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Plataforma 27 de Maio suspende participação na comissão de reconciliação

A "Plataforma 27 de Maio" suspendeu a sua participação nos trabalhos da Comissão para a Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP), por não serem respondidos os pedidos apresentados pelos representantes das vítimas.

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A decisão, tomada por unanimidade, na reunião extraordinária do dia 7 deste mês pela Associação 27 de Maio, Associação M-27 e o Grupo de Sobreviventes do 27 de Maio, que constituem a "Plataforma 27 de Maio", foi divulgada esta Sexta-feira.

Numa nota, a que a agência Lusa teve acesso, o grupo refere que o Governo e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, que têm uma posição de domínio na CIVICOP, estão "longe de procurarem um caminho de verdadeira reconciliação nacional, optaram pela recusa da verdade histórica e pela construção de propaganda a seu favor, para branquear a imagem, não estando interessados em apreciar sequer os pedidos que foram apresentados pelos representantes das vítimas".

De acordo com o documento, no dia 23 de Julho do ano passado, a "Plataforma 27 de Maio" solicitou à CIVICOP a realização de uma reunião extraordinária para apreciar alguns pontos para integrar nos trabalhos da comissão, nomeadamente a procura da verdade histórica, "com uma investigação isenta e célere", a definição como objectivo a identificação dos responsáveis pelos crimes, "única forma de se saber a quem se perdoa, na sequência de um pedido prévio de perdão", mas não obtiveram resposta.

Os integrantes da "Plataforma 27 de Maio" sugeriram ainda à CIVICOP que os agentes que praticaram crimes deixassem de ser considerados vítimas, pois a obediência a ordens ilícitas e violadoras dos Direitos Humanos não constitui causa de justificação do crime praticado.

Sugeriam ainda que a localização dos restos mortais das vítimas, a sua certificação pelo teste de ADN, a emissão das respectivas certidões de óbito, onde conste a data e causa da morte e, por fim a sua devolução às famílias, seja definido como objectivo central da Comissão de Averiguação e Certificação dos Óbitos.

"Não foi dada qualquer resposta a este pedido, embora o coordenador da CIVICOP e ministro da Justiça e dos Direitos Humanos nos tivesse dito que iriam analisar e ponderar os pedidos, fazendo acalentar a esperança de que, com o prosseguimento dos trabalhos, seria possível uma efectiva ponderação e acolhimento, ainda que parcial, dos pontos apresentados pelos representantes das vítimas", lê-se no documento.

Para a "Plataforma 27 de Maio" ficou patente, não apenas pelo decurso de tempo, mas sobretudo pelo reconhecimento da acta da reunião de 8 de Janeiro passado e os restantes documentos distribuídos, que a CIVICOP persiste naquilo que chama "modelo angolano de reconciliação", que mais não é do que a ausência de qualquer modelo de justiça transicional.

Os membros consideram que este modelo escolhido pela CIVICOP prefere antes "colocar as vítimas e algozes na mesma posição, ignorando a busca da verdade histórica e as recomendações da União Africana [de que Angola faz parte] sobre a metodologia a desenvolver nos trabalhos".

A "Plataforma 27 de Maio" recorda que a União Africana considera que, em caso de atrocidades, violações graves de direitos humanos, crimes contra a humanidade [como os que foram cometidos no 27 de Maio] deve haver identificação dos responsáveis e um pedido de perdão efectivo, rejeitando-se a impunidade pura e simples.

"A acta e os restantes documentos recebidos contêm conclusões que não correspondem aos temas abordados, refletindo apenas a visão do executivo. São permanentemente trocados nomes das organizações representativas dos sobreviventes e órfãos, semeando a confusão, apesar de previamente e repetidamente terem sido alertados para essas incorreções", queixam-se os representantes das vítimas.

Segundo o grupo, os referidos documentos não espelham qualquer sinal de atendimento das propostas já remetidas pelos sobreviventes e órfãos à CIVICOP.

"Em consequência do exposto, recusamos continuar a participar neste simulacro de reconciliação, enquanto não forem adoptados verdadeiramente os princípios e mecanismos de justiça transicional, definidos pela União Africana em documentos daquela organização", salienta a nota.

Ao Presidente, João Lourenço, a "Plataforma 27 de Maio" indica que se impõe que "assuma a decisão de imprimir uma nova orientação à CIVICOP, de forma a que esta seja o veículo para uma verdadeira reconciliação que a nação Angola exige".

Num memorando de sete páginas, a "Plataforma 27 de Maio" aponta "as deficiências graves da CIVICOP e o caminho a seguir".

O 27 de Maio refere-se aos acontecimentos sangrentos que tiveram lugar, em 1977, após um alegado golpe falhado contra o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, que resultaram em milhares de mortos durante o combate ao chamado "fracionismo" dentro do MPLA, segundo sobreviventes e analistas.

Em Abril de 2019, o Presidente ordenou a criação de uma comissão para elaborar um plano geral de homenagem às vítimas dos conflitos políticos que ocorreram em Angola, entre 11 de Novembro de 1975 e 4 de Abril de 2002.

O Plano de Reconciliação em Memória às Vítima de Conflitos Políticos prevê, entre outras questões, a emissão de certidão de óbito, a construção de um memorial único para todas as vítimas dos conflitos políticos registados no país.

Na última reunião da CIVICOP, o seu coordenador e ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queiroz, sublinhou que os acontecimentos do dia 27 de Maio de 1977 tornaram-se, a nível da CIVICOP, no facto histórico aglutinador dos estudos e análises conducentes ao modelo de Angola de solução dos conflitos políticos de que resultaram vítimas.

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