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Miguel Vieira, o Ironman angolano: “Aprendi que só é impossível aquilo que queiramos que seja impossível”

O Ironman é um triatlo, uma combinação de três modalidades, do qual fazem parte 3800 metros de natação, seguidos de 180 quilómetros de ciclismo, acabando com uma maratona de 42 quilómetros. A prova é considerada a mais difícil do mundo, e somente 0,01 por cento dos competidores conseguiu, alguma vez, acabar uma destas corridas. Miguel Ângelo Vieira, o único angolano que conseguiu a classificação para o Mundial de Ironman 70.3 no Canadá, espera não desapontar os fãs angolanos e repetir a proeza, desta vez no Havai.

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Quando surgiu a paixão pelo desporto?

Sempre fui amante do desporto desde pequeno. O meu pai jogou basquetebol no Vila Clotilde e foi campeão nacional. Desde pequenos que vivemos o desporto em casa, tanto a minha irmã como eu.

Porque escolheu o Ironman?

O Ironman é um triatlo de longa duração. Eu comecei pelos mais curtos para experimentar e ver se conseguia aguentar o esforço que a distância Ironman exigia. Depois de três anos a competir em distâncias mais curtas, lancei-me ao Ironman e nunca mais voltei para trás. Considero-me um junkie do desporto de resistência e o mesmo faz parte da minha vida. Tenho sorte que a minha mulher também é louca pelo desporto e muitos Sábados, quando chego a casa, depois de seis horas de bicicleta, já a vejo preparado para sair e fazer os 20 quilómetros mandatórios do treino dela.

Como foi o seu percurso até chegar aqui?

Foi em Londres que conheci este desporto, o triatlo. Depois de vários anos com muitas horas no escritório, muito trabalho, e stress, pois abri a minha própria empresa dois anos depois de ter chegado a Londres, decidi fazer alguma coisa para perder um pouco de peso e ter uma vida mais activa outra vez.

Em Dezembro de 2009 estava no Mussulo com a minha mulher e filhas, e pesava cerca de 96 quilos. Depois das férias do Natal, decidi fazer alguma coisa para mudar o meu estilo de vida. Inscrevi-me no ginásio ao lado de casa, em Londres, mas nunca ia. Voltei a jogar ténis no clube do bairro, mas lesões antigas voltaram. Foi aí que comecei à procura de outro tipo de desporto, algum desporto para o qual eu tivesse que me inscrever, para uma competição, dentro de uns meses, e que me forçasse a treinar até à data da competição. Foi ai que tropecei com um blog de um triatleta, e vi as fotos de antes e depois que todos nós conhecemos. Continuei à procura de mais informação sobre este desporto, e vi outro, e outro e muitos mais blogs sobre o quão aditivo o desporto era, e todo o peso que as pessoas tinham perdido, ao praticar este desporto. Inscrevi-me assim para um triatlo, chamado Super Sprint, que é mesmo para principiantes, e tinha lugar numa piscina aquecida em Londres, com as distâncias de 425 metros de natação, 20 quilómetros de ciclismo, e 5 quilómetros de corrida. Ainda me lembro que nadei os 425 metros em 26 minutos sufocantes, parando cada 25 metros para respirar, coisa que com o tempo foi melhorando, e bastante. Ao acabar o primeiro triatlo senti automaticamente uma picada do mosquito triatlo, e inscrevi-me imediatamente para o meu seguinte triatlo, e assim sucessivamente. Durante o primeiro ano só fiz distâncias curtas, e no segundo ano lancei-me ao Meio Ironman, conhecido como distancia 70.3. Hoje, depois de mais de 30 triatlos depois, sinto que o triatlo mudou o meu estilo de vida, a minha personalidade, e a minha forma de ver as dificuldades do dia-a-dia.

Um Ironman são 3800 metros de natação em mar aberto, seguidos de 180 quilómetros de ciclismo, seguidos de 42,2 quilómetros de maratona, algo inconcebível para mim em 2010, ou qualquer ser humano hoje em dia. Neste trajecto aprendi que só é impossível aquilo que nós queiramos que seja impossível. É tudo uma questão de tempo, e pode ser que eu não seja o mais rápido, mas estarei entre os poucos que são capazes de começar uma prova destas, e entre os pouquíssimos que conseguem terminar a prova.

