicado, então tem de reduzir os bidões. Só ontem para hoje o combustível de quatro bidões, quase bateu 400.000 kwanzas", disse Cláudio José.
O responsável de uma das embarcações ainda em actividade na Mabunda deu conta de que está agora a ter o dobro do custo só em combustível, em comparação com o período anterior, tendo criticado a medida das autoridades e a falta de cartões subvencionados, que permitem a determinadas classes profissionais abastecerem-se pagando o preço anterior.
"A venda do pescado subiu um pouco, mas quando tem muita produção, o preço mantém como o anterior. Esta medida não veio em boa hora porque complica mesmo o trabalho", referiu ainda Cláudio José, há ano e meio na actividade.
O Governo anunciou a retirada gradual de subsídios à gasolina, mantendo a subvenção aos taxistas, mototaxistas e ao sector agrícola e pesqueiro, prometendo cartões subvencionados aos operadores.
Os cartões subsidiados pelo Estado "nunca" chegaram aos pescadores da Mabunda, contou à Lusa António Miguel, 38 anos, dando conta que a actividade ficou "complicada" com subida do preço.
"Nós que temos embarcação, temos a licença e estamos à espera do cartão (subvencionado), porque diziam que seria acesso directo, mas até agora não temos nada", lamentou.
Há 20 anos na actividade, o pescador falou também dos impactos negativos do aumento do preço da gasolina para a mobilidade das embarcações, referindo que está agora a comprar 112 litros por 333.600 kwanzas para a sua pequena embarcação.
Por outro lado, o preço do pescado está condicionado à oferta existente, disse, lamentando ainda as dificuldades de muitos colegas para manterem as embarcações em actividade.
"Isso está a afectar mesmo muito, porque algumas (embarcações) depois da subida do combustível não estão a conseguir sair, nem todo o mundo tem a mesma condição para fazer sair a embarcação", apontou.
Nuno Gomes, armador de pesca naquela zona costeira de Luanda, criticou a medida das autoridades referindo que o consumidor final do pescado está também a pagar por isso gastando agora 5000 kwanzas para a compra de cinco peixes-espadas contra os anteriores 2500 kwanzas pela mesma quantidade.
O armador, com mais de 10 anos de actividade, falou igualmente das consequências negativas: "Uns estão a conseguir resistir e outros estão a parar devido à esta medida que o governo adoptou".
"Penso que o Governo, antes de fazer subir o combustível deveria nos fornecer os cartões, eles dizem que teríamos direito aos cartões, mas o combustível subiu no dia 2 e hoje são 21 e, até ao momento, nada se diz acerca dos cartões", criticou.
A pagar o litro de gasolina no valor de 300 kwanzas, Nuno disse que "não tem como o peixe ser vendido barato" e já muitos desistiram de trabalhar.
"Sim, muitos estão parados e isso também se reflecte na sociedade, o nível da criminalidade aqui neste bairro da Mabunda aumentou, há muito roubo de peixe e a situação está mesmo péssima", atirou.
A falta de cartões subvencionados para os pescadores da Mabunda foi também criticada por Sebastião Francisco, pescador de 67 anos, considerando que as "promessas" das autoridades não passaram disso mesmo.
"O dia-a-dia agora mesmo está mal, porque o bidon que se comprava a 10.000 kwanzas agora está a 15.000 kwanzas (50 litros) e eles prometeram os cartões, mas até hoje não vemos os cartões. Deram apenas a duas pessoas como propaganda", notou.
Sebastião Francisco, que diz ter entrado na actividade ainda na infância, referiu-se também à situação difícil porque passam actualmente os pescadores, assinalando que "muitas embarcações estão hoje paradas".
"Já não conseguem comprar o combustível e quando conseguem algum peixe nem compensa os gastos da actividade", atirou.
À beira-mar, a procura por peixe na Mabunda, sobretudo da parte de particulares e até de "zungueiras" (vendedoras ambulantes) é intensa.
Após a compra do peixe, e com o suporte de alguns jovens que aí operam, muitos tratam aí mesmo do pescado, sem qualquer condição de higiene e segurança, fazendo da Mabunda uma enorme praça de lixo.