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Novo disco de angolana Aline Frazão é “uma festa” em tempos difíceis para a humanidade

A artista angolana Aline Frazão lança Sexta-feira um novo disco, quando “não é fácil ter fé na humanidade”, mas acreditando que as artes devem ser uma prioridade, mesmo em Angola, onde outros sectores “há muito entraram em colapso”.

: Fradique
Fradique  

"Estamos a viver momentos dramáticos, não é muito fácil ter fé na humanidade neste momento. A pandemia foi uma fatalidade que nos aconteceu, mas temos o caso da guerra que estalou na Europa e todas estas notícias são um pouco desanimadoras", afirmou a cantora, em entrevista à agência Lusa.

Para amostra deste quinto álbum "Uma Música Angolana", a cantora escolheu o tem "Luísa", que já está disponível nas plataformas digitais, e que a autora apresenta como "uma festa", uma vez que simboliza o regresso ao som colectivo da banda, mas também aos espectáculos com público, afastado devido à pandemia de covid-19.

Luísa, que "tem nome de canção", é uma cantiga que acaba por trazer, outra vez, o tema das mulheres ao reportório de Aline Frazão.

"As mulheres, em qualquer profissão, não só na música, têm sempre a sensação de não estarem a fazer suficientemente bem. Têm de ser excepcionais ou absolutamente perfeitas para serem consideradas iguais e merecerem um pagamento equitativo. Luísa fala disso, não só da parte da motivação, mas da importância de haver mulheres a escrever, a cantar, em todas as artes", disse.

E sobre a desigualdade de género, a artista lamenta que seja "um sistema muito bem enraizado" e "um tipo de injustiça que demora muito tempo para se corrigir".

"Sinceramente, com a chegada do novo Presidente [João Lourenço], não se possa dizer que houve uma mudança nesse aspecto. Angola não é um caso excepcional, onde a situação das mulheres não é diferente. Há muito trabalho para fazer, tanto em Angola como noutros lugares", afirmou.

E conta: "Quando comecei este disco, falava muito da importância da musicalidade para abrir caminhos para as pessoas, para imaginar o futuro após uma pandemia que nos bloqueou para fazer planos nas questões mais simples e essa impossibilidade de imaginar o futuro é muito prejudicial a nível político, social, a cultural".

"As artes, por lidarem com a questão a criatividade, podem abrir caminho. Neste momento, o ambiente ficou ainda mais sombrio, mas eu continuo a achar que a arte pode trazer luz", referiu.

A liberdade continua presente nas suas composições, que considera como "um direito que vem como consequência de outros direitos conquistados, básicos ou de justiça social".

No caso de Angola, afirmou, "a saúde, a medicação ou a educação são directos básicos que ainda faltam muito no país e que, com a crise da pandemia, se agravaram. É impossível termos um país verdadeiramente democrático sem termos o mais básico".

Já em 2012, Aline Frazão, cantava: "Se a minha liberdade não existe, a tua é só aparência [álbum "Primeiro mundo"]. Hoje, a música continua "a bater na mesma tecla".

"Está muito fora de moda defendermos a justiça social; parece que as narrativas individuais têm muito mais eco, muito mais brilho, muito mais glamour, mas eu continuo a dizer as mesmas coisas, acho que a consequência vem depois disso e é por aí que eu gostava de ver o meu país a andar", disse.

Aline considera que, em Angola, a situação está "cada vez mais fracturante" e por isso acompanha "com alguma apreensão" a democracia neste país africano, que "é muito frágil".

"Há muita gente que não acredita no sistema eleitoral, na imparcialidade das eleições, o que é muito preocupante, seja verdade ou não. É preocupante que não haja confiança neste sistema e é preocupante o clima crescente de 'fake news', uma certa manipulação da opinião pública. Há uma ausência de comunicação social independente, que as redes sociais acabam por substituir de uma forma muito coxa, muito pouco profissional", adiantou.

Aline Frazão não aposta em grandes mudanças políticas em Angola após as eleições, previstas para Agosto.

"O nosso panorama político é muito pobre a nível de ideias, é muito viciado. Os agentes políticos são os mesmos há muito tempo, faz falta sangue novo, ideias novas, ideias políticas novas. O nosso país é profundamente jovem, acho que devia haver mais espaço para novas e frescas ideias. Tem de haver uma mudança geracional dos nossos políticos", sublinhou.

Sobre o partido no poder (MPLA), a artista considera que tem "um domínio muito grande, difícil de inverter. Está no poder desde a independência, é um partido muito pouco flexível, muito pouco dialogante - para tentar encontrar aqui um eufemismo".

"Vamos esperar para ver e que corra como nas últimas eleições: bem organizadas, pacíficas e com uma grande afluência da população", disse.

E torce para que a cultura, a música e as artes tenham a possibilidade de actuar como uma "ferramenta de coesão, de religar as pessoas".

"É necessário olhar para a cultura como um sector estratégico, não só economicamente, mas para o bem-estar das pessoas", defendeu.

Em Angola, prosseguiu, "o sector da cultura é altamente desestruturado, sem qualquer apoio do Estado, ou insignificante, muito baseado nos apoios privados que, nos últimos anos da crise económica, evaporaram-se".

"Na música, há uma certa partidarização de alguns espectáculos e até de artistas que faz com que o próprio sector seja pouco coeso e pouco estruturado. A pandemia veio piorar. Há muita gente que pensa em sair, em desistir da música, em sobreviver", prosseguiu.

E concluiu: "Não há qualquer incompatibilidade em considerar sectores básicos, como a saúde, a educação, a segurança pública e a cultura".

O novo trabalho de Aline Frazão reflecte todas estas questões e as suas "inquietudes, dúvidas, incertezas e medos". E, como diz a cantora e compositora, tem "uma festa dentro".

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