Ver Angola

Sociedade

Falta vontade ao poder político para apostar no desenvolvimento, considera jornalista

O jornalista angolano Israel Campos, que lança este mês o romance “E o Céu Mudou de Cor”, considera, em entrevista à Lusa, que falta vontade ao poder político em Angola para apostar no desenvolvimento do país.

: Ampe Rogério/Lusa
Ampe Rogério/Lusa  

"O que se sente no poder de Luanda é realmente uma inversão muito grande de valores e de prioridades, porque as prioridades em Angola existem e estão identificadas", vinca, acrescentando que naquele seu primeiro romance escreve sobre que país é hoje Angola.

Para Israel Campos, de 22 anos, actual jornalista 'freelancer' da Voz da América e da BBC, que deixou a estatal Rádio Nacional de Angola (RNA) após ter sido alvo de censura, um país como Angola "que continua a ter investimentos tão baixos a nível da educação e a nível da saúde, que são sectores cruciais, muito importantes para alavancar qualquer país, dá sinais claros de que não tem preocupação com o desenvolvimento".

"Não se concebe, por exemplo, como é que Angola até hoje não tenha um plano nacional de leitura. Isso é uma coisa que me assusta bastante", lamenta.

Israel Campos acredita que o desenvolvimento passa pela aposta na educação, mais do que "apostar em construir pontes e estradas", por exemplo.

"Não. As infra-estruturas são importantes, mas é sobretudo também importante o apostar na pessoa e Angola não é isso. Se não há livros, se não há acesso aos livros, se não há possibilidade de leitura não tem como criar gerações de jovens que sejam críticos e que tenham capacidade de pensar e de questionar", antecipa.

Formado em Jornalismo pela City University of London, Israel Campos está a frequentar um mestrado em Comunicação Estratégica na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

As suas críticas vão também para a forma como a concentração de meios de comunicação social nas mãos do Estado subverte a pluralidade de opinião e condiciona a liberdade de escolhas.

"Eu acho que hoje Angola vive um clima de bastante hostilidade; não que seja algo novo, não que não existisse no regime passado, mas eu acho que hoje a forma de actuação do poder instituído em Angola deixa bem patente esta ideia de que há uma nuvem que dificulta o trabalho jornalístico em Angola e uma redução significativa também de espaços, a nível da comunicação social, para que a opinião que questiona, a opinião, que desafia o 'status quo' possa ser ecoada", considera.

Com a concentração de meios de imprensa nas mãos do Estado "fica cada vez mais difícil existir uma comunicação plural que possa realmente fazer frente àquela que a comunicação oficial sempre caracterizou com os órgãos tradicionalmente públicos, como a TPA [Televisão Pública de Angola], a RNA e o Jornal de Angola", afirma.

"Há um alinhamento cada vez maior", o que torna "muito clara a intervenção que a força política que dirige Angola, que é o MPLA, tem dentro desses órgãos", adianta, manifestando-se convicto do que "não é novidade para ninguém que há questões de censura muito claramente dentro destes órgãos".

"Claro que também existe a autocensura, mas há uma intervenção directa do Estado e dos interesses do Governo nestes órgãos que efectivamente compromete o trabalho jornalístico que é feito e, consequentemente, a forma como a opinião pública angolana é informada sobre o país", acrescenta.

Entre a Angola que ascendeu à independência em 1974, após uma prolongada luta anticolonial, e o país actual, perdem-se na distância do tempo os sonhos dos que lutaram pela liberdade.

"A realidade a que nós assistimos hoje, com os altos níveis de todos saírem de Angola por não encontrarem condições necessárias para viver e com as problemáticas sociais, políticas e económicas que temos hoje, estamos sempre a questionar sobre se será que foi isso que motivou a luta daquelas pessoas que queriam a independência do nosso país. Porque nós não nos conformamos com o actual estado de coisas. Nós achamos que a independência foi alcançada para que Angola fosse um país digno para os angolanos", frisa.

Israel Campos lança o seu romance no próximo dia 16, à margem do encontro literário Correntes D'Escritas 2023, na Póvoa do Varzim, num evento que contará com a presença do editor e também escritor angolano Ondjaki.

O lançamento em Lisboa está previsto para 22 de Fevereiro, na Livraria Buchholz, em Lisboa, com a apresentação da obra a cargo dos jornalistas João de Almeida, Sedrick Carvalho e a arquitecta Maria João Teles Grilo.

Permita anúncios no nosso site

×

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios
Utilizamos a publicidade para podermos oferecer-lhe notícias diariamente.