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Ucrânia: angolano prometeu aos pais só regressar a Angola “como médico” mas guerra adiou-lhe o sonho

Afonso Zinga saiu do país, rumo à Ucrânia, na esperança de concretizar o sonho de ser médico. Antes de partir prometeu aos pais que só regressaria a Angola como médico, mas a guerra na Ucrânia adiou-lhe os planos. Depois de um duro caminho para sair daquele país europeu, o estudante angolano está de volta às origens, com um sonho que não morreu.

: Jornal de Angola
Jornal de Angola  

Chegou à Ucrânia em Dezembro do ano passado, na esperança de se tornar médico. No entanto, o conflito que irrompeu no mês passado no país europeu reduziu a estadia de sete anos a apenas três meses.

Além de ter encurtado a passagem de Afonso Zinga pela Ucrânia, o conflito armado também veio adiar o seu sonho: "O meu sonho de ser médico ficou totalmente adiado, a minha vida recuou".

"Eu fiz promessa aos meus pais de que só regressaria a Angola como médico, e isso, já não foi possível", contou Afonso Zinga, acrescentando que o sonho não morreu e que se manterá "custe o que custar".

O estudante, que já foi recebido em Cabinda por familiares, esteve três meses na cidade de Kharkiv, onde entrou na Faculdade Internacional Aeroespacial, da Universidade de RAI, onde estudava um curso de língua em simultâneo com o curso preparatório para entrar na Faculdade de Medicina.

Perante o bombardeamento de algumas cidades da Ucrânia, onde tudo indicava que Kharkiv também seria um alvo dos russos, o angolano pegou nas malas e dirigiu-se até Lviv de táxi. Dessa cidade apanhou um comboio com destino à fronteira com a Polónia.

A viagem de táxi, conta, foi dura e os nervos, por estar sozinho e por a cidade parecer abandonada, também não ajudavam.

"Passei dois dias na luta pela procura de carro que me pudesse tirar de casa até à estação de metro. Não havia transportes. Durante os três meses que fiquei em Kharkiv nunca vi coisa igual, foi pela primeira vez em que vi uma cidade ucraniana totalmente deserta, entenda-se desabitada. Saí de casa até à estação de comboio, sem ter visto uma pessoa sequer pela rua", revelou.

A viagem entre Lviv e a Polónia também não foi fácil. Já acompanhado por compatriotas, o estudante disse que a viagem foi "uma verdadeira odisseia, marcada por humilhações, medo e desespero".

Em declarações ao Jornal de Angola, afirmou que não "foi fácil" e que nunca viu algo assim: "Passei por enormes dificuldades, para chegar até à Polónia".

Além de todo o caos, o Inverno rigoroso também não ajudou. "Quase que já não sentia qualquer acção dos meus dedos. O frio era mesmo arrasador, estava a 6 graus negativos", disse.

Na sua odisseia, Afonso Zinga também falou em discriminação na passagem da fronteira com a Polónia. De acordo com o angolano, a prioridade de entrada "era dada aos refugiados ucranianos", enquanto "os estrangeiros, sobretudo os africanos, registamos alguns constrangimentos".

No entanto, disse, essa situação acabou por ser superada, "porque era tanta gente a fazer pressão para transpor a fronteira e as autoridades migratórias polacas acabaram" por ceder.

No processo de retirada dos angolanos da Ucrânia para Angola através de Varsóvia, o estudante referiu que na polónia foram bem acolhidos, tendo recebido "comida, água e até mesmo agasalho de protecção ao frio". Reconheceu ainda o trabalho das autoridades diplomáticas angolanas na Polónia que disponibilizaram transporte, alimentação e alojamento num hotel próximo de Varsóvia, onde esperou pelo avião da TAAG para finalmente regressar ao seu país.

A guerra veio adiar o sonho de Afonso Zinga que, após ter terminado o curso médio de enfermagem, tentou por três anos seguido entrar na universidade pública no Planalto Central. Contudo, sem sucesso, os pais dispuseram-se a pagar a sua formação na Ucrânia.

A situação também foi complicada para os pais do angolano que, de acordo com o Jornal de Angola, acompanharam a evolução da ofensiva através da televisão. Nessa altura, o pai foi falando com o filho diariamente através do telefone para saber como ele estava. Apoio e coragem moral era a única coisa que lhe podia dar.

Citado pelo Jornal de Angola, o pai do estudante agradeceu a João Lourenço pela rápida criação das condições para trazer os alunos angolanos que estavam na Ucrânia para Angola, através da Polónia.

"O sentimento é de alegria para todo um pai, porque, para a família, não foi fácil gerir essa situação tão difícil que começou desde o início da guerra da Ucrânia. Logo nos primeiros dias, foram momentos de muita angústia, não só para os próprios estudantes angolanos que lá se encontravam, mas também para as suas famílias. Não tínhamos sono e nem tão pouco apetite para comer. Tudo desapareceu em nós, sentíamos que o mundo havia desabado", revelou.

Lamentou ainda as "séries dificuldades" que enfrentaram para conseguirem que o seu filho fosse estudar para o estrangeiro e, no fim de tudo, "as coisas vieram a se estragar" por causa da guerra.

Resta agora "acreditar no bom senso do Governo, porque, do nosso lado, já não dispomos de capacidade financeira para voltarmos a concretizar, novamente, a pretensão de mandar o miúdo para um outro país, onde possa fazer a sua formação em Medicina", referiu.

Afonso Zinga diz que o seu sonho não morreu e que as suas esperanças estão agora depositadas no compromisso deixado por uma suposta entidade ligada ao Governo de que os alunos que vieram da Ucrânia seriam ajudados com bolsas quer internas quer externas.

Enquanto essa intenção não se realiza, Afonso quer voltar ao Huambo para tentar entrar novamente na universidade.

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