Os analistas ouvidos pela Lusa consideram que Angola, como país mediador do conflito tem "todas as condições" para acolher as delegações e entendem que o Presidente da República Democrática do Congo (RDCongo) deve mostrar comprometimento público para dialogar com o M23, mesmo que o encontro seja "bastante longo e difícil".
Este encontro "lança uma nova janela de oportunidades para a paz no leste da RDCongo, mas ainda assim será um encontro bastante longo, bastante difícil, porque as duas partes irão trazer pontos antagónicos e divergentes", afirmou esta Segunda-feira em declarações à Lusa o professor de relações internacionais, Osvaldo Mboco.
O académico considerou fundamental que o "tacto político" da diplomacia angolana funcione [no decurso desta ronda negocial] para "tentar equilibrar os diferentes pontos divergentes" que serão colocados por cima da mesa.
Tiago Armando, especialista em relações internacionais, considerou, por sua vez, existirem condições necessárias para o diálogo de Luanda, defendendo, no entanto, que um cessar-fogo dará maior sustentabilidade e consistência às negociações.
Defendeu que os canais diplomáticos entre o país mediador e as partes em conflito devem estar mais afinados, referindo que a "falta de comprometimento público de Félix Tshisekedi [o Presidente da RDCongo], constitui um problema processual" que deve ser ultrapassado para o sucesso das negociações.
"Desde o princípio Tshisekedi mostrou-se resistente em aceitar conversar com o M23" (Movimento 23 de Março), alegando que o movimento "não tinha legitimidade para negociar", referiu Tiago Armando à Lusa, lembrando que "a comunicação [sobre o encontro de Luanda] é feita directamente na página do Facebook da Presidência da República de Angola e apenas o porta-voz do governo congolês assumiu a negociação".
Luanda acolhe nesta Terça-feira, dia 18 de Março, "negociações directas" para a paz entre as autoridades da RDCongo e os rebeldes do M23, no âmbito da mediação de Angola do conflito, como anunciou a Presidência angolana em comunicado.
Para Osvaldo Mboco, o governo congolês vai para este encontro numa posição de fragilidade – numa altura em que o M23 vai tomando várias cidades e mostrando capacidade combativa superior à do exército regular da RDCongo – enquanto para o M23 traduz-se em "ganho da sua legitimação".
"Há um ganho significativo para o M23 de uma das reivindicações que tem estado a fazer nos últimos tempos, há também um ganho político e diplomático do Ruanda, que durante muito tempo entendeu que o M23 deve estar na mesa de negociações", notou.
Cedências entre as partes em conflitos foram defendidas pelos dois analistas angolanos, que acreditam que o encontro de Luanda deve traçar caminhos para o cessar-fogo, abertura de rotas humanitárias nas zonas afectadas e abordagem de questões profundas pelas partes.
"Espera-se que haja resultados positivos, que haja cessar-fogo (...) e repare que o M23 tem estado a dizer que não será possível pôr termo ao conflito se não discutir as questões de base ou as questões profundas relacionadas ao conflito como questões étnicas, de partilha de poder (que é de grande preocupação do Governo congolês)", salientou Tiago Armando.
Osvaldo Mboco sinalizou que "é ilusório" pensar-se que numa única ronda de negociações se encontrará a paz para a RDCongo, considerando, no entanto, que o mais importante "é que exista um comprometimento e que os actores primários estejam imbuídos no espírito de boa-fé".
Defendeu igualmente a inclusão do Ruanda nas próximas rondas de negociações, porque, justificou, "é do domínio público que o Ruanda tem estado a apoiar o M23 e com certeza que a posição que o M23 levará para a mesa de negociações é já concertada com o Ruanda".
A actividade armada do M23 – um grupo constituído principalmente por tutsis vítimas do genocídio ruandês de 1994 – recomeçou em Novembro de 2021 com ataques relâmpagos contra o exército governamental no Kivu Norte tendo avançado em várias frentes e fazendo temer uma possível guerra regional.