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O sonho da paz chegou a Angola mas as desigualdades ainda perduram

Os 14 anos de paz permitiram a Angola taxas de crescimento de dois dígitos, a saída de milhares de pessoas da pobreza e o surgimento de uma nova classe média, mas também se agravaram os contrastes sociais, com o petróleo em pano de fundo.

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O Governo angolano e a UNITA assinaram a 4 de Abril de 2002 em Luena, capital da província do Moxico, um acordo de paz, pondo fim à guerra civil que devastou o país, quase ininterruptamente, desde a independência, em 1975.

Para trás ficaram mais de 500.000 mortos e quatro milhões de deslocados, surgindo então o sonho “do reencontro da família angolana”, como recordou à Lusa o investigador académico Nélson Pestana, a propósito do momento mais histórico de Angola independente.

“A segunda coisa que pensei foi que iríamos entrar numa fase de passagem do Estado predador ao Estado industrialista, mesmo que eu tivesse dúvidas em relação à transição política, da ditadura para a democracia, essa poderia levar mais tempo. Infelizmente nenhuma das minhas expectativas se concretizou”, observou o professor da Universidade Católica de Angola (UCAN).

A assinatura formal do Memorando de Entendimento entre as chefias militares, complementar ao Protocolo de Lusaca de 1994, foi concretizada cinco dias depois de o documento ter sido rubricado no Luena pelo chefe do Estado Maior General Adjunto das Forças Armadas Angolanas (FAA), general Geraldo Sachipengo Nunda, e pelo chefe do Alto Estado Maior das Forças Militares da UNITA, general Abreu Muengo Ucuatchitembo "Kamorteiro".

O acordo de cessar-fogo surgiu na sequência de negociações iniciadas oficialmente a 15 de março do mesmo ano, cerca de três semanas depois do líder da UNITA, Jonas Savimbi, ter sido abatido pelas FAA na província oriental do Moxico.

“O fim da guerra trouxe possibilidades de vida que não existiam. A possibilidade de pelo menos as pessoas serem mais autónomas em relação aos poderes conflituantes que existiam, fosse o Estado ou o para-estado da guerrilha. Por isso, hoje, as pessoas podem fazer a sua vida para além do disfuncionamento do Estado”, conta Nélson Pestana.

Ainda assim, num regime liderado desde 1975 pelo MPLA e há 37 anos por José Eduardo dos Santos, o académico sublinha que nem tudo correu bem. Em quase década e meia “a paz militar não se transformou numa paz civil”, aludindo às violações das liberdades e garantias dos cidadãos.

“Com o fim da guerra, a integridade física das pessoas não está constantemente em risco, embora essa integridade física seja muitas vezes violada pela repressão do próprio Estado”, diz o também jurista e investigador do Centro de Estudos e Investigação Científica da UCAN.

Nélson Pestana coordenou o relatório social de Angola apresentado em 2015 pelo Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC), que aponta, de novo, o “problema sério de equidade na repartição do rendimento nacional e de excesso de concentração de riqueza”.

“Desigualdades” que, garante o investigador e também militante do Bloco Democrático, partido político angolano sem representação parlamentar e que surgiu já com a paz, o fim da guerra acentuou. Até porque a paz resultou, na perspectiva do Governo e do MPLA, de uma “vitória militar sobre o seu contendor” e “impôs a sua vontade a toda a sociedade”.

“Isso permitiu que um número reduzido de pessoas se tivesse acaparado da maior parte da riqueza produzida nesse tempo. Temos por um lado um grupo hegemónico que insiste na ditadura, fortemente enriquecido, e temos por outro uma vasta massa de pessoas que não ascendem à cidadania, num estado de pobreza”, critica.

Ainda segundo o relatório do CEIC, que reúne indicadores de várias instituições nacionais e internacionais, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), para avaliar as condições de vida da população, fixou-se em Angola, em 2013, nos 0,526.

O país, que é também o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana, figurava na 149.ª posição do IDH, numa lista com 185 países, posição idêntica para 2012.

Nas contas do CEIC, a taxa de pobreza em Angola cifrou-se em 57,6 por cento em 2011, mas caiu fortemente no ano seguinte para 38,9 por cento, estimando que este ano desça para os 35,6 por cento. O equivalente a mais de nove milhões de pessoas em situação de pobreza.

E o cenário, numa altura em que o crescimento de Angola trava a fundo com a contínua descida das receitas do petróleo, desde 2014, não é animador. Daí que Nélson Pestana admita que em 14 anos de paz o país tenha ficado sentado em cima do barril de petróleo, sem diversificar a economia. “A falta do relançamento da economia produtiva de Angola é o maior falhanço da era pós-guerra”, atira.

Ainda assim segundo um estudo do Standard Bank, apresentado em 2014, praticamente metade da população de Angola saiu da linha de pobreza com o fim da guerra. Em 2000, mais de 92 por cento dos angolanos viviam com dois dólares por dia (limiar da pobreza), enquanto dez anos depois esse registo desceu para 54 por cento.

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