O Ironman é uma doença da qual é muito difícil curar, principalmente porque não nos queremos curar. Pertencer a um grupo selecto a nível mundial de 0,01 por cento da população capaz de terminar uma destas provas é um sentimento único.

Como e com que frequência são os treinos de um atleta de Ironman?

Os treinos são bastante exigentes, principalmente nos últimos três meses antes da competição, chegando muitas vezes a 25 a 30 horas de treino por semana. Qualquer atleta amador, apaixonado pelo desporto de resistência, estará de acordo comigo quando digo que temos que encaixar um treino, todos os dias, antes do trabalho. Dito isto, o meu alarme toca sempre às 04h45, para treinar das cinco às sete, antes de ajudar a minha mulher com as crianças e antes de elas irem para a escola. Nestas últimas semanas os meus treinos têm sido assim:

Segunda: 1h de natação, 1h de corrida suave e 1h15m de ginásio/core;

Terça: 2h de ciclismo e 1h de corrida na pista de atletismo (velocidade);

Quarta: 1h de natação e 2h30m de ciclismo;

Quinta: 2h de ciclismo e 1h30m de corrida suave;

Sexta: 1h de natação;

Sábado: 6h de ciclismo e 1h de corrida suave;

Domingo: 2h30m de corrida suave.

Tem algum ritual antes de uma competição? Como é a sua preparação?

Em teoria, não devemos mudar nada antes de um Ironman, e devemos manter as mesmas rotinas que temos normalmente, durante os meses anteriores. Temos que ter cuidado com a alimentação, subir os carbohidratos, para que os possamos armazenar no corpo para o dia da corrida, e ter a certeza que a bicicleta, neopreno e todos os itens necessários para corrida, estejam preparados para o dia da competição.

Já conseguiu a classificação para o Mundial do Havai?

Não, ainda não. Em Junho tenho a oportunidade de conseguir uma vaga, no Ironman da Áustria, dia 26, e portanto o objectivo é chegar fresco à Áustria. Kona, no arquipélago do Havai, é a meca do triatlo mundial. Todos os anos cerca de 2500 dos melhores triatletas Ironman do mundo participam no Mundial, e Angola nunca esteve presente. Eu vou levar Angola ao mundial de Kona, no Havai. Para conseguir classificação os atletas devem terminar entre o top seis a 10 do seu respectivo grupo de idade, em provas Ironman durante o ano. Existem mais de 35 provas Ironman pelo mundo, e todas elas têm cerca de 50 vagas para o mundial, que devem ser conquistadas pelos atletas participantes no evento. Por exemplo, eu tenho 38 anos e sou homem, e isso coloca-me no grupo de idade Homem 34-39 Anos. Todos os atletas dentro deste grupo, competem por estar entre os 10 primeiros para conseguir uma das dez vagas disponíveis. Cada evento Ironman tem cerca de 2500-3500 atletas, e os grupos de idade muitas vezes têm cerca de 600 atletas, todos eles a competirem pelas mesmas vagas para ir a Kona, Havai.

O que significará para o Miguel participar no campeonato mundial?

Significará o resultado de muitos anos de esforço, sacrifícios e treinos duros. Mas ainda não consegui a classificação.

Para si, o que significa o apoio do público e do povo angolano? E da família?

Saber que Angola me apoia neste projecto é um sentimento único e indescritível. Eu sempre competi e nunca divulguei resultados nem objectivos aos media, mas depois de muita pressão da minha irmã e meu cunhado lá lhes dei ouvidos e comecei a divulgar este projecto de forma mais aberta. O resultado tem sido espectacular e o apoio é incrível. Espero não defraudar e conseguir a classificação em 2016 ou 2017.

Gostaria de deixar alguma mensagem aos nossos leitores?

Eu sou pai, marido, trabalhador a tempo inteiro e consegui perder mais de 25 quilos, classificar-me para o Mundial de Meio Ironman, e agora estou a tentar a classificação para o mundial de Ironman. Sou uma pessoa normal, amigo dos meus amigos e não me considero nenhum super-homem. Se eu consegui, de certeza que os leitores também conseguem. Um estilo de vida saudável e desportivo pode mudar as vossas vidas, assim como mudou a minha.

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