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Fernando Pacheco: angolanos esperaram três meses para celebrar independência no pós-25 de Abril

As incertezas do pós-25 de Abril de 1974 levaram o engenheiro agrónomo Fernando Pacheco a celebrar a autodeterminação das então colónias portuguesas apenas três meses depois, quando António Spínola discursou e reconheceu o direito à independência.

: Expansão
Expansão  

Fernando Pacheco, hoje com 74 anos, viu festivos abraços de amigos portugueses a celebrarem nesse Abril a queda do regime colonial na então cidade de Nova Lisboa, hoje Huambo, mas apenas 'explodiu' de alegria a 27 de Julho de 1974 com a intervenção do presidente da Junta de Salvação Nacional (JSN).

Em entrevista à Lusa, o académico e engenheiro agrónomo reformado contou que foi com um casal português amigo, em Nova Lisboa, onde estava a terminar a formação superior, que tomou conhecimento da queda do regime colonial, "logo após o almoço".

A notícia da revolução chegou a sua casa por uma colega e foi confirmada por amigos portugueses, após sintonizarem a Rádio Cairo (serviço brasileiro de radiodifusão do Egipto).

"Aí tivemos a certeza de que, nessa madrugada, tinha havido um golpe de Estado em Portugal, que era o início da chamada Revolução de Abril", relatou.

Os dois portugueses, ligados a partidos de esquerda, "abraçaram-se muito, viram logo não só a melhoria da sua situação pessoal, mas também a possibilidade da melhoria da situação política", embora tivessem algum receio.

A queda do regime colonial português alimentou dúvidas, receios e incertezas sobre o futuro das colónias portuguesas, entre elas Angola, sobretudo porque o presidente da JSN (Governo provisório constituído por militares após o golpe de estado), general António Spínola, "não tinha boa imagem em relação ao futuro das colónias", considerou.

Pacheco, ex-quadro sénior do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), tem na sua biblioteca pessoal o livro de António Spínola "Portugal e o Futuro", que "abalou o regime", mas nunca o leu, "devido à velocidade dos acontecimentos".

"Estávamos de tal maneira envolvidos nas possíveis transformações que iriam acontecer em Angola que o livro ficou, digamos, nos pendentes e esses pendentes [duram] até hoje", justificou.

Com 25 anos à data, Fernando Pacheco lembrou que apenas festejou o 25 de Abril a 27 de Julho de 1974, três meses depois, em Benguela, "com alguns camaradas", após ouvirem o discurso do general Spínola, em que este reconhecia o "direito das colónias à autodeterminação e à independência".

Aí foi o momento dos abraços "de maneira idêntica à dos portugueses", que já se tinham abraçado no dia 25 de Abril, realçou, recordando que este "abraço inesquecível" aconteceu numa tarde de Sábado.

"Na altura do 25 de Abril ficámos satisfeitos, mas, digamos, com limitações, algumas restrições, porque não sabíamos bem o que ia acontecer. A partir do momento em que a declaração do general Spínola foi ouvida (...) nós pensámos que já não havia mais recuos e Angola ia ser independente", frisou.

"Esse foi um dos dias mais felizes da minha vida", assinalou o membro fundador da ONG angolana ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente) que é agora consultor, activista cívico e político e colaborador do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola.

MPLA, Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), que emergiu da UPA (União dos Povos de Angola), e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) lideraram a Luta Armada de Libertação Nacional contra o exército português.

Para o ex-director do departamento de política agrária do MPLA no período do partido único, as acções dos movimentos de libertação, em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau, desgastaram o regime português e concorreram também para a sua queda no 25 de Abril.

"O exército português desgastou-se muito, quer em termos humanos quer em termos materiais e financeiros", disse.

O antigo dirigente, actualmente crítico da situação social e económica do país, negou que o 25 de Abril tenha tirado o MPLA de um sufoco, devido ao alegado enfraquecimento deste movimento durante a luta de libertação.

"Nessa altura dizia-se que o MPLA estava muito fragilizado e que, se não fosse o 25 de Abril, seria derrotado pelas tropas portuguesas, ora isso é uma inverdade histórica, porque as guerras de libertação têm avanços e recuos", sustentou.

Reconheceu, no entanto, que o movimento estava a atravessar "um período muito difícil", fruto da aliança do Governo português com a África do Sul e com a então Rodésia do Sul, actual Zimbábue, para atingirem o Leste, espaço de guerrilha do MPLA.

"Falava-se apenas no enfraquecimento do MPLA, mas depois a história mostrou que a FNLA e a UNITA também estavam enfraquecidos", apontou.

Para Fernando Pacheco, a transição até à independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, "foi complexa, porque as coisas não aconteceram de uma forma linear (...). O Governo de transição [formado a 31 de Janeiro de 1975 com dirigentes portugueses e dos três movimentos de libertação] não funcionou".

"Cada um puxava a coisa para o seu lado (...), nenhum dos três movimentos pensava numa verdadeira partilha, cada um queria impor a sua razão. Eu era militante do MPLA e tenho que reconhecer isso, o MPLA também tinha a sua ideia de afastar os outros, por motivos ideológicos", rematou, enaltecendo o alcance da independência.

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