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Durante as chuvas em Luanda vive-se entre o calor, a lama e as doenças

Enxurradas, ruas praticamente intransitáveis entre bairros de musseques, muita lama e brincadeiras das crianças no meio da água estagnada cheia de mosquitos marcam, por estes dias, a zona de Luanda, em plena época das chuvas e temperaturas tropicais.

Rede Angola:

O termómetro marca 32 graus centígrados quando se abate mais uma chuvada na capital, prolongando-se durante vários minutos. Desde Dezembro que as fortes chuvas ditam o ritmo da vida nos bairros dos arredores de Luanda, onde estradas de terra batida se transformam, dias a fio, em autênticos cursos de água, misturados com todo o tipo de lixo.

As poucas fossas existentes já não aguentam a pressão da vida de mais de 6,5 milhões de habitantes e estão constantemente entupidas, com o povo a habitar-se a andar de galochas em pleno calor tropical angolano.

"O problema são as crianças, que vão brincar no meio da água parada. Há muita doença ali", conta à Lusa Rita Miguel, que vende pão no centro do bairro do Sambizanga, numa banca improvisada agora praticamente no meio do lago que as chuvas criaram. "Quando chove, as crianças têm que dormir em cima da mesa, do cadeirão, porque entra muita água nas casas", desabafa ainda, conformada com a situação, mas crítica da aparente inoperância das autoridades.

Directamente, segundo os registos oficiais, a época das chuvas já provocou, entre Setembro e Fevereiro, cerca de 90 mortos e inundações em milhares de casas da capital. Alguns dias chegam mesmo a paralisar a trânsito e centenas acabam por não aparecer no trabalho.

Sem capacidade de escoamento ou condições básicas de saneamento, bastam algumas horas de chuva, em pleno Verão angolano, para espalhar o caos, como a Lusa facilmente constatou em vários bairros de Luanda, antecedendo por norma epidemias de várias doenças, sobretudo as transmitidas pelos mosquitos, como a malária ou o recente surto de febre-amarela.

Rodeada de autênticos rios e muita lama, a população destes bairros periféricos tenta combater como pode os mosquitos e as doenças que transmitem. "Estamos a mobilizar os mecânicos e as pessoas que têm carro para deitarem o óleo queimado nas águas [para afastar os mosquitos]. Mas não é suficiente, o que precisamos é de fazer a sucção das águas", queixa-se à Lusa António Neto.

Enquanto isso, noutro ponto de Luanda, Eusébio António atira o óleo do carro para água e insiste no perigo que a situação representa para as crianças. Sobretudo na propagação da malária, a principal causa de morte em Angola.

"Temos cuidados, mas mal saímos de casa as crianças já estão na água. Sabe como é", conta, recordando que vê o problema repetir-se "há uns 20 anos". "E ninguém faz nada, todo o ano é assim", atira.

Do alto dos seus 72 anos, Alberto Vicente não se conforme ao ver as ruas do seu bairro, a 10 minutos do centro de Luanda, virarem rios: "Isto é uma praia, preciso de arregaçar as calças só para sair de casa. Isto, com os mosquitos, é uma doença para nós". Antigo combatente, assume desilusão com o cenário, visivelmente revoltado: "Com esta idade que eu tenho estou a passar uma dificuldade grande, eu não contava que isto podia ser assim".

Sobretudo desde Dezembro que as autoridades de protecção civil local não têm mãos a medir, em operações de desobstrução das redes pluviais, por entre bacias de retenção que já nada protegem, tal é o nível da pluviosidade na capital.

Faustina Agostinho, de 73 anos, mora no Sambizanga desde 1999 e está farta de fazer "reclamação" sobre os lagos à volta da sua igreja. Ainda assim, sujeita-se a passar, como se nada fosse, por lama e água com vários centímetros de altura. "Como não consigo calçar botas, ando mesmo assim, com o chinelo. Mas depois dá-me comichão no corpo. Só queria que fizessem alguma coisa", apela, num misto de revolta e conformismo com a inoperância.

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