A posição surge na sequência da criação, pelo Presidente da República, João Lourenço, de uma comissão interministerial responsável pelo registo dos terrenos rurais a favor das comunidades que já os usam, a qual tem um prazo de dois anos para conclusão dos trabalhos.
Em declarações à agência Lusa, o coordenador da SOS Habitat, que actua no problema do acesso à terra em Angola, admite que apesar de "ter chegado tarde", esta medida "é positiva e surpreendente", na medida em que "durante vários anos houve uma má interpretação da Constituição da República, que consagra a Terra como propriedade originária do Estado Angolano", criado em 1975.
"Em detrimento de milhares de angolanos que a detinham como seu espaço de caça, cultivo, habitação e pesca há centenas de anos, dando assim vazão à ocupação desenfreada e violenta por parte daqueles que detinham o poder político, militar e económico", lamentou André Augusto.
Admite que esta nova medida permitirá "a redução da fome e da pobreza", já que ao terem o título das posses dos terrenos que ocupam, as famílias camponesas "estarão em condição de recorrer aos empréstimos bancários junto para o seu melhor aproveitamento, tendo as respectivas terras como garantia".
O coordenador da SOS Habitat reconhece mesmo que, em matéria de gestão de terras, o cenário dos últimos anos foi de um Estado "que se demitiu das suas funções, tendo deixado a maioria dos angolanos à sorte dos poderosos e endinheirados".
"Estamos num país em que até há bem pouco tempo imperou a lei da selva, a lei do mais forte, de forma que os que detinham poderes político, militar, financeiro e administrativo se transformaram em donos do Estado e passavam por cima da Lei, violando os direitos dos mais desfavorecidos causando até mortes. Esta medida além do reconhecimento da existência de conflitos, deve estabelecer a ordem e estrito respeito da dignidade da pessoa humana", advogou.
De acordo com informação prestada à Lusa pela Casa Civil do Presidente da República, a comissão criada a 16 de Fevereiro pelo chefe de Estado deverá efectuar o levantamento dos terrenos rurais ou comunitários existentes nas comunidades rurais, analisar o grau de aproveitamento útil e efectivo dessas áreas, além de "promover o reconhecimento e registo célere de prédios e terrenos rústicos comunitários em regime do domínio útil consuetudinário" e assegurar "a atribuição de direitos fundiários aos detentores de parcelas de terrenos que reúnam os requisitos legais".
Em Outubro, logo após a posse como Presidente da República, João Lourenço assumiu publicamente, no Huambo, o compromisso de iniciar um processo de cadastramento das terras do país, para posteriormente serem atribuídas aos camponeses que já as cultivam.
Já a SOS Habitat recorda que o acesso à terra é um tema "bastante sensível" em Angola, até "porque toca na vida económica, cultura e social das pessoas", sendo necessárias outras medidas, para que a garantia desse direito seja "efectiva".
"Por exemplo propondo à Assembleia Nacional uma revisão profunda da Lei de Terras, com a participação da sociedade civil, para que a mesma represente o interesse de todos e não apenas do ‘Estado', a devolução das terras rurais e comunitárias ocupadas pelos poderosos sem o estrito respeito da lei e a indemnização condigna dos terrenos urbanos e periurbanos, retirados aos cidadãos desfavorecidos pelos indivíduos que usaram o nome do Estado para o benefício próprio", assume André Augusto.
Além de reclamar a necessidade de envolvimento das comunidades no processo que agora se inicia, a SOS Habitat desde já admite que não será possível ao Estado tratar da delimitação e reconhecimento de todas as terras comunitárias e rurais em apenas dois anos, como previsto.