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Defesa

Refugiados da RDCongo tentam sobreviver num Dundo sobrelotado

A cidade do Dundo, no extremo leste do país, viu a população praticamente duplicar desde Abril, com a chegada dos refugiados congoleses, que esgotaram a capacidade dos dois centros temporários criados e onde mais de 30.000 tentam sobreviver.

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A 1200 quilómetros de Luanda, ou uma viagem de pelo menos 12 horas por estrada, tudo é distante para o Dundo, na Lunda Norte, uma das poucas províncias sem aeroporto para voos domésticos.

A chegada da ajuda humanitária é por isso dificultada, como explicou à Lusa, no centro de acolhimento temporário de refugiados de Cacanda, um dos responsáveis da missão que o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem no terreno.

"A maior parte das coisas chegam a Luanda, mesmo a comida para os refugiados, e logisticamente tem sido complicado", refere João Sobral, reconhecendo as "necessidades enormes" que os dois centros já enfrentam.

Só em Cacanda estão oficialmente 13.000 refugiados, numa área antes utilizada para feiras e exposições de empresas agora tomada por dezenas de tendas e de fogueiras em que se tenta cozinhar numa pequena panela algo que alimente várias famílias e um misto de pessoas que vagueiam sem propósito no seu interior.

O centro funciona em regime de "livre movimento", pelo que muitos refugiados optam por sair e tentar a sorte fora, nomeadamente junto de familiares que também têm no Dundo.

A chegada dos refugiados da vizinha República Democrática do Congo (RDCongo), a um ritmo muitas vezes de mais de mil por dia em fuga à violência das milícias e aos combates com as forças leais ao Governo congolês, fez alterar algumas rotinas no Dundo.

A cidade, praticamente com a mesma arquitectura do tempo colonial e que se desenvolve a partir da avenida central que a cruza de ponta a ponta, fica praticamente entre os dois centros de acolhimento construídos e há uma constante passagem de refugiados.

Ainda actualmente estão a chegar ao Dundo, diariamente, segundo o ACNUR, 300 a 500 refugiados congoleses.

À chegada, após caminharem durante dias, recebem, quando disponível, uma tenda, um cobertor e ração para 30 dias, fornecidos pelo Programa Alimentar Mundial e distribuídos pelo ACNUR em função do registo biométrico de cada família, constituída por farinha, feijão, sal e óleo.

E enquanto no interior dos dois centros apenas o riso das inalteradas brincadeiras de milhares de crianças dá um ar de normalidade, no exterior a realidade não é melhor. Por estes dias sem electricidade da rede no Dundo, o preço do combustível, que simplesmente não chega de Luanda aos três postos oficiais, também aumentou no mercado paralelo.

Chega a 225 kwanzas por litro de gasóleo, quando o preço tabelado e oficial no país é de 135 kwanzas.

"É o que a máquina diz, chefe", afirma, atarefado com os restantes clientes, um destes vendedores, de calculadora na mão. Acaba de atestar o depósito de um cliente e a conta chega quase aos 16.000 kwanzas.

Enquanto isso, no interior dos centros de Cacanda e Mussungue, percebe-se que os refugiados chegam sem os mesmos ferimentos e até mutilações da fase inicial, procurando agora segurança e alimento em Angola.

"Será bastante importante fazer toda a parte de tratamento psicológico. Viram coisas impensáveis para nós", reconhece João Sobral, do ACNUR.

Entre os dois centros e nos hospitais locais, apoiam esta operação quase 40 profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), realizando 300 consultas por dia.

"Mais tem que ser feito por outras organizações competentes nos diversos domínios que estão no campo de refugiados e tem que ser feito rápido. Já estamos aqui há quase dois meses e as condições dadas aos refugiados ainda estão longe do óptimo e tem que se trabalhar muito mais, da parte de vários sectores", afirma, em declarações à Lusa o chefe da Missão da MSF em Angola.

João Martins diz que os dois centros “estão cheios" e que não conseguem garantir o requisito de 15 litros de água diários, para consumo por pessoa.

A recuperação psicológica de traumas como a decapitação generalizada a que assistiram estes refugiados na RDCongo, a situações de violações e abusos sexuais, além da subnutrição das crianças, preocupam a MSF nesta fase, além da qualidade da água e do saneamento.

"Está muito complicado, as pessoas chegam muito vulneráveis, tanto em termos de saúde física, mas em termos psicológicos também", conta.

Entre os mais de 30.000 refugiados oficialmente contabilizados, cerca de 12.000 são crianças, pelo que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) levou para o campo o chamado "Espaço amigo das crianças".

Serve igualmente para despistar casos de subnutrição das crianças, um dos maiores problemas.

"É um espaço que acolhe diariamente perto de 200 crianças, de várias idades, onde lhes é prestada uma assistência do ponto de vista de actividade recreativas, lúdicas, educativas informais. E também mensagens sobre higiene, água e saneamento", explica Teófilo Kaingona, que coordena a equipa de resposta da UNICEF no Dundo.

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