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Jamba, a irmã que conta quilómetros para ajudar refugiados congoleses no Dundo

Nas mãos da irmã Maria Jamba, a já ‘cansada' Toyota Hillux da Cáritas do Dundo percorre centenas de quilómetros diariamente, apoiando os refugiados congoleses, mas a única viatura da instituição já não chega para tanta "ginástica".

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O dia habitual da directora da Cáritas diocesana da Lunda Norte, província do leste, que não para de receber refugiados em fuga às milícias na vizinha República Democrática do Congo (RDCongo), começa com os primeiros raios de luz, pelas 05h30, e implica horas e "muitos quilómetros" ao volante.

Vai ao mercado comprar alimentos, leva-os à cozinha da casa onde um grupo de mulheres da terra prepara 35 a 40 refeições por dia para os refugiados internados nos quatro hospitais do Dundo.

Depois volta para garantir a distribuição. "Cada dia são duas senhoras a fazer a comida toda. Na outra semana vêm outras, porque o trabalho é cansativo e tudo é voluntário", explica.

"Por vezes, eu nem tenho tempo para almoçar", confessa à Lusa Maria Jamba, da congregação das Missionárias Dominicanas do Rosário, de 54 anos e desde 2015 a liderar também a Cáritas da Lunda Norte.

Desde Abril que não tem mãos a medir com o apoio aos refugiados, distribuindo também roupas e outros alimentos nos dois centros provisórios a funcionar no Dundo.

"É uma coisa que nos apanhou de surpresa, não estávamos preparados para um número tão grande, mais de 30.000 pessoas, a chegarem de repente. Não tínhamos stock para tudo", conta.

Confrontada com a vaga de refugiados e os relatos de violência extrema por parte das milícias de Kamwina Nsapu, do outro lado da fronteira, a população do Dundo doou à Cáritas, nas últimas semanas, roupas e comida, avaliadas em 600.000 kwanzas, cuja distribuição pelos centros de Cacanda e Mussungue está a cargo da irmã Jamba.

Além disso, uma recolha de donativos em Luanda fez chegar ao Dundo dois milhões de kwanzas, dinheiro que aquela missionária utiliza para comprar a comida preparada por outras mulheres, mas também medicamentos.

Por semana, precisa de 300.000 kwanzas só para a comida que depois distribui pelos hospitais, aos refugiados, alguns dos quais caminharam vários dias, feridos, até chegarem a Angola.

"Medicamentos não temos, mas quando nos deparamos com essas situações fazemos ginástica, compramos medicamento para auxiliar o refugiado doente. Porque os nossos hospitais não têm nem um bocadinho de medicamentos e as cozinhas também estão fechadas, porque não têm alimentação. Então, compramos o medicamento para os enfermeiros administrarem", conta.

Entretanto, as preocupações da irmã Jamba são ainda mais imediatas e relacionam-se com o transporte. Para tanto trabalho, a Cáritas só tem uma Toyota Hillux e apenas durante uma manhã. Antes de falar com a Lusa, já tinha feito três viagens para preparar as refeições, em pontos diferentes da província.

"Já está velhinha, precisa de vez em quando de manutenções. Mas o volume de actividade que agora nos exige não chega um único meio. É o mesmo que vai transportar a comida para levar para o hospital, que vai às compras. Se tiver outra actividade da Cáritas, então ficamos de mãos cruzadas, sem poder fazer nada", conta.

Nesta tarefa, a Cáritas conta com o apoio de vários outros voluntários, como no apoio à confecção e distribuição das refeições quentes.

É o caso de Manuel Floriano, de 24 anos, estudante à noite e no apoio aos refugiados congoleses durante o dia. "Ver crianças de meses sem braços, feridas na cabeça, foi o que mais me chocou. Nunca imaginei isso", diz à Lusa.

Garante mesmo que o povo do Dundo vai continuar a ajudar os refugiados, até por se recordarem de quando foram os angolanos a refugiarem-se na RDCongo, durante a guerra civil.

"É só ajudar, sem problema", atira, orgulhoso, antes de voltar a carregar a carrinha da irmã Jamba com três marmitas de comida.

O bispo da Lunda Norte, Estanislau Tchidekasse, explica à Lusa que desde a Páscoa, em Abril, que recebe alertas das cinco dioceses congolesas vizinhas sobre actos de violência contra a Igreja Católica - com templos queimados e sacados - e populações, por parte das milícias, desencadeando um fluxo de refugiados que ainda hoje ronda os 300 a 500 por dia.

"Isto apanhou-nos desprevenidos, nem a Igreja, nem o Governo, podia atendê-los. Mobilizámos as paróquias para esse apoio, mas a diocese do Dundo é pequena e fomos ultrapassadas pelas necessidades que havia e por isso lançámos um apelo nacional", explica o bispo.

Preocupado também com as implicações locais deste fluxo, para uma província que partilha 770 quilómetros com a RDCongo e que dista quase um dia de viagem, por estrada, de Luanda, Estanislau Tchidekasse alerta para a possibilidade de esgotamento das soluções locais.

"Isto [apoio da população do Dundo] surpreende positivamente, mas é preciso que não se sobrecarregue demasiado as pessoas. Um mês, dois meses, mas que não se prolongue por muito mais tempo, para termos modos e maneiras de ajudar os refugiados sem sobrecarregar desmaiado os locais", conclui.

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