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Ex-líder da UNITA diz que em Angola as pessoas não se veem como angolanas e se identificam pela cor partidária

O ex-líder da União nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) Isaías Samakuva diz que no seu país as pessoas não se veem como angolanas e aprofundam a divisão identificando-se pela cor partidária.

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“Em Angola, as pessoas não se veem como angolanas. Identificam se pela cor partidária: ‘este é do MPLA, este é da UNITA’. Sobretudo esses dois. Eu gostaria que, antes de mais, nós atingíssemos uma fase em que nos olhássemos todos como angolanos primeiro”, defende.

Em Lisboa, onde apresentou o livro do jornalista Xavier de Figueiredo sobre o fundador da UNITA, Jonas Savimbi, a quem sucedeu após a morte deste em combate, em 2002, Samakuva lamenta também que em Angola as criticas ao Presidente da República sejam interpretadas como “uma declaração de guerra”.

“É minha convicção ainda até hoje que uma das questões essenciais que Angola precisa de ultrapassar é este relacionamento das pessoas”, reitera.

O país, que ascendeu à independência de Portugal em 11 de Novembro de 1975, e é desde então governado pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), atravessou longos períodos de guerra e os resquícios desses tempos, reconhece, perduram até hoje.

“Eu disse isso, repeti isso mesmo ao Presidente José Eduardo dos Santos e também ao Presidente actual [João Lourenço]. Quando eu falo, a primeira coisa que as pessoas estão a ver é o indivíduo da UNITA. Portanto, a posição dele não será boa para o MPLA. Quando eu estou a olhar para o país. E a experiência que a minha vida me deixou ainda consolidou esta convicção”, afirma.

“Num mundo onde haja competição política, os partidos são a única forma de congregar essas nossas vontades e direcioná-las para determinado fim. Portanto, os partidos não podem se ver como inimigos. As pessoas nos seus partidos não podem se ver como inimigos”, acrescenta.

Isaías Samakuva compara o que se passa nos países onde a democracia está institucionalizada e Angola.

“Enquanto nos partidos nos países claramente democráticos, portanto realmente democráticos, essa diversidade de opiniões, essas diferenças são vistas no quadro da luta política, em Angola já se fala em acção beligerante”, lamenta.

Portanto, “isso torna difícil o papel de um líder da oposição”, porque, explica, esse dirigente “muitas vezes é tido como até estando no bolso do regime, ou recebeu dinheiro e está comprado”.

“Nós temos de criticar. Mas a crítica também não precisa de ser feita com termos violentos. Não precisa de parecer confrontação. A crítica pode ser feita exatamente de forma construtiva. Nós podemos ser contundentes na crítica, mas com termos adequados que não firam susceptibilidades dos outros”, completa.

Quanto à situação actual, Samakuva acredita que a UNITA “hoje é vista, de facto, como uma alternativa ao poder”. 

Nada convencido com as vitórias do MPLA nas eleições multipartidárias, o ex-líder partidário diz que chegou a dar o benefício da dúvida a João Lourenço, que sucedeu a José Eduardo dos Santos, no início do seu primeiro mandato presidencial (2017-2022).

“Toda a gente encheu-se de esperança. Eu e a UNITA também”, recorda.

Samakuva reporta aos primeiros tempos de João Lourenço na Presidência, quando afrontou os interesses e negócios da família Dos Santos e recebeu activistas e representantes da sociedade civil, deixando no ar a ideia de ir imprimir uma nova forma de fazer política, combater a corrupção e interesses instalados no aparelho de poder.

“É a minha impressão que ele queria. Mas ele está inserido numa máquina que, até na minha avaliação e eu disse lhe isso na última conversa que tive com ele, eu senti que em determinada altura ele até ficou com receio, teve de se proteger a ele próprio, porque as mudanças das políticas que queria implementar tocaram em interesses muito poderosos do MPLA e do país. Então ele arriscava ali um golpe”, diz.

Sobre a solução para o país, Samakuva preconiza que é preciso experimentar a governação e a aplicação do programa da UNITA.

“Eu tenho dito que [os angolanos] deviam até experimentar, só que ainda por cinco anos e ver o que é que isso daria”, porque, sintetiza, “o MPLA não muda a sua cultura”.

